Diariamente, somos bombardeados por informações vindas de todos os lados. Recebemos notícias, indicadores, análises, e prognósticos que chegam dos cinco continentes. Apesar da enormidade de informações, quase sempre nos vemos incapazes de compreender o que ocorre. Este blog pretende ser uma contribuição para entender esse mundo complexo. É claro, não tem a pretensão de ser um oráculo, que dê conta de tudo o que ocorre no mundo, mas uma busca incessante de entender o que acontece à nossa volta.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

A nova Constituição do Egito

Autoridades egípcias anunciaram a vitória do "Sim" no referendo sobre a nova Constituição do Egito. A aprovação da Carta Magna gerou intensos protestos no Cairo em outras grandes cidades do país.
Contudo, a nova Constituição é ambígua. O texto traz avanços em alguns pontos, mas é extremamente polêmico em outros. Oposicionistas acusam o Presidente Mohammed Mursi e os islamistas de estarem levando o Egito a uma "teocracia". Já os apoiadores da Constituição dizem que se trata de um momento histórico na transição política no Egito.
Ao todo, a Carta Magna possui 236 artigos.



Abaixo excertos da nova Constituição do Egito.
O texto é uma tradução do inglês disponível no site do jornal Egypt Independent, que traduziu o documento do árabe para a língua inglesa.


Preâmbulo da Constituição

Nós, o povo do Egito, em nome do Deus misericordioso e com Sua ajuda, declaramos ser esta a nossa Constituição, o documento da revolução de 25 de janeiro, que foi iniciada por nossa juventude, abraçada pelo nosso povo e apoiada pelas nossas Forças Armadas;
Tendo rejeitado, na Praça Tahrir e em todo o país, todas as formas de injustiça, opressão, tirania, despotismo, exclusão, pilhagem e monopólio;
Proclamamos nossos direitos plenos ao "pão, liberdade, justiça social e dignidade humana", pagos com o sangue dos nossos mártires, com a dor de nossos feridos, com os sonhos de nossas crianças, com a luta de nossos homens e mulheres;
Recuperamos o espírito de nossa grande civilização e de nossa brilhante história, pois às margens do eterno Nilo nós estabelecemos o mais antigo estado a conhecer o significado de cidadania e igualdade, que deu à humanidade o primeiro alfabeto, abriu o caminho para o monoteísmo e para o conhecimento do Criador, abraçou os profetas de Deus e suas mensagens, e adornou as páginas da história com seu desfile de criatividade;
E, dando continuidade à nossa virtuosa revolução, que unificou todos os egípcios no caminho da construção de um estado democrático moderno, nós declaramos nossa aderência aos seguintes princípios:

Um -
O povo é a fonte de todas as autoridades. Autoridades são instituídas pelo povo e derivam sua legitimidade do povo, e estão sujeitos à vontade do povo. As responsabilidades e competências das autoridades são um dever a cumprir, não um privilégio ou fonte de imunidade.

Dois -
O sistema de governo é democrático, estabelecendo os fundamentos da transferência pacífica do poder, sendo a base do pluralismo político, garantindo eleições justas e a contribuição do povo no processo de tomada de decisão.

Três -
A dignidade individual é uma extensão da dignidade da nação. Além disso, não há dignidade para um país em que as mulheres não sejam respeitadas; as mulheres são as irmãs dos homens e parceiras em todos os benefícios e responsabilidades nacionais.

Quatro -
A liberdade é um direito: liberdade de pensamento, de expressão e de criação; liberdade de habitação, propriedade e deslocamento; princípios estabelecidos pelo Criador no funcionamento do universo e na natureza humana.

Cinco -
Igualdade e oportunidades iguais são estabelecidas para todos os cidadãos, homens e mulheres, sem discriminação, nepotismo ou tratamento preferencial, tanto nos direitos quanto nos deveres.

Seis -
O governo da lei é a base da liberdade individual, a legitimidade da autoridade, e o respeito do Estado à lei. Nenhum poder será colocado acima do direito, e o judiciário será independente, portador da honorável missão de defender a Constituição, manter a justiça e preservar os direitos e as liberdades.

Sete -
Manter a unidade nacional é uma obrigação, a pedra fundamental da construção do Egito moderno e o caminho para o progresso e para o desenvolvimento. Para esse fim, os valores da tolerância e da moderação devem ser disseminados, e os direitos e as liberdades de todos os cidadãos devem ser protegidos sem discriminação.

Oito -
Defender a nação é um dever e uma honra. Nossas Forças Armadas formam uma instituição nacional profissional e neutra que não interfere em assuntos políticos. Elas são o escudo protetor do país.

Nove -
A segurança é uma grande bênção; ela repousa nos ombros de uma força policial que trabalha a serviço do povo, para sua proteção e para implementar as decisões judiciais. Pois não pode haver justiça sem proteção, e não haverá proteção sem instituições de segurança que respeitem as regras da lei e a dignidade humana.

Dez -
A unidade é a esperança da nação árabe; é um chamamento histórico, a aposta para o futuro e uma demanda do destino. Tal unidade deve ser reforçada por meio da integração e da fraternidade entre os países do Vale do Nilo e do mundo muçulmano, uma natural extensão apoiada na distinção da posição do Egito no mapa global.

Onze -
A intelectualidade pioneira e a liderança cultural do Egito são a corporificação de seu soft power, e um modelo da livre generosidade dos criadores e pensadores originais, universidades, centros científicos, centros linguísticos e de pesquisa, imprensa, artes, literatura e mídia de massas, religião nacional, bem como a [Universidade] Al-Azhar, com sua história como uma mantenedora da identidade nacional, a língua árabe e a Shari'a Islâmica, e como um farol para o pensamento ilustrado e moderado.

Nós, o povo do Egito,
Em nome da fé em Deus e em Suas mensagens celestes,
Em reconhecimento do direito do país e da nação,
Com consciência de nossas responsabilidades para com a nação e com a humanidade,
Prometemos nos comprometer com os princípios constantes nessa Constituição, que nós aceitamos e confirmamos a nós mesmos, afirmando nossa determinação para mantê-la e defendê-la, e declarando que ela será protegida e respeitada pelas autoridades do Estado e pela sociedade em geral.


