Diariamente, somos bombardeados por informações vindas de todos os lados. Recebemos notícias, indicadores, análises, e prognósticos que chegam dos cinco continentes. Apesar da enormidade de informações, quase sempre nos vemos incapazes de compreender o que ocorre. Este blog pretende ser uma contribuição para entender esse mundo complexo. É claro, não tem a pretensão de ser um oráculo, que dê conta de tudo o que ocorre no mundo, mas uma busca incessante de entender o que acontece à nossa volta.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

O que está acontecendo na Líbia?

Atualizado em 16 de novembro de 2013 (19:30)

Nesta semana, acompanhamos eventos na Líbia que demonstram o quão conturbado está o ambiente no país. Imagens de pessoas mortas e feridas correram o mundo, após uma manifestação de rua na capital Trípoli ter degenerado em violência e deixado um saldo de cerca de 40 mortos.
A marcha pelas ruas da capital era um protesto contra a presença de milícias em Trípoli. O Primeiro-Ministro, Ali Zeidan, ordenou a retirada de todos os grupos armados da capital. Porém, as milícias não obedeceram. Durante a marcha, no último dia 15 de novembro, grupos armados atiraram contra os manifestantes. A violência se espalhou no dia seguinte, quando tropas rivais se confrontaram nas ruas de Trípoli.
Mas afinal, o que está acontecendo na Líbia?



A Líbia passa por um momento de profunda instabilidade após a derrubada do ditador Muammar al-Qadafi em 2011. Qadafi governava a Líbia desde 1969, após um golpe militar que derrubou o rei Idris As-Sanusi.
A Líbia é um país que reúne diferentes regiões e que se configurou territorialmente no período de domínio otomano. A história da região é antiquíssima. Ao longo dos séculos foi dominada por fenícios, gregos, romanos, vândalos, bizantinos, até ser ocupada pelos árabes que se expandiam pelo Norte da África no ano de 643 D.C.
O Império Otomano ocupou a região no século XVI e criou a província da Líbia, através da reunião das províncias de Tripolitânia, Cirenaica e Fezzan. A região permaneceu sob domínio otomano por vários séculos, mas em diferentes períodos possuiu grande autonomia.
Em 1911-1912 a Líbia foi ocupada pela Itália. Houve anos de insurgência, mas os grupos rebeldes foram sufocados. No entanto, em 1942, em meio à Segunda Guerra Mundial, as tropas aliadas expulsaram os italianos. A Líbia foi ocupada, então, pelos Aliados - a França passou a administrar Fezzan, enquanto os britânicos passaram a administrar Tripolitânia e Cirenaica.
A Líbia obteve sua independência em 1951, sob o rei Idris. Porém, a influência da Europa e dos Estados Unidos permaneceu de forma proeminente. A Líbia é um país que possui uma grande quantidade de petróleo, o que atiçou (e ainda atiça) a cobiça das grandes potências. Tal situação gerava descontentamento interno, principalmente entre os militares.
Assim, em 1969, um golpe militar depôs o rei. O coronel Muammar al-Qadafi, com apenas 27 anos, assumiu o poder. Seguiu-se um regime militar ditatorial, em que Qadafi procurava uma agenda pan-árabe, aliou-se à União Soviética e era completamente anti-americano. Qadafi fechou todas as empresas americanas, italianas e inglesas, além de nacionalizar as companhias de petróleo. Na década de 1980, caças americanos bombardearam instalações militares e o palácio do ditador.
O governo líbio sob Qadafi foi acusado de ser o responsável pela derrubada de um avião da empresa Pan Am com 258 passageiros sobre a cidade escocesa de Lokerbie, em 1988. A animosidade entre as partes era aguda. No entanto, nos anos 2000, Qadafi começou a se aproximar dos governos dos Estados Unidos e da Itália.

