Diariamente, somos bombardeados por informações vindas de todos os lados. Recebemos notícias, indicadores, análises, e prognósticos que chegam dos cinco continentes. Apesar da enormidade de informações, quase sempre nos vemos incapazes de compreender o que ocorre. Este blog pretende ser uma contribuição para entender esse mundo complexo. É claro, não tem a pretensão de ser um oráculo, que dê conta de tudo o que ocorre no mundo, mas uma busca incessante de entender o que acontece à nossa volta.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

O que está acontecendo no Iêmen?

Nas últimas semanas, forças políticas do Iêmen chegaram a um acordo para pôr fim aos conflitos internos que assolam o país. Após muitas discussões, decidiram criar uma federação composta de seis regiões. Paralelamente, um atentado a uma prisão na capital, Sanaa, libertou diversos presos acusados de terrorismo.  E um professor britânico foi sequestrado por homens armados. A situação no país é tensa. Mas o que está acontecendo no Iêmen?




O Iêmen vem passando por um período turbulento desde o final do século XX, quando o país, unificado em 1990, passou por contendas entre vários grupos políticos. A situação se tornou mais complexa em 2011, quando as revoltas na Tunísia e no Egito estimularam movimentos similares entre segmentos da população que desejavam a mudança do regime governado por Ali Abdullah Saleh.

Na verdade, o Iêmen está em meio a um dos mais turbulentos períodos de sua longa história. Um dos países mais pobres da região, com disparidades regionais marcantes, é um Estado fraco, que não consegue lidar adequadamente com os desafios à autoridade central, especialmente os militantes ligados à rede Al-Qaeda que atuam no país.

O Iêmen é um país localizado na parte sudoeste da Península Arábica e sua posição estratégica já lhe rendeu a cobiça de potências imperiais e potências regionais ao longo de sua história. Durante cerca de três séculos (XVI-XIX), a área onde hoje é o Iêmen esteve exposta às investidas de dois dos grandes impérios que atuavam na região. Entre 1500 e 1600, a região foi dominada pelo Império Otomano. A partir de 1600, os líderes políticos da região conseguiram permanecer governando uma série de territórios independentes até o século XIX. Em 1839, a Grã-Bretanha, que já possuía um posto marítimo em Aden tomou a parte sul do Iêmen, integrando-a ao seu império. Em 1849, os otomanos fizeram uma investida no norte, conquistando essa área. Logo, no século XIX, o que conhecemos como Iêmen estava dividido entre a parte norte, controlada pelo Império Otomano, e o sul, controlado pelo Império Britânico.
Em 1918, com a dissolução do Império Otomano, a parte norte se tornou independente, sendo governado pelo Imã Yahya, enquanto a parte sul permaneceu sob controle britânico.


Norte x Sul

Em 1962, no Norte, oficiais do exército depuseram a monarquia governada pelo Imã Ahmed (filho do Imã Yahya). Estimulados por movimentos militares em outras partes do Oriente Médio, criaram a República Árabe do Iêmen (RAI), conhecida internacionalmente como “Iêmen do Norte”. A isso se seguiu uma guerra civil entre monarquistas, apoiados pela Arábia Saudita, e os militares, apoiados pelo Egito de Gamal Abdel Nasser.
Em 1967, a parte sul do país se tornou independente da Grã-Bretanha. Composto de Aden e do antigo Protetorado da Arábia do Sul, o país ficou conhecido na comunidade internacional como “Iêmen do Sul”. Os líderes do país adotaram o comunismo e o país foi nomeado oficialmente República Democrática Popular do Iêmen (RDPI).
A partir de 1972, contendas fronteiriças deram início a combates entre o norte e o sul, paralisado somente após um cessar fogo mediado pela Liga Árabe. A luta continuou pelas décadas seguintes até que o país foi unificado em 1990, sob a presidência de Ali Abdullah Saleh.
Ali Abdullah Saleh era presidente do Iêmen do Norte desde 1978. Em 1993, houve um acordo para um governo de coalizão, formado pelos partidos governistas do Norte e do Sul. No entanto, as querelas continuaram, com políticos do Sul freqüentemente acusando o Norte de marginalizá-los das decisões políticas mais importantes.
Em 1994, a situação se deteriorou. Os exércitos dos antigos países do Norte e do Sul, que o governo não conseguiu reunir sob um único comando, se prepararam na antiga fronteira e entraram em combate. Forças do Sul declararam independência. Em julho, forças do governo ocuparam Aden e os líderes rebeldes fugiram do país.