Parte I: ESTADO E SOCIEDADE

Capítulo Um: Princípios políticos


Artigo 1

A República Árabe do Egito é um estado soberano independente, unido e indivisível, seu sistema democrático. O povo egípcio é parte das nações Árabe e Islâmica, orgulhoso de participar do Vale do Nilo e da África e da riqueza asiática, [e de ser] participante positivo da civilização humana.

Artigo 2
O Islã é a religião do Estado e o árabe é o seu idioma. Os princípios da Shari'a Islâmica são a principal fonte da legislação.

Artigo 3
Os princípios canônicos dos Cristãos e Judeus egípcios são a principal fonte da legislação para suas leis de status pessoal, para assuntos religiosos e para a escolha de seus líderes espirituais.

Artigo 4
[A Universidade] Al-Azhar é uma instituição islâmica abrangente, com autonomia exclusiva sobre seus assuntos, responsável por proclamar o Islã, a teologia e a língua árabe no Egito e no mundo. Os acadêmicos sênior serão consultados em matérias referentes à lei Islâmica.
O ocupante do posto de Grande Sheik de Al-Azhar é independente e não pode ser demitido. O método de indicação do Grande Sheik pelos acadêmicos sênior será determinado por lei.
O Estado irá garantir suficientes fundos para a Al-Azhar alcançar seus objetivos.
Tudo o escrito acima será sujeito a regulações legais.

Artigo 5
A soberania é somente para o povo e o povo é a fonte da autoridade. O povo irá exercer e proteger esta soberania e salvaguardar a unidade nacional da forma estipulada na Constituição.

Artigo 6
O sistema político é baseado nos princípios da democracia e da shura (Conselho), da cidadania (sob a qual todos os cidadãos são iguais em direitos e deveres), do pluralismo multi-partidário, da transferência pacífica do poder, da separação de poderes e do balanceamento entre eles, do governo da lei, e do respeito pelos direitos e liberdades humanos; tudo conforme elaborado na Constituição.
Nenhum partido político que discriminar pessoas na base de gênero, origem ou religião será criado.

Artigo 7
A defesa da pátria e de seu solo é um dever sagrado, e a conscrição é obrigatória de acordo com a lei.

Artigo 8
O Estado garante os meios de alcançar a justiça, igualdade e liberdade, e está comprometido a facilitar os canais de caridade social e solidariedade entre os membros da sociedade, e a garantir a proteção às pessoas e à propriedade, e a trabalhar rumo a providenciá-los para todos os cidadãos; tudo no contexto da lei.

Artigo 9
O Estado irá garantir a segurança e as oportunidades iguais para todos os cidadãos sem discriminação.

Artigo 10
A família é a base da sociedade e é baseada na religião, moralidade e patriotismo.
O Estado está comprometido a preservar a característica genuína da família egípcia, sua coesão e estabilidade e a proteger seus valores morais, tudo regulamentado pela lei.
O Estado irá garantir os serviços de saúde para crianças e mães, gratuitamente, e providenciar a reconciliação entre os deveres de uma mulher quanto à sua família e quanto ao seu trabalho.
O Estado irá prover especial atenção e proteção às mulheres chefes de família, às mulheres divorciadas e às viúvas.

Artigo 11
O Estado irá salvaguardar a ética, a moralidade pública e a ordem pública, e estimular um alto nível de educação e de valores religiosos e patrióticos, pensamento científico, cultura árabe e o legado histórico e cultural do povo; tudo como regulamentado em lei.

Artigo 12
O Estado irá salvaguardar os constituintes culturais e linguísticos da sociedade, e estimular a arabização da educação, da ciência e do conhecimento.

Artigo 13
A instituição de títulos civis será proibida.

Artigo 14
A economia nacional será organizada de acordo com um plano de desenvolvimento constante e abrangente, garantindo o aumento da renda nacional, a elevação do padrão de vida, a erradicação da pobreza e do desemprego, o aumento das oportunidades de trabalho e crescimento da produção.
O plano de desenvolvimento irá estabelecer a justiça social e a solidariedade, garantir a distribuição igualitária, proteger os direitos dos consumidores e salvaguardar os direitos dos trabalhadores, dividindo os custos do desenvolvimento entre capital e trabalho, e compartilhando as receitas de forma justa.
Os salários serão ligados à produção, criando uma ponte sobre as lacunas de renda e estabelecendo um salário mínimo que garanta padrões de vida decentes para todos os cidadãos, e um salário máximo para os cargos de serviço civil com isenções reguladas em lei.

Artigo 15
A agricultura é um ativo essencial da economia nacional. O Estado irá proteger e estimular o aumento da agricultura, trabalhar no desenvolvimento de variedades de colheitas e plantas, desenvolver e proteger as raças de animais e peixes, alcançar a segurança alimentar, prover as necessidades da produção agrícola, seu bom gerenciamento e comércio, e apoiar as indústrias agrícolas.
A lei regulamenta o uso da terra, de modo que se alcance a justiça social e proteja os agricultores e trabalhadores agrícolas contra a exploração.

Artigo 16
O Estado está comprometido a desenvolver as áreas rurais e o deserto, trabalhando para elevar o padrão de vida dos agricultores e do povo do deserto.

Artigo 17
A indústria é um ativo essencial da economia nacional. O Estado irá proteger as indústrias estratégicas, apoiar o desenvolvimento industrial e importar novas tecnologias e suas aplicações.
O Estado irá estimular pequenas indústrias manufatureiras.

Artigo 18
Os recursos naturais do Estado pertencem ao povo, que tem o direito às suas receitas. O Estado está comprometido a preservar tais recursos para as futuras gerações e colocá-los em bom uso.
A propriedade do Estado não pode ser disposta. O franqueamento de seu uso, ou seu comprometimento como utilidade pública, somente podem ser concedidos de acordo com regulamentações legais.
Todo o dinheiro que não possuir dono pertence ao Estado.

Artigo 19
O Rio Nilo e os recursos hídricos são uma riqueza nacional. O Estado está comprometido em mantê-los e desenvolvê-los, e a evitar o abuso. O uso de tais recursos  será regulado pela lei.

