Diariamente, somos bombardeados por informações vindas de todos os lados. Recebemos notícias, indicadores, análises, e prognósticos que chegam dos cinco continentes. Apesar da enormidade de informações, quase sempre nos vemos incapazes de compreender o que ocorre. Este blog pretende ser uma contribuição para entender esse mundo complexo. É claro, não tem a pretensão de ser um oráculo, que dê conta de tudo o que ocorre no mundo, mas uma busca incessante de entender o que acontece à nossa volta.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

O novo presidente do Irã

No último dia 14 de junho de 2013, os iranianos foram às urnas escolher seu novo presidente. Com uma expressiva votação, o que lhe garantiu a vitória ainda no primeiro turno, o clérigo Hassan Rohani foi eleito.
Mas, afinal, quem é Rohani? E qual o real papel que terá nas políticas interna e externa da República Islâmica do Irã?


Rohani é parte do bloco reformista do Irã. Opositor do atual presidente Mahmoud Ahmadinejad, ele defende uma postura diferente na política externa iraniana. Durante a campanha eleitoral, ele disse repetidas vezes que o Irã estava rumando a um caminho perigoso ao afrontar as potências ocidentais, especialmente os Estados Unidos. Ele defendeu, inclusive, abrir um diálogo direto com Washington. No entanto, não deu sinais de que iria trabalhar para paralisar o programa nuclear iraniano. Por outro lado, em debates eleitorais, Rohani se posicionou assertivamente em prol de reformas políticas. Ele frequentemente propôs a discussão de tópicos como justiça, direitos civis e prosperidade econômica.

Rohani nasceu em 13 de novembro de 1948 no seio de uma família religiosa. Iniciou seus estudos em 1960. Em 1969, ingressou na Universidade de Teerã onde obteve o título de Bacharel em Direito. Ele possui Doutorado em Direito pela Universidade de Glascow, na Grã-Bretanha. Rohani foi ativo politicamente na oposição ao Xá Rehza Pahlevi e participou da política que culminou na Revolução Iraniana de 1979. Durante a Guerra Irã-Iraque foi membro do Supremo Conselho de Defesa. Eleito parlamentar diversas vezes, foi o negociador-chefe para assuntos nucleares durante o governo de Mohammed Khatami (1997-2005). Rohani fala, além de persa, árabe e inglês. Possui intensa atividade acadêmica, sendo autor de mais de 100 livros e 700 artigos.

Rohani foi o único clérigo que obteve permissão para participar das eleições. Sua vitória manifesta uma divergência interna no Irã, entre clérigos que defendem reformas no sistema político e aqueles que entendem que nada deve mudar. O principal representante da ala conservadora era Said Jalili, já que Ahmadinejad não poderia concorrer, pois já havia cumprido os dois mandatos permitidos pela lei.
Rohani não está no extremo do polo reformista. Alguns o consideram, na verdade, alguém "menos conservador". É preciso ressaltar que o Conselho dos Guardiães (uma das principais instituições do país e que escolhe o Líder Supremo) é quem avalia quais candidatos poderão concorrer. Dos quase 700 candidatos que se apresentaram, somente 10 puderam concorrer no pleito. Assim, vários candidatos com uma agenda mais contundente de reformas foram deixados de fora da disputa. Um forte candidato, o reconhecidamente reformista Akbar Hashemi Rafsanjani (presidente do Irã entre 1989 e 1997), foi impedido de concorrer pelo Conselho dos Guardiães, que alegou motivos de saúde e sua idade avançada.
Diante disso, Rohani recebeu apoio de várias figuras reformistas, como Rafsanjani e Khatami. O outro candidato de tendência reformista era Mohammed Reza Aref. Porém, Rafsanjani solicitou que Aref desistisse de concorrer para que o campo reformista votasse em massa em Rohani.