Muammar Qadafi em 1969

Após anos de governo Qadafi, a população se revoltou. A revolta na Líbia começou em fevereiro de 2011, quando a população se manifestou em massa, inspirada pelas revoltas em outras partes do Oriente Médio e do Norte da África, conhecidas na mídia como "Primavera Árabe". Os protestos começaram em Benghazi e logo se espalharam para outras partes do país. Seguiu-se um período em que o governo utilizou de todos os meios militares à sua disposição para sufocar os manifestantes. Diante disso, emergiram grupos rebeldes que tinham como objetivo derrubar Qadafi. Os ataques do governo se tornaram cada vez mais severos.
Diante da grave situação humanitária, o Conselho de Segurança da ONU autorizou a criação de uma zona de restrição aérea para evitar que Qadafi utilizasse sua aviação militar para atacar a população. Como Qadafi não respeitou essa restrição, a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) bombardeou várias partes do país, o que facilitou a contra-ofensiva dos rebeldes, que estavam baseados principalmente em Benghazi.
Em agosto de 2011, os rebeldes avançaram sobre a capital, Trípoli, e atacaram o centro do governo. Qadafi e sua família haviam fugido. Porém, em outubro, os rebeldes encontraram Qadafi, o capturaram e o assassinaram.

A partir de então, tentou-se formar um novo governo na Líbia. Constituiu-se um governo provisório, em novembro de 2011, liderado pelo Conselho Nacional de Transição (CNT), que havia sido reconhecido em julho pelas potências europeias e Estados Unidos. Porém, os sinais de descontentamento apareceram já em janeiro de 2012, quando grupos rebeldes em Benghazi entraram em confronto com as forças do CNT.
Proliferaram-se milícias por todo o país. Diferentes grupos controlam nacos do território, que se tornou, na verdade, um aglomerado de áreas controladas por diferentes agrupamentos clânicos. Há confrontos permanentes - entre diferentes milícias, entre o governo e milicianos, entre grupos árabes e berberes etc. Extremistas islâmicos também encontraram no país um território ideal para atuar. Em 11 de setembro de 2011, um grupo ligado à Al-Qaeda atacou a embaixada norte-americana em Benghazi e matou 3 pessoas, inclusive o embaixador, Chris Stevens.
Além disso, as armas utilizadas pelos rebeldes se disseminaram entre a população e é extremamente difícil para o governo recolher esse arsenal para que somente o exército seja uma força armada. Tais armas se espalharam para outras partes do Norte da África e estão sendo utilizadas por grupos rebeldes e grupos extremistas no Mali, na Argélia, no Quênia etc.
O governo tem tentado, em vão, desmantelar as milícias e integrar algumas delas no exército do país. Em agosto de 2012, o CNT passou o governo para o Congresso Geral Líbio (CGL), que assumiu a luta para conter os grupos rebeldes e dar ordem ao país. Ali Zeiden - ex-presidente do CGL - foi eleito Primeiro-Ministro em outubro.
Zeiden é um ex-diplomata que deixou o governo de Qadafi em 1980 e desde estão fazia oposição ao governo. Durante a revolta contra Qadafi, ele foi o principal elo entre o CNT e as potências europeias. Zeiden é reconhecido como o principal responsável por obter o reconhecimento externo dos grupos rebeldes. Porém, hoje, sofre oposição de diversas frentes - grupos islamistas, milícias tribais e líderes autonomistas regionais. Ele é contestado pelos grupos rebeldes, principalmente baseados em Benghazi.
Em 10 de outubro de 2013, o próprio Zeidan foi sequestrado por um grupo rebelde e mantido cativo por seis horas. Os rebeldes afirmaram que o ato fora uma represália à captura de um líder rebelde por forças americanas. Além disso, alegaram que o Primeiro Ministro era corrupto e que subornava militares para garantir seus próprios interesses. O sequestro de Zeidan foi a expressão máxima de um governo sem poder de controlar os grupos armados do país.


A Líbia se encontra em uma posição de extrema vulnerabilidade e o governo tem se mostrado incapaz de manter a ordem em grande parte do país. É nesse quadro que se encontra a Líbia no momento e não há sinais visíveis de que a situação irá melhorar no curto prazo.