Artigo 20
O Estado irá proteger os litorais, mares, vias marítimas e lagos, manter monumentos e reservas naturais e reverter quaisquer usurpações.

Artigo 21
O Estado garante e protege a propriedade legítima e todos os tipos de propriedades e doações públicas, cooperativas ou privadas, como será regulamentado em lei.

Artigo 22
Os fundos públicos são invioláveis. É um dever nacional do Estado e da sociedade salvaguardá-los.

Artigo 23
O Estado irá apoiar as cooperativas em todas as formas e garantir sua independência.

Artigo 24
A propriedade privada é inviolável e tem a função em serviço da economia nacional sem desvio ou monopólio. O direito de herança deverá ser salvaguardado. A propriedade privada não pode ser posta sob sequestro, exceto quando especificado em lei, e com uma ordem judicial. A posse de propriedade não pode ser removida, exceto nos casos onde o bem público requerer e com justa compensação paga anteriormente.
Tudo acima será regulamentado em lei.

Artigo 25
O Estado está comprometido a reviver e a encorajar o sistema de doações por caridade. O modo como uma doação é realizada, o gerenciamento de seus fundos, o investimento e a distribuição do procedente aos beneficiários, devem ser regulados pela lei, de acordo com os termos do administrador.

Artigo 26
A justiça social é a fundação da taxação e de outros deveres financeiros públicos.
As taxas públicas não serão estabelecidas, modificadas ou repelidas a não ser pela lei. Não haverá isenções, exceto nos casos prescritos por lei. Não será solicitado a ninguém que pague taxas ou impostos adicionais dentro dos limites da lei.

Artigo 27
Os trabalhadores terão uma parte no gerenciamento e nos lucros das empresas. Eles deverão estar comprometidos com o desenvolvimento da produção, com a proteção de seus meios e com a implementação de planos para suas unidades produtivas, de acordo com a lei.
Os trabalhadores serão representados nos conselhos de diretores das unidades do setor público dentro dos limites de 50 por cento do número de membros desses conselhos. A lei irá garantir para pequenos agricultores e pequenos artesãos 80 por cento dos membros dos conselhos diretores das cooperativas agrícolas e industriais.

Artigo 28
A poupança é encorajada e protegida pelo Estado. O Estado irá também salvaguardar a seguridade e os fundos de pensão, de acordo com regulações legais.

Artigo 29
A nacionalização não será permitida, exceto em consideração de público interesse, de acordo com a lei e mediante justa compensação.

Artigo 30
O sequestro público de propriedade será proibida.
O sequestro privado não será permitido, exceto sob julgamento em tribunal.



PARTE II


Capítulo Um: Direitos pessoais

Artigo 31
A dignidade é o direito de cada ser humano, salvaguardada pelo Estado.
Insultar ou demonstrar desdém a qualquer ser humano será proibido.

Artigo 32
A nacionalidade egípcia é um direito, regulada por lei.

Artigo 33
Todos os cidadãos são iguais perante a lei. Eles possuem iguais direitos e deveres públicos, sem discriminação.

Artigo 34
A liberdade individual é um direito natural, salvaguardado e inviolável.

Artigo 35
Com exceção dos casos de flagrante delito, nenhuma pessoa será presa, revistada, detida ou impedida de se movimentar livremente, exceto sob uma ordem judicial, que requer investigações.
Qualquer pessoa presa ou detida deve ser informada, por escrito, sobre as razões dentro de 12 horas; deve ser apresentada à autoridade investigadora dentro de 24 horas a contar da hora da prisão; deve ser interrogada apenas na presença de um advogado; e deve receber um advogado quando necessário.
A pessoa presa ou detida, e outras, têm o direito de apelar para os tribunais contra a medida de prisão. Se uma decisão não for providenciada dentro de uma semana, a soltura se torna imperativa.
A lei regulará as regras de detenção temporária, sua duração e suas causas, e casos de adequação de compensação, seja pela detenção temporária ou por sentença executada revogada por uma decisão final.

Artigo 36
Qualquer pessoa presa, detida ou cuja liberdade seja restrita de qualquer modo, deverá ser tratada de maneira que preserve a dignidade humana. Nenhum dano físico ou moral será infligido sobre essa pessoa.
Apenas lugares que sejam humanamente e higienicamente adequados, e sujeitos à supervisão judicial, podem ser usados para detenção.
A violação de qualquer das determinações acima é uma ofensa, sujeita à punição por lei.
Qualquer declaração que for comprovadamente obtida de uma pessoa sob qualquer forma de tortura e coerção, ou por meio de ameaças, deve ser considerada inválida e fútil.

Artigo 37
A prisão é um lugar de disciplina e reforma, sujeita à supervisão judicial, onde qualquer coisa que for contrária à dignidade humana ou à saúde é proibida.
O Estado é responsável pela reabilitação dos culpados e pela facilitação de uma vida decente após sua soltura.

Artigo 38
A vida privada dos cidadãos é inviolável. A correspondência postal, telegramas, correspondências eletrônicas, chamadas telefônicas e outros meios de comunicação deverão ter sua própria inviolabilidade e segredo e não podem ser confiscados ou monitorados, exceto mediante uma ordem judicial fundamentada.

Artigo 39
As residências são invioláveis. Com a exceção de casos de perigo imediato e calamidade, não poderá haver entrada, busca ou monitoramento nas residências, exceto nos casos definidos em lei, e por uma decisão judicial fundamentada, tendo lugar, hora e propósitos especificados. Aqueles que estiverem na residência deverão ser alertados antes da entrada ou busca na residência.

Artigo 40
Todos os residentes têm o direito à segurança que é salvaguardada pelo Estado, e são protegidos pela lei contra ameaças criminais.

Artigo 41
O caráter sagrado do corpo humano é inviolável, e o tráfico de órgãos humanos é proibido. Nenhuma pessoa será sujeita a qualquer experimento médico ou científico sem o consentimento livre e documentado e de acordo com as fundações estabelecidas da ciência médica, de forma regulada pela lei.

Artigo 42
A liberdade de movimento, residência e imigração será salvaguardada.
Nenhum cidadão pode ser deportado ou impedido de retornar ao país.
Nenhum cidadão será impedido de deixar o país, nem colocado sob prisão domiciliar, exceto mediante ordem judicial fundamentada, e por um período definido.