Após a confirmação da vitória, Rohani recebeu mensagens promissoras do presidente norte-americano Barack Obama, que, por meio de seu porta-voz, disse que a vitória de Rohani era um "sinal de esperança"  para o país, tanto em relação às reformas internas, quanto em relação à busca por uma resolução do impasse nuclear.
Contudo, por mais que a eleição de Rohani seja vista como promissora rumo a uma resolução das divergências nucleares, talvez ele não tenha condições de levar adiante seus projetos. O presidente do Irã tem a seu cargo algumas atribuições relevantes. Como Chefe de Governo e como a figura central do Poder Executivo, tem a responsabilidade de representar o país em fóruns internacionais, elaborar a política econômica e formular programas sociais e educacionais. Além disso, o presidente tem alguma voz nas discussões sobre a o grau de permissão de atuação da imprensa. Porém, ele é o segundo na hierarquia do país. Assim, quanto à política externa e a questões de caráter de fundação da República, quem tem a palavra final é o Líder Supremo, atualmente o Aiatolá Ali Khamenei. Por isso, o Primeiro Ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, manifestou ceticismo com o resultado das eleições e solicitou à comunidade internacional que permaneça com as sanções ao Irã.

A vitória de Rohani é um claro indicativo que os iranianos almejam reformas no sistema político e querem evitar uma escalada militar que poderia resultar em uma guerra, seja contra Israel, seja contra os Estados Unidos. O comparecimento às urnas foi de cerca de 72%, bem inferior aos 89% das últimas eleições. Por outro lado, o pleito foi bem mais tranquilo em relação a 2009. Nesse ano, uma onda de protestos (as maiores manifestações desde a revolução) contra a reeleição de Mahmoud Ahmadinejad culminou em violência e centenas de mortos. Os manifestantes alegaram que a eleição fora fraudulenta e que maquinações políticas haviam impedido que o reformista Mir-Hussein Moussavi vencesse. Em 2013, nenhum candidato com a agenda de Moussavi teve permissão de concorrer. De todo modo, a busca por reformas se manteve nas atuais eleições. A escolha de uma figura de tendência reformista, ainda no primeiro turno, representa um claro indicativo da demanda por mudanças entre os iranianos.


O Irã passa por severas dificuldades econômicas, causadas pelas sanções internacionais referentes ao seu programa nuclear. Além dos desafios econômicos, Rohani terá pela frente um combate feroz contra seus adversários que não querem permitir qualquer reforma no regime do país.
Devemos aguardar os próximos acontecimentos para vermos até onde poderá ir o novo presidente.

domingo, 9 de junho de 2013

O que está acontecendo na Turquia?

Atualizado em 17 de junho de 2013

Nas últimas semanas, a Turquia vem passando por intensos combates de rua entre manifestantes e forças do governo. Protestos que se iniciaram em Istambul se espalharam para dezenas de cidades do país, quatro pessoas morreram, outras centenas ficaram feridas e milhares foram presas. Trata-se de um fenômeno inaudito em um país que tem se mantido relativamente estável nos últimos anos e que parecia estar incólume às revoltas que eclodem no Oriente Médio e no Norte da África desde o fim de 2010. Mas, afinal, o que está acontecendo na Turquia?



