Diariamente, somos bombardeados por informações vindas de todos os lados. Recebemos notícias, indicadores, análises, e prognósticos que chegam dos cinco continentes. Apesar da enormidade de informações, quase sempre nos vemos incapazes de compreender o que ocorre. Este blog pretende ser uma contribuição para entender esse mundo complexo. É claro, não tem a pretensão de ser um oráculo, que dê conta de tudo o que ocorre no mundo, mas uma busca incessante de entender o que acontece à nossa volta.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

O que é a Questão Palestina?

2ª PARTE
Da fundação de Israel aos Acordos de Oslo (1948-1993)

             


            Como vimos na 1ª parte, Israel lutou uma guerra contra cinco países árabes entre maio de 1948 e janeiro de 1949, após os líderes sionistas declararem a fundação do país no momento em que os britânicos findaram sua administração na Palestina. E, assim, o combate entre sionistas e palestinos, tornou-se o conflito árabe-israelense, um conflito entre Estados nacionais do Oriente Médio, e o conflito israelense-palestino, um embate entre o Estado de Israel e diversos grupos armados e políticos palestinos.
      Após o fim dos combates entre Israel e os países árabes, em 1949, os palestinos encontravam-se em três situações distintas. Os que fugiram de suas casas, os que permaneceram nos territórios que se tornou Israel e os que viviam nas áreas que se tornaram a Faixa de Gaza e a Cisjordânia. Estes últimos estavam sob administração egípcia e jordaniana, respectivamente, e viviam em uma situação relativamente melhor, já que continuavam habitando os mesmos lugares de antes da guerra. Contudo, os dois outros grupos vivem, ainda hoje, em uma situação precária.
           O contingente que fugiu de suas casas ou foi expulso pelas tropas israelenses foi morar em campos de refugiados em diversas partes do Oriente Médio. Os cerca de 800 mil refugiados palestinos viviam principalmente no Líbano, na Jordânia, na Síria e no Iraque. Alguns campos de refugiados foram construídos na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. Esses campos, criados para serem temporários, tornaram-se permanentes. As barracas de lona viraram barracos de madeira e depois foram transformados em casas de alvenaria. Contudo, grande parte desses campos ainda existe e muitos deles são precários e insalubres.
            Dentre os grupos árabes que permaneceram em Israel, muitos deles receberam cidadania israelense – são os árabe-israelenses. Hoje, representam cerca de 20% da população de Israel. Sua situação também é precária. Muitos reclamam de serem tratados como cidadãos de segunda classe e de sofrerem preconceitos. Por sua vez, muitos israelenses manifestam desconforto com essa população e os consideram traidores do país e uma espécie de “quinta coluna” dentro de Israel. Já houve declarações de políticos afirmando que se houver um Estado palestino no futuro, essas pessoas deveriam ser incentivadas a se mudar para lá.
            No interior dos três grupos palestinos houve, desde 1949, uma sensação de perda e de ferida pela criação de Israel e pela desagregação da sociedade palestina. Muitos militantes passaram a cometer ataques a propriedades e a bens em Israel. Embora esses ataques causassem pouco ou nenhum impacto político, criava uma sensação de insegurança em Israel e demandas, por parte dos israelenses, para que o governo agisse para conter esses ataques.
            Tais ataques eram desorganizados e eram iniciativas fundamentalmente individuais. Não havia, nesse momento, um movimento organizado por parte dos palestinos. Na verdade, a luta interna entre árabes palestinos e sionistas antes de 1948 tornou-se uma luta entre Estados após a fundação de Israel.
Entre 1949 e 1956, as escaramuças entre os Estados eram frequentes, mas de intensidade fraca. Isso mudou em meados da década de 1950, quando o Oriente Médio foi palco de uma nova guerra. Os principais atores médio-orientais foram o Egito e Israel.
O Egito passou por uma revolução em 1952, em que militares, em sua maioria de patentes médias, derrubou o regime do Rei Farouk. Sob a liderança de Gamal Abdel Nasser, o Egito se tornou o maior e mais temido inimigo de Israel no Oriente Médio. Nasser declarou que todos os Estados árabes deveriam se unir para derrotar seus inimigos. Seu pan-arabismo era dirigido contra Israel e contra as potências colonialistas que ainda tinham bastante poder na região, a Grã-Bretanha e a França.
A Grã-Bretanha possuía, em meados da década de 1950, 80 mil soldados estacionados no Canal de Suez (construído em 1889 para possibilitar a ligação do Oceano Índico com o Mar Mediterrâneo), um dos últimos bastiões do Império Britânico. Nasser queria a completa retirada dos britânicos. Além disso, apoiava a guerrilha argelina contra a França. Percebendo que tinham um inimigo comum, Grã-Bretanha, França e Israel desfecharam um ataque contra o Egito em 29 de outubro de 1956. Porém, a União Soviética, aliada do Egito, e os Estados Unidos, temerosos da instabilidade na região, pressionaram os três atacantes a recuar. Vencido no campo de batalha, Nasser saiu vitorioso da luta política.
Enquanto isso, os palestinos começaram a trilhar um caminho rumo à formação de grupos organizados. Em 1959, foi criado o al-Fatah (a vitória) por árabes residentes no Kuwait. Os três fundadores mais importantes foram Yasser Arafat, Abu Yiad e Abu Jihad. Outros grupos foram criados, como a Frente Popular para a Libertação da Palestina - FPLP, de orientação marxista.
Nasser, se apresentando como o líder do pan-arabismo, tomou para si a tarefa de “libertar” a Palestina. Em 1964, temendo a expansão e a independência dos grupos palestinos, Nasser e alguns líderes palestinos exilados criaram a Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Contudo, muitos líderes palestinos se recusaram a ingressar na OLP, inclusive Arafat.
Em 1967, algo de grandes proporções ocorreu no Oriente Médio. Após meses de deterioração das relações e de agravamento dos confrontos, Egito, Jordânia e Síria entraram em guerra com Israel em junho. Após 6 dias, os israelenses derrotaram os três oponentes. Desde então, a guerra é conhecida como a Guerra dos Seis Dias.
Porém, não foi somente pela estrondosa vitória militar israelense que essa guerra é importante. Ao vencer a guerra, Israel ocupou uma grande extensão territorial. Ocupou a Faixa de Gaza e a Península do Sinai do Egito; ocupou a Cisjordânia, inclusive Jerusalém Oriental, da Jordânia; e ocupou as colinas de Golã da Síria.