Capítulo Dois: Direitos morais e políticos


Artigo 43

A liberdade de crença é um direito inviolável.
O Estado irá garantir a liberdade de prática de ritos religiosos e de estabelecer lugares de adoração para as religiões divinas, como regulado pela lei.

Artigo 44
O insulto ou injúria de todos os mensageiros e profetas religiosos será proibido.

Artigo 45
A liberdade de pensamento e opinião será garantida.
Todo indivíduo tem o direito de expressar uma opinião e a disseminá-la verbalmente, por escrito ou por ilustração, ou por qualquer outro meio de publicação e expressão.

Artigo 46
A liberdade de criatividade em suas várias formas é direito de todo cidadão.
O Estado irá estimular a ciência, a literatura e as artes, cuidar dos criadores e inventores, proteger suas criações e inovações, e trabalhar para aplicá-las para o benefício da sociedade.
O Estado irá adotar as medidas necessárias para preservar a herança cultural da nação e promover os serviços culturais.

Artigo 47
O acesso à informação, aos dados, aos documentos e às estatísticas, e sua liberação e circulação, são direitos garantidos pelo Estado, de uma maneira que não prejudique a inviolabilidade da vida privada ou os direitos de outrem, e que não entre em conflito com a segurança nacional.

Artigo 48
A liberdade de imprensa, de publicação e da mídia de massas será garantida. A mídia será livre e independente para servir a comunidade e para expressar as diferentes tendências da opinião pública, e contribuir para sua formação e direção de acordo com os princípios básicos do Estado e da sociedade, e para manter os direitos, liberdades e deveres públicos, respeitando a inviolabilidade das vidas privadas dos cidadãos e dos requerimentos da segurança nacional. O fechamento ou confisco de veículos de mídia é proibido exceto por ordem judicial.
O controle sobre a mídia é proibido, com a exceção de censura específica que pode ser imposta em tempos de guerra ou mobilização pública.

Artigo 49
A liberdade de publicação e de possuir jornais de qualquer tipo é garantida, objeto de participação para qualquer pessoa física ou jurídica egípcia.
A criação de estações de rádio, canais de televisão e mídias digitais é regulada por lei.

Artigo 50
Os cidadãos têm o direito a organizar encontros públicos, procissões e manifestações pacíficas, desarmadas e baseadas em avisos regulados por lei.
O direito de reunião privada é garantido sem a necessidade de aviso. Os oficiais de segurança não participarão ou interceptarão tais reuniões privadas.

Artigo 51
Os cidadãos têm o direito de estabelecer associações e instituições civis, sujeitas apenas a notificação. Tais instituições irão operar livremente, e serão consideradas pessoas jurídicas.
Autoridades não poderão dissolvê-las ou seus órgãos administrativos sem uma ordem judicial, da forma prescrita em lei.

Artigo 52
A liberdade de formar sindicatos, uniões e cooperativas é um direito garantido por lei. Eles deverão ser considerados pessoas jurídicas, ser formados em bases democráticas, operar livremente, participar no serviço da comunidade, elevar o padrão de produtividade entre seus membros, e salvaguardar seus ativos.
Autoridades não poderão dissolvê-las ou seus órgãos administrativos, exceto por ordem judicial.

Artigo 53
Os sindicatos profissionais são regulados pela lei e gerenciados em bases democráticas, a responsabilidade de seus membros sujeita a códigos de ética profissionais. Será permitido um sindicato por profissão.
Autoridades não poderão dissolver os sindicatos profissionais, exceto por ordem judicial e não poderão colocá-los sob sequestro.

Artigo 54
Todo indivíduo tem o direito de se dirigir às autoridades públicas por escrito e sob sua própria assinatura.
A comunicação às autoridades públicas não deve ser em nome de grupos, com a exceção de pessoas jurídicas.

Artigo 55
A participação dos cidadãos na vida pública é um dever nacional. Todo cidadão terá o direito de votar, concorrer em eleições, e expressar opiniões em referendos, de acordo com as determinações legais.
O Estado é responsável pela inclusão do nome de todo cidadão que está apto a votar no banco de dados de eleitores sem aguardar inscrição.
O Estado irá garantir a justiça, validade, imparcialidade e integridade dos referendos e eleições. A interferência em qualquer um dos valores acima citados é um crime, com penalidades previstas em lei.

Artigo 56
O Estado irá salvaguardar os interesses dos egípcios que vivem no exterior, protegê-los e proteger seus direitos e liberdades, ajudá-los a cumprir seus deveres públicos quanto ao Estado e à sociedade egípcios e encorajar sua contribuição ao desenvolvimento da nação.
Sua participação nas eleições e referendos é regulada em lei.

Artigo 57
O direito de asilo político será garantido pelo Estado a qualquer estrangeiro provado em seu país de direitos e liberdades públicos garantidos pela Constituição.
A extradição de refugiados políticos é proibida.
Tudo o citado acima será sujeito a regulamentações legais.


Capítulo Três: Direitos econômicos e sociais

[...]

Artigo 60
A língua árabe é uma matéria primária em todos os estágios da educação em todas as instituições educacionais.
A educação religiosa e a história nacional são disciplinas centrais da educação pré-universitária em todas as suas formas.
As universidades estarão comprometidas a ensinar a ética pertencente às várias disciplinas.

[...]

Capítulo Quatro: Garantias para a proteção dos direitos e das liberdades


[...]


Artigo 75
O direito ao litígio é inalienável e garantido para todos.
O Estado irá garantir o acesso ao judiciário para os litigantes, e rápidas decisões.
Qualquer determinação de imunidade de qualquer ato ou decisão administrativa em relação ao controle da justiça é proibida.
Nenhuma pessoa será julgada sem que seja pelo seu juiz natural; tribunais excepcionais são proibidos.

Artigo 76
A penalidade será personalizada. Não haverá crime ou penalidade exceto de acordo com a lei da Constituição. Nenhuma penalidade será infligida sem uma sentença judicial. A penalidade será infligida apenas aos atos cometidos após uma lei entrar em vigor.