Embora tenha atraído a atenção da mídia há poucos dias, as manifestações de rua se iniciaram em 1º de maio de 2013, quando um grupo de jovens tentava evitar que o governo derrubasse árvores no Parque Gezi, em Istambul. O projeto do governo é remover o parque para dar lugar a um prédio que irá abrigar um shopping center. Muitos turcos se mostraram contrários ao projeto, afirmando que o parque é uma das poucas áreas verdes remanescentes da cidade. Os manifestantes se mostraram indignados pelo fato de uma área pública ser destruída para dar lugar a um empreendimento comercial privado.
No final de maio, os protestos se intensificaram. No dia 28, cerca de 100 jovens fizeram uma manifestação pacífica, se posicionando no parque para evitar que as máquinas dessem início ao trabalho. No dia 30, o governo enviou a polícia para dispersar o grupo. As forças policiais fizeram uso de gás lacrimogêneo e canhões de água e foi acusada de uso excessivo da força. Rapidamente, os manifestantes pediram auxílio pelas redes sociais na Internet e logo chegaram centenas de pessoas à Praça Taksim, ao lado do parque, local que se tornou o centro das manifestações. A partir de então, os confrontos se espalharam para outras cidades, como a capital, Ankara, e as cidades Izmir e Adana.
Apesar do estopim para as manifestações ter sido a destruição do parque, a extensão dos protestos, assim como a violência desencadeada com a tentativa da polícia em dispersar os manifestantes, indicam que algo mais profundo está por trás desse fenômeno.
Os manifestantes crescentemente vêm fazendo duras críticas ao governo do Primeiro Ministro Recep Tayyip Erdogan (lê-se "er-do-wan"). Eles alegam que Erdogan está se tornando cada vez mais autoritário, não levando em consideração a vontade da população em diversos projetos. Vale dizer que uma rua importante próxima ao Parque Gezi foi totalmente alterada nos últimos anos, onde prédios antigos foram derrubados para dar lugar a casas luxuosas e caros centros comerciais. Além disso, Erdogan é acusado de querer "islamizar" o país, ao aprovar leis que contrariam os costumes seculares de grande parte da população turca, como a que proíbe a publicidade de bebidas alcoólicas e limita o horário de funcionamento de lojas que vendem bebidas até às 22h. Essa lei foi aprovada no final de maio de 2013.
Uma das demandas dos manifestantes é a convocação de novas eleições, o que foi prontamente rejeitado pelo governo.
Erodgan está no poder desde 2003, pelo Partido da Justiça e do Desenvolvimento, um grupo com orientações islamistas. Foi reeleito em 2011, porém com uma votação pouco acima dos 50%. Muitos daqueles que votaram no partido de Erdogan anteriormente, especialmente por causa de sua política econômica, ultimamente têm escolhidos outros partidos, afirmando que Erdogan tem se tornado cada vez mais autoritário e se aproximado de grupos muçulmanos conservadores.
O Primeiro Ministro recusa totalmente a ideia de que esteja ocorrendo uma "Primavera Turca" e acusa os partidos de oposição de estarem incitando as pessoas aos protestos para obterem ganhos políticos. Com efeito, muitos grupos de esquerda e nacionalistas se juntaram aos protestos, mas as manifestações tiveram início entre jovens ativistas, agindo individualmente, e grupos secularistas não necessariamente ligados a algum partido político.
A Turquia é apresentada internacionalmente como um experimento de sucesso de secularismo no Oriente Médio. Porém, os recentes acontecimentos no país têm despertado preocupação entre os parceiros internacionais. O Presidente norte-americano Barack Obama criticou as ações do governo como excesso de força. Tal declaração é de suma importância, pois os Estados Unidos são os principais aliados da Turquia. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial,  Washington tem um interesse especial no país. Durante a Guerra Fria, a proximidade se dava em função do perigo soviético. A Turquia é integrante da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Agora, nesse início de século XXI, os Estados Unidos veem na Turquia um estabilizador do Oriente Médio e um parceiro na luta contra o terrorismo. 

O Primeiro Ministro demandou fortemente que os protestos cessassem e que a ordem fosse restabelecida. Para isso, mandou as forças de segurança para dispersar as multidões nas ruas. Erdogan reuniu-se com manifestantes para ouvir duas reivindicações. No entanto, o acordo não foi obtido e, em 15 de junho, o Primeiro Ministro deu uma ordem para a polícia "limpar" a Praça Taksim (ocupada pelos manifestantes havia duas semanas). A confrontação foi grave, houve várias pessoas feridas e presas. No dia seguinte, Erdogan foi aclamado por uma multidão de apoiadores. Em comunicado ao país, solicitou que os manifestantes não voltassem à praça.
Contudo, as manifestações têm continuado. Resta saber quem, no fim das contas, irá vencer essa queda de braço ou se algum tipo de compromisso será alcançado entre as partes.