Um Estado fraco e fragmentado

A partir de então, o Iêmen entrou em processo de enfraquecimento institucional e de desagregação política entre as regiões. Isso tornou o país um terreno favorável para que, no final da década de 1990, se tornasse um refúgio para grupos extremistas ligados à Al-Qaeda. O principal ato de tais grupos no país foi o atentado contra o navio norte-americano USS Cole, em 2000, em Aden. Dias depois, foi cometido outro atentado, desta vez contra a embaixada britânica. Diante disso, em 2001, Abdullah Saleh visitou os Estados Unidos e declarou ao Presidente George W. Bush que o Iêmen iria cooperar na luta contra o terrorismo. Em 2002, Abdullah Saleh expulsou cerca de 200 líderes islâmicos acusados de serem ligados à Al-Qaeda.
Além disso, o país sofria o risco de desmembramento. Em 2004, uma revolta no norte, liderada pelo clérigo xiita Hussein Al-Hout, desafiou o poder central. A partir de então, seguidores de Al-Hout (morto em 2005) passaram a combater forças do governo, com tréguas intermitentes.
Nesse período, o país se tornou um grande campo de batalha, com o governo combatendo em várias frentes, contra vários inimigos: extremistas ligados à Al-Qaeda, separatistas no norte e no sul do país, líderes de movimentos populares, liberais e pela democratização.
Em 2008, a polícia atacou uma manifestação demandando reformas políticas e eleições livres. E no natal de 2009, um indivíduo iemenita, alegando ser parte da Al-Qaeda, tentou explodir um avião norte-americano. Enquanto isso, grupos xiitas se rebelaram na província de Saada, no norte. Os rebeldes conseguiram ocupar partes do território iemenita e entraram em confronto com tropas da Arábia Saudita, reino apoiador do governo do Iêmen.


Por fim, em 2011, após manifestações na Tunísia derrubarem o Presidente Zine Abdine Ben Ali, emergiu com mais força um movimento exigindo reformas políticas no Iêmen. Muitos pediam a renúncia do Presidente Abdullah Saleh, no poder desde a unificação do país em 1990. Grandes manifestações de rua, protestos em massa e confrontos com a polícia se seguiram. Diante da pressão, Abdullah Saleh proclamou que seu governo não seria estendido para além de 2013. No entanto, os protestos continuaram e um importante militar, o General Ali Mohsen Al-Ahmar, declarou apoio às manifestações. Ministros e outras figuras de alto escalão deixaram o governo. A violência se espalhou e Abdullah Saleh impôs estado de emergência no país. Enquanto isso, rebeldes entraram em confronto com forças do governo na capital, Sanaa.
O governo entrou em franca decomposição, até que o próprio Presidente sofreu um atentado por um foguete quando voava para a Arábia Saudita. Com isso, em novembro de 2011, Abdullah Saleh deixou o poder, e Abd Rabbuh Mansour Hadi assumiu a presidência, tendo ao seu lado um membro da oposição como Primeiro-Ministro em um governo de coalizão. Porém, a contenda norte-sul não arrefeceu.
Aproveitando-se do estado caótico do país, a Al-Qaeda empreendeu novos ataques, se tornando a filial da rede mais ativa no mundo. Além disso, a rede terrorista ocupou diversos nacos de território do país. O governo pós-Abdullah Saleh respondeu atacando bastiões da rede terrorista no sul. Paralelamente, aviões não-tripulados (os chamados "drones") norte-americanos passaram a atacar alvos acusados de ligação com a Al-Qaeda, matando centenas de supostos terroristas. Tais atos geraram críticas na comunidade internacional, por causarem a morte de centenas de civis e porque se entende que os ataques de drones são atos de execução sem direito à defesa.


E é nessa situação que se encontra o país hoje: um refúgio para membros de grupos extremistas islâmicos, um campo de batalha entre norte e sul, um terreno onde se trava a “Guerra contra o Terrorismo” e um ambiente onde jovens lutam por reformas políticas. Tudo isso em um Estado fraco e com instituições frágeis.

Desde o início de 2013, os líderes políticos vêm buscando o diálogo para pôr fim aos conflitos múltiplos que assolam o país. Em março, foi lançado o “Diálogo Nacional”, um congresso de seis meses composto por 565 delegados de todo o espectro político.
O acordo de federação assinado em fevereiro de 2014 vem em um momento em que os líderes políticos tentam pôr fim às divisões entre norte e sul. O Sul demanda mais autonomia e mais direitos, além de propor um regime mais descentralizado. Já o Norte quer manter a supremacia política no país e exige a maioria das principais províncias da nova federação.

Encontrar um denominador comum é o primeiro passo para um futuro mais promissor no Iêmen.