Artigo 77
Nenhum processo criminal será criado exceto sob uma ordem vinda de um órgão judiciário, salvo nos casos previstos em lei.
Um acusado é inocente até que seja provada sua culpa em um julgamento legal, e a ele será garantido o direito de defesa. Toda pessoa acusada de um crime deve ser dada defesa por meio de um advogado. Ofensas menores, nas quais um advogado de defesa também for requerido, serão determinadas por lei.
A lei regula as regras de apelação para crimes e ofensas.
O Estado providenciará proteção para vítimas de crimes, testemunhas, acusados e informantes onde necessário.

Artigo 78
O direito de defesa na pessoa ou por procuração é garantida.
A lei assegura, para os financeiramente incapazes, meios para recorrer à justiça e para defender seus direitos.

[...]

Artigo 81
Os direitos e as liberdades pertencentes aos cidadãos individuais não serão sujeitos a rompimento ou detração.
Nenhuma lei que regule a prática dos direitos e das liberdades irá incluir algo que constranja sua essência.
Tais direitos e liberdades serão praticados de maneira a não conflitar com os princípios pertencentes ao Estado e à sociedade incluídos na Parte I desta Constituição.

[...]


Fonte: http://www.egyptindependent.com/news/egypt-s-draft-constitution-translated

Em próximas postagens, mais artigos da Constituição.

sábado, 1 de dezembro de 2012

O reconhecimento do Estado da Palestina na ONU

No dia 29 de novembro de 2012, um evento importantíssimo ocorreu na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, algo que terá significativos desdobramentos para a Questão da Palestina. A Palestina, antes classificada na ONU como "Entidade Observadora", formada por "Territórios Palestinos Ocupados", foi reconhecida como Estado Observador Não-Membro. A resolução A/67/L.28 "reafirma o direito à auto-determinação do povo palestino e à independência em seu Estado da Palestina no território palestino ocupado desde 1967". Ou seja, a resolução prevê a criação de um Estado palestino independente formado pela Faixa de Gaza e pela Cisjordânia, tendo Jerusalém Oriental como capital.
Em uma esmagadora vitória, 138 países votaram a favor, 9 contra e 41 Estados Membros se abstiveram.
Mas, efetivamente, qual a importância desse novo evento?



Em primeiro lugar, o resultado da votação foi extremamente simbólico. 138 países enviaram uma clara mensagem ao mundo, afirmando inequivocamente que reconhecem a Palestina como "Estado" e não apenas como um aglomerado de territórios sob ocupação militar. A força moral da causa palestina foi explicitada diante do mundo, sobretudo porque ocorreu no mesmo dia em que, 65 anos antes, ocorreu a votação da Resolução 181 na Assembleia Geral da ONU, dividindo o Antigo Mandato da Palestina em um Estado árabe e outro judeu (ver O que é a Questão Palestina? parte 1).
Antecipadamente já se sabia que a aprovação da resolução na Assembleia Geral não seria nada difícil. Precisando apenas de uma maioria simples e com o regulamento determinando a igualdade de todos os Estados Membros, os palestinos já sabiam o resultado. Como a maioria dos Estados Membros da ONU é formada por países do mundo em desenvolvimento, tradicionalmente simpáticos à causa palestina, o que ainda precisava ser conhecido eram o placar e como importantes Estados da Europa votariam. É de se destacar que antes da votação, alguns países europeus já haviam declarado voto, como França, Espanha, Portugal, Dinamarca e Suécia.
O apoio desses Estados europeus foi muito importante para legitimar a causa palestina, pois ficou demonstrado que não apenas as "ex-colônias" e os países considerados "subdesenvolvidos" apoiam a criação de um Estado palestino. Além disso, os Estados que compõem os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) votaram todos favoravelmente. Algo significativo, devido à força crescente que esses países desfrutam na politica internacional.
Além do voto favorável à proposta apresentada pelos palestinos, muitos Estados importantes no cenário internacional atual foram co-patrocinadores da resolução, dentre eles o Brasil. Aliás, o Brasil foi atuante no processo. O governo brasileiro já reconhecera a Palestina nas fronteiras de 1967 ainda durante o governo Lula e a Presidente Dilma Rousseff seguiu essa linha. Na atual votação, o Brasil fez um esforço de convencimento para que outros países latino-americanos votassem favoravelmente. Argentina, Bolívia, Chile, Uruguai e Venezuela estão entre os países da América Latina que votaram a favor.
Talvez ainda mais importante, o resultado da votação mostrou claramente o crescente isolamento de Israel e dos Estados Unidos.  Além desses dois países, votaram contra a resolução apenas Canadá, República Checa e os inexpressivos Panamá, Nauru, Palau, Ilhas Marshall e Micronésia.
Muito importante também foram as abstenções. Estados tradicionalmente alinhados com as políticas dos Estados Unidos, ao invés de votarem contra, como queria Washington, preferiram se abster. O caso da Grã-Bretanha é exemplar. Na América Latina, a Colômbia foi a grande surpresa. Já a Alemanha, que possui laços com Israel e é muito sensível em relação à Questão da Palestina por conta do Holocausto, também se absteve. Com isso, esses Estados disseram que, embora julguem mais proveitosa a negociação bilateral, não podem votar contra o que consideram um direito dos palestinos.
Dessa forma, a legitimidade do Estado da Palestina no cenário internacional é incontestável.