            Após o fim dos confrontos, toda a Palestina que havia sido parte do Mandato Britânico ficou sob controle israelense. A comunidade internacional reagiu. A ONU aprovou a resolução 242, que pedia a retirada de Israel dos territórios ocupados. Israel devolveu a Península do Sinai ao Egito em 1979 e se retirou da Faixa de Gaza em 2005. Mas se mantém na Cisjordânia até hoje, onde os sucessivos governos israelenses construíram assentamentos judaicos.
Com a estrondosa vitória, Israel passou a ser visto como praticamente imbatível no campo de batalha. Por outro lado, os Estados árabes foram vistos como incapazes de tomar para si a tarefa de prover um Estado para os palestinos. 
Ao mesmo tempo, uma mudança na balança de poder entre palestinos e países árabes ocorreu em 1968. Após a ocupação militar da Cisjordânia por Israel, o Fatah montou um foco guerrilheiro em Nablus, que desferia uma série de atos guerrilheiros contra civis e militares israelenses. Quando o exército de Israel se dirigiu para a localidade de Karameh na tentativa de desbaratar o foco guerrilheiro, os palestinos reagiram e repeliram os israelenses. Desde então, o episódio ficou conhecido como Batalha de Karameh. O Fatah viu seu prestígio crescer enormemente. Em 1969, Yasser Arafat foi eleito presidente da OLP. A OLP, assim, passou a representar os palestinos, e não mais estava sob controle dos Estados árabes.
Arafat iniciou uma série de medidas para tentar desmantelar o Estado de Israel e criar um Estado em toda a Palestina. Combinou violência e política para tentar criar um Estado palestino. De início, trilhou o caminho da guerrilha e do terrorismo. Na verdade, ações espetaculares contra alvos israelenses foram praticadas pelo Fatah e por outros grupos palestinos durante as décadas de 1960 e 1970, principalmente sequestros de aeronaves e assassinatos de políticos. Porém, o que mais chocou a comunidade internacional foi a invasão do alojamento de atletas israelenses nas Olimpíadas de Munique, em 1972, em que todos os israelenses foram mortos no momento da invasão ou na tentativa frustrada da polícia alemã de resgatar os reféns.
Quando Arafat empenhou-se em trilhar o caminho político, frequentemente foi exposto a uma posição delicada. Se apoiasse o uso da violência, perderia legitimidade em sua luta política perante a comunidade internacional. Se condenasse, perderia credibilidade entre seus seguidores. Porém, aos poucos, a ação política se apresentou como o caminho mais viável para Arafat, em especial após a morte de Nasser.
Nasser morreu em 1970 e assumiu em seu lugar Anuar al-Sadat, que a princípio parecia seguir a linha de seu antecessor. Desferiu, junto com a Síria e com a Jordânia, a guerra de outubro de 1973, conhecida como a Guerra do Yom Kippur. Os árabes, que venceram batalhas no início da guerra, tiveram que recuar diante do poderio bélico israelense. A partir de então, Sadat empreendeu tentativas de acordo com Israel. Entre 1974 e 1975, Egito e Israel celebraram acordos para divisão de tropas no Sinai. Tais contatos culminaram com os Acordos de Camp David, em 1978, em que ambos os países assinaram um acordo de paz e Israel se retirou da Península do Sinai.
Arafat, sentindo-se isolado, sem o apoio de uma potência regional, recorreu à luta política. Em 1974, Arafat foi à tribuna da Assembleia Geral da ONU e fez um discurso abrindo a possibilidade de diálogo. A OLP já era reconhecida por parte da comunidade internacional como a legítima representante dos palestinos e Arafat tornara-se a face da luta palestina. Iniciaram-se, nesse período, discursos para que fosse criado um Estado palestino nas “fronteiras de 1967”, isto é, na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, territórios ocupados por Israel na Guerra dos Seis Dias, em junho de 1967.
Paralelamente à luta para fundar o Estado palestino, grupos armados faziam incursões violentas contra alvos israelenses. Partindo de campos de refugiados localizados nos países vizinhos a Israel, principalmente Jordânia e Líbano, os militantes palestinos causavam problemas para os países hospedeiros, já que Israel revidava com força. Os palestinos, desgostosos com as tentativas do governo da Jordânia de evitar ataques a Israel, tentaram, em 1970, derrubar a monarquia jordaniana, que respondeu de forma veemente. O resultado foi a morte de cerca de 4 mil palestinos, episódio conhecido como Setembro Negro. Muitos dos que não foram mortos, fugiram para o Líbano.