Mais polêmicos, contudo, são os efeitos práticos de tal evento. Muitos analistas são céticos quanto aos resultados de tal votação, já que, embora reconhecido internacionalmente, o Estado ainda não foi criado e Israel continua a ocupar (e a colonizar) a Cisjordânia. Além disso, a Palestina não é um "Estado Pleno". Para que os palestinos consigam esse status, o pedido deve ser aprovado no Conselho de Segurança. Em 2011, a Autoridade Palestina fez tal solicitação, mas os Estados Unidos, com poder de veto, anunciaram previamente que vetariam.
Com efeito, o próprio Presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, afirma que a aprovação da resolução é apenas um primeiro passo e que a criação do Estado da Palestina só terá efeito mediante negociações com o governo de Israel.
Na verdade, Abbas tomou essa atitude para salvar a solução de dois Estados (ver O que é a Questão Palestina? Parte 3). O governo israelense continua construindo assentamentos judaicos na Cisjordânia e continua a povoar Jerusalém Oriental com população judaica. A continuar nesse ritmo, daqui a alguns anos, Israel terá um fato consumado demográfico e alegará que não há mais possibilidade de Israel deixar a Cisjordânia. Contra isso, Abbas foi à comunidade internacional para tentar obrigar Israel a paralisar a construção de colônias. Porém, Israel ainda é o lado forte da relação, sobretudo porque, politicamente, tem o apoio irrestrito dos Estados Unidos.
No entanto, não há dúvidas que os palestinos terão um trunfo nas negociações com os israelenses. Ao terem reconhecida sua condição de Estado, os palestinos poderão recorrer ao Tribunal Penal Internacional, embora isso não seja automático. Para ingressar como signatário da Declaração de Roma (que instituiu o Tribunal), os palestinos deverão passar pelo devido processo. Mas, uma vez signatários do Tratado, os palestinos poderão, por exemplo, acusar os israelenses de crimes de guerra, o que, se julgado assim pelo Tribunal, poderá ocasionar até mesmo a prisão de governantes israelenses em viagens ao exterior.
Além disso, os palestinos poderão processar os israelenses por colonizar um Estado ocupado, pelo fato de Israel continuamente construir colônias judaicas na Cisjordânia ou aumentar as existentes (ver O que é a Questão Palestina? Parte 3). Perante a Quarta Convenção de Genebra, um Estado ocupante não pode colonizar o Estado ocupado com sua população. Como a Cisjordânia era considerada "Território Ocupado", os israelenses não consideravam suas ações ilegais, afirmando que esse território era uma "área em disputa". Agora, tal argumento perde validade diante da noção de que Israel ocupa um "Estado" e não mais um "Território". Isso pode fazer com que os palestinos tenham um poder de negociação maior com os israelenses.
Outros analistas são céticos pelo fato dos palestinos ainda estarem divididos internamente. Por um lado, o Hamas, que controla a Faixa de Gaza; de outro, a Autoridade Palestina (liderada pelo Fatah) controlando as áreas autônomas da Cisjordânia. Contudo, o curioso é que o Hamas expressou apoio à proposta na ONU. Tal declaração foi surpreendente, demonstrando uma postura pragmática do Hamas (ver Quem é o Hamas?). Até então contrários à proposta, já que prevê um Estado Palestino nas fronteiras de 1967, o Hamas e outras facções militantes atuantes na Faixa de Gaza demonstraram que poderiam aceitar um Estado palestino na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, ao invés de requerer todo o território de Israel/Palestina, como diz suas cartas oficiais. Tudo indica que o Hamas não quis ser "atropelado" pelos acontecimentos, diante do grande apoio que a ação de Mahmoud Abbas teve entre os palestinos. Talvez, o Hamas e outros grupos possam adotar um caminho exclusivamente político e se alinharem à Autoridade Palestina para formar um governo de união nacional. Contudo, isso é incerto.

A aprovação da resolução foi um evento divisor de águas na longa e persistente Questão Palestina. Porém, só os próximos acontecimentos nos dirão se a esperança se concretizará.



segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Lei e política no Egito


Nos últimos dias, o Presidente do Egito Mohammed Mursi emitiu um decreto que lhe concede imensos poderes. A isso se seguiram veementes protestos de rua no Cairo, ataques a escritórios da Irmandade Muçulmana, condenações de ativistas, partidos políticos rivais e de grupos de mídia, bem como levantou preocupações na comunidade internacional.
Mas, afinal, o que está em jogo nessa medida presidencial?


Em 23 de novembro de 2012, o Presidente egípcio Mohammed Mursi emitiu um decreto que expandia os poderes do Presidente, em detrimento da Suprema Corte Egípcia.
Os pontos mais polêmicos do decreto são:
  • A Suprema Corte não poderá anular as determinações legais emitidas pelo Presidente;
  • A Suprema Corte não poderá dissolver a câmara alta do parlamento, dominada pelo Partido da Liberdade e da Justiça, agremiação do presidente e representante da Irmandade Muçulmana (a câmara baixa havia sido dissolvida em 14 de junho de 2012);
  • O Mandato do Procurador-Geral de Justiça deverá ser de, no máximo, quatro anos; e
  • Os processos de julgamento de Hosni Mubarak e de políticos ligados ao ex-presidente serão reabertos.
Esses quatro artigos são de fundamental importância na nova configuração política do Egito. Embora o Presidente tenha dito que tal medida era emergencial, tendo como objetivo garantir a continuidade da "revolução", o decreto toca em aspectos políticos cruciais para o futuro político do país. 
Em primeiro lugar, o Presidente se atribuiu o poder máximo do país, ao não estar mais limitado pela Suprema Corte. Tal medida indica um retrocesso no processo de democratização, já que um dos pilares do sistema democrático é a existência de um Poder Judiciário independente, livre e apto a julgar mesmo o Chefe de Estado (no Brasil, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal - STF tem a atribuição de julgar o Presidente em casos de crimes comuns). Além disso, em países democráticos, a Suprema Corte é a guardiã da Constituição, considerada a  lei máxima. Com isso, pode invalidar leis que estejam em desacordo com a Constituição. No caso do Egito, o Presidente poderá, por meio do novo decreto, emitir marcos legais inconstitucionais, ferindo, portanto, um dos mais importantes princípios democráticos.
Na verdade, apesar dos discursos jurídicos, a disputa no Egito é política. Mursi tenta com essa medida superar os obstáculos às ações políticas e administrativas que vem tentando implementar no Egito desde que tomou posse, em junho de 2012. Muitas ações do Presidente foram consideradas ilegais pela Suprema Corte. Contornando essa dificuldade, Mursi poderá governar com maior liberdade, o que abre perigos para grupos de oposição, que o acusam de adotar um marco legal mais ditatorial do que o praticado pelo seu antecessor e por ser um "moderno faraó".



Mursi tenta enfraquecer a Suprema Corte, que ainda tem entre seus membros juízes indicados pelo presidente deposto, Hosni Mubarak. São magistrados ligados às Forças Armadas e que fazem oposição a Mursi. Políticos ligados ao presidente afirmam que as decisões da Suprema Corte são políticas e não jurídicas.
Além disso, ao impedir que a Suprema Corte dissolva a câmara alta do parlamento, dominada por seu partido, Mursi tenta garantir que a nova Constituição (ainda em processo de elaboração) contenha determinações mais afeitas às políticas defendidas pela Irmandade Muçulmana. Já que a câmara baixa, também com maioria do seu partido, já havia sido dissolvida pela Suprema Corte, Mursi tenta evitar que o mesmo aconteça na câmara alta.
Mursi também busca, com esse decreto, enfraquecer a figura do Procurador-Geral. Ao limitar o mandato para quatro anos, abre a possibilidade de que consiga indicar um juiz mais próximo a ele e favorável a políticas defendidas pelo presidente.
E, por fim, ao determinar que o processo contra Hosni Mubarak seja reaberto, Mursi tenta um julgamento mais severo. Mursi e políticos próximos acusam a Suprema Corte de atenuarem a pena dos réus, já que alguns juízes foram indicados pela pessoa que devem julgar.
Por conta de todos esses aspectos, a instabilidade no Egito se acentuou nos últimos dias e o futuro político do Egito ainda é uma incógnita.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Quem é o Hamas?

Em novembro de 2012, Israel e o Hamas se enfrentaram em uma guerra de 8 dias. Nesse confronto, 163 palestinos e 6 israelenses morreram. Nos últimos anos, o Hamas consolidou-se como uma força política expressiva nos Territórios Palestinos da Faixa de Gaza e da Cisjordânia. Parece difícil que qualquer negociação entre palestinos e israelenses seja concretizada sem a participação do Hamas.
Mas quem é o Hamas? Qual o papel desempenhado pelo grupo no conflito mais amplo entre palestinos e israelenses? Quem são seus principais líderes?


Logotipo do Hamas


O Hamas é uma organização militante e um partido político palestino.
O nome do grupo é acrônimo de Harakat al-Muqawamah al-Islamiyyah, que significa Movimento de Resistência Islâmica. A palavra também significa "zelo" ou "entusiasmo" em árabe.
Criado em meio à Primeira Intifada, em 1987, o Hamas é o maior grupo militante palestino. Foi formado por integrantes da organização al-Mujamah al-Islami (Congregação Islâmica), rede de assistência social fundada por Ahmed Yassin, líder religioso palestino ligado à Irmandade Muçulmana.
O Hamas segue a ideologia islamista, isto é, busca orientação no Islã para sua postura política. A base religiosa do grupo é o Islã sunita.
A organização compõe-se de uma cúpula política e de um braço armado. Atuando como partido político,  o Hamas adota, em certas ocasiões, flexibilidade e pragmatismo em relação ao Estado de Israel e à comunidade internacional. Em sua atuação política, seus maiores feitos foram as vitórias nas eleições para os Conselhos Municipais, em 2005, e para o Conselho Nacional Palestino, em 2006.
Com a vitória eleitoral de 2006, o Hamas passou a deter o direito de indicar o Primeiro Ministro da Autoridade Nacional Palestina e os principais cargos executivos da entidade. Inicialmente, o Hamas e o Fatah formaram um "governo de união nacional". Porém, após diversos desentendimentos, os dois se tornaram inimigos e se enfrentaram em confrontos armados em 2007. Como resultado, o Hamas controla a Faixa de Gaza desde então, enquanto o Fatah controla os territórios palestinos autônomos na Cisjordânia.
O braço armado do Hamas tem o nome de Brigadas Izz ad-Din al-Qassam e foi responsável por uma série de atentados terroristas contra civis israelenses, durante a Segunda Intifada, a maioria realizada por militantes suicidas. Atualmente, sua principal ação é o lançamento de foguetes contra o sul de Israel a partir da Faixa de Gaza.
Além disso, o Hamas, seguindo a tendência de outros grupos alinhados à Irmandade Muçulmana, mantém diversas organizações assistenciais, que fornecem alimentos, medicamentos, assistência médica e edução para palestinos pobres.


Bandeira do Hamas

Oficialmente, o Hamas não reconhece as negociações de paz entre a OLP e o governo israelense. Em sua carta de princípios, defende a destruição de Israel e a criação de um Estado islâmico em todo o território  em que estão localizados os Territórios Palestinos e o Estado de Israel. No entanto, já há alguns anos, o grupo vem adotando táticas pragmáticas. Em diversos pronunciamentos, indica que sua principal meta a curto prazo é fazer com que Israel se retire da Cisjordânia e alivie o bloqueio à Faixa de Gaza. Assim que o Hamas venceu as eleições em 2006, Ismail Haniyeh (indicado Primeiro-Ministro) declarou que aceitaria uma trégua de longo prazo se Israel se retirasse "para trás das fronteiras de 1967". Tal declaração foi emblemática de uma nova postura política.
Na verdade, a própria participação nas eleições legislativas já demonstrava uma alteração na postura da organização. A Autoridade Palestina foi criada no âmbito dos Acordos de Oslo, que marcou, dentre outros princípios, o reconhecimento de Israel pela OLP (ver O que é Questão Palestina? 3ª parte). Por isso, durante anos, o Hamas não reconheceu a Autoridade Palestina, por ter sido criada em meio a um acordo que previa o reconhecimento do Estado de Israel. Tanto que, em 1996, o Hamas boicotou as eleições que confirmaram Yasser Arafat como presidente da Autoridade Palestina. Em 2006, tal entendimento foi abandonado.
Hoje, muitas ações do Hamas são muito mais direcionadas a obter a estabilidade na Faixa de Gaza, já que, como entidade governante, precisa lidar com questões cotidianas, como garantir o abastecimento de água e alimentos, recolher o lixo e providenciar energia elétrica.
No entanto, não é certo que o Hamas renuncie à luta armada e adote definitivamente o caminho político, como fez Yasser Arafat e a OLP no final da década de 1980.
Considerado terrorista por Israel e Estados Unidos, o Hamas é um partido político consolidado e visto como legítimo nos Territórios Palestinos. Porém, é um partido político com um braço armado poderoso. Isso, por vezes, causa certos atritos internos. Nem sempre as posturas dos líderes políticos estão em consonância com as posições dos líderes militares. Na verdade, o Hamas passa por um momento de definição de rumos e por um processo de reavaliação de seus objetivos. Há uma cisão dentro do partido, entre duas principais tendências:
a) uma tendência moderada, que aponta para uma via política de atuação, que considera negociações limitadas com Israel e que procura aprofundar laços com o Egito, com a Turquia e com o Qatar; e
b) uma tendência mais radical, que enfatiza a luta armada, recusa qualquer negociação com Israel e que está fortemente ligada ao Irã e ao governo de Bashar al-Asad, na Síria.
O Hamas não é o grupo mais radical na Faixa de Gaza. Grupos orientados por um Islã fundamentalista, como os salafistas, desafiam o poder do Hamas e acusam o grupo por ser excessivamente "moderado". O grupo Jund Ansar Allah, inspirado pela al-Qaeda, ataca o Hamas por agir como um "governo secular" e por não fazer da Sharia a lei da Faixa de Gaza.  Em 2009, membros do  Jund Ansar Allah invadiram uma mesquita em Rafah exigindo que o Hamas deixasse o poder. Soldados do Hamas cercaram a mesquita exigindo a rendição dos invasores. Como não houve rendição, um combate se seguiu em que 24 palestinos morreram.
Mesmo os grupos que seriam mais próximos do Hamas também têm suas diferenças com a organização. Em 2009, após o Hamas obter um cessar-fogo com Israel (acordo que encerrou a operação militar israelense denominada "Chumbo Derretido"), policiais do Hamas prenderam cinco militantes da Jihad Islâmica que se preparavam para lançar foguetes contra o território israelense.
Portanto, muitos e diversificados são os desafios enfrentados pelo Hamas.