Neste país, os palestinos se envolveram nas escaramuças internas. Quando a Guerra Civil do Líbano eclodiu, em 1975, os palestinos assumiram uma posição política e no campo de batalha. Além da luta contra facções inimigas libanesas, os palestinos atacavam o Norte de Israel. Como resposta, Israel invadiu o território libanês em 1982 na chamada “Operação Paz na Galileia”. A princípio, a missão era apenas defender o Norte de Israel dos ataques palestinos. No entanto, sentindo-se fortalecido, o exército israelense, comandado por Ariel Sharon, marchou no interior do território libanês com o objetivo de chegar a Beirute e derrotar definitivamente a OLP, que tinha seu quartel-general no subúrbio da capital libanesa.
Com o elevado número de mortos israelenses na ofensiva, a sociedade israelense manifestou-se contrária às estratégias de Ariel Sharon. Depois de pesados ataques a Beirute, destruindo grande parte da cidade que era considerada a “Paris do Oriente Médio”, Israel aceitou um cessar-fogo, com a condição de que os líderes da OLP se retirassem do Líbano. Em setembro de 1982, Arafat e 8.500 seguidores rumaram para a Tunísia. Outros membros da OLP se dirigiram para a Síria, Iêmen e Iraque.
Mas ainda houve um episódio chocante envolvendo os palestinos na guerra civil libanesa. Em 1984, forças cristãs fizeram uma incursão nos campos de refugiados de Sabra e Chatila, franqueados pelo exército de Israel, e cometeram um verdadeiro massacre – mais de 200 mortos, inclusive mulheres e crianças.
Enquanto isso, a situação dos palestinos que viviam sob ocupação militar na Cisjordânia e na Faixa de Gaza se deteriorava cada vez mais. Restrições econômicas e sociais se faziam sentir entre uma população que se sentia cada vez mais distante de sua liderança, espalhada pelo Oriente Médio e Norte da África. Em dezembro de 1987, eclodiu a Intifada, o levante palestino contra a ocupação israelense. Revoltados pela morte de 4 jovens em um acidente automobilístico causado por um caminhão militar israelense, os palestinos, muitos deles crianças e adolescentes, se rebelaram e atacavam os soldados israelenses com pedras e paus. O exército de Israel respondia com truculência. As imagens de crianças atirando pedras  em tanques correram o mundo. Os militares e políticos israelenses ficaram expostos a uma constrangedora situação, recebendo críticas de várias partes do mundo. Arafat, pego de surpresa, tentou canalizar o descontentamento para seus fins políticos, mas parte desse descontentamento era direcionado para a OLP.
Assim, Israel e a liderança palestina tiveram de se adequar aos novos acontecimentos e buscar uma solução política. Os lideres israelenses começaram a abandonar a rejeição a Arafat e passaram a acenar com a possibilidade de negociar com a OLP. Arafat, por sua vez, em 1988, declarou que abandonava e condenava qualquer ação terrorista. Porém, em 1990, cometeu um erro estratégico que lhe custou caro: apoiou a invasão do Kuwait pelo Iraque de Saddam Hussein.
Derrotado o Iraque, Arafat sentiu-se isolado em uma nova configuração de poder internacional. Sem a União Soviética para apoiar os palestinos, Arafat se sentiu ainda mais pressionado, em um ambiente internacional marcado pela hegemonia da única superpotência mundial, os Estados Unidos, pelo poderio militar israelense e pela ausência de um país árabe disposto a defender a causa palestina.
Em 1993, após vários meses de negociações e com a intermediação do Presidente norte-americano Bill Clinton, Yasser Arafat e Ytzak Rabin apertaram as mãos e celebraram os Acordos de Oslo, uma declaração de princípios em que os palestinos reconheciam Israel e os israelenses reconheciam os palestinos como um povo com direito a um Estado.



            Contudo, como “declaração de princípios”, os acordos precisavam de muito mais do que apertos de mãos. Necessitavam de líderes que estivessem dispostos a levar adiante o que estava escrito, algo muito mais difícil do que posar para uma fotografia.


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