Atualização em 1° de dezembro de 2012
Contrariando sua postura precedente, líderes do Hamas manifestaram apoio à proposta levada à ONU por Mahmoud Abbas de criar um Estado da Palestina nas fronteiras de 1967.


Principais figuras do Hamas


Khaled Meshaal


Khaled Meshaal é o líder da ala política do Hamas. Nascido em 1956, em Silwan, vilarejo próximo a Ramallah, Meshaal e sua família tornaram-se refugiados em decorrência da Guerra dos Seis Dias, em junto de 1967, indo para o Kwait. Meshaal se juntou à Irmandade Muçulmana em 1971. Físico de formação, foi professor universitário no Kwait. Poucos anos depois da fundação do Hamas, Meshaal se juntou à organização, ficando conhecido como um dos líderes do grupo conhecido como "contingente kuwaitiano". Meshaal faz parte da tendência moderada do Hamas. Em diversos momentos, manifestou pragmatismo e moderação em seus pronunciamentos políticos, inclusive defendendo tacitamente um Estado palestino nas fronteiras de 1967. Após a vitória do Hamas em 2006, afirmou que o grupo deveria lidar "realisticamente" com Israel.
Meshaal foi preso e libertado diversas vezes por Israel na década de 1990. Em 1997, Israel tentou assassiná-lo, quando agentes do Mossad o envenenaram. Ele sobreviveu por ter sido levado rapidamente para o hospital.
Meshaal estava estabelecido em Damasco, na Síria, de onde atuava politicamente, contando com o beneplácito do presidente Bashar al-Asad. No entanto, em meio à revolta que tenta derrubar Asad desde 2011, levante que conta com um expressivo contingente islamista sunita, Meshaal deixou Damasco e se radicou no Qatar. Atualmente, Meshaal possui fortes laços políticos com o presidente do Egito, Mohamed Mursi, e com o Emir do Qatar, o Sheik Hamad bin Khalifa al-Thani.


Ismail Haniyeh


Ismail Haniyeh foi indicado Primeiro-Ministro da Autoridade Palestina quando o Hamas obteve a maioria dos assentos do Conselho Nacional Palestino em 2006.
Nascido em 1962 no campo de refugiados de Shati', na Faixa de Gaza, sua família foi expulsa de um vilarejo próximo à cidade de Askhelon em 1948. Ascendeu politicamente no Hamas ao longo do período em que foi chefe de gabinete do Sheik Ahmed Yassin. Estudou Literatura Árabe na Universidade Islâmica de Gaza, onde se aproximou de grupos islamistas. Graduou-se em 1987 e se juntou às manifestações ocorridas na Primeira Intifada. Foi preso, mas liberado logo em seguida. Tendo ficado exilado no Sul do Líbano, retornou à Faixa de Gaza em 1993, quando assumiu o cargo de decano da Universidade Islâmica de Gaza.
Haniyeh faz parte do bloco moderado do Hamas. Em diversas ocasiões, se apresentou como mediador entre a liderança do Hamas e outros grupos políticos palestinos. Contrariando as determinações oficiais do Hamas, se candidatou a parlamentar nas eleições de 1996, mas, pressionado, teve de renunciar à sua candidatura. Haniyeh, inclusive, chegou a expressar tacitamente a possibilidade de negociações de longo prazo com Israel.


Mahmoud al-Zahar



Mahmoud al-Zahar é um dos principais líderes e ideólogos do Hamas na Faixa de Gaza. Nasceu em 1945, em Zeitun, na Faixa de Gaza, de pai palestino e mãe egípcia. Formou-se em Medicina na Universidade Ein Shams, no Cairo, onde estudou por mais cinco anos para tornar-se cirurgião. Atualmente, trabalha como professor de Medicina na Universidade Islâmica de Gaza.
Zahar faz parte do bloco radical do Hamas, alegando que os palestinos têm o "direito de resistir", inclusive "por meio das armas". Foi um dos fundadores de Hamas, sendo muito próximo ao Sheik Ahmed Yassin. Fez parte da chamada "liderança coletiva" que assumiu a administração do Hamas após o assassinato de Yassin e de Abdel Aiz al-Rantissi. Embora tenha, inicialmente, demonstrado moderação, tornou-se radical após a morte de Rantissi e Yassin.
Foi deportado por Israel, junto com mais 400 palestinos, para o Sul do Líbano em 1992. Retornou para a Faixa de Gaza em 1993 e foi preso algumas vezes. Sobreviveu a uma tentativa de assassinato israelense em 2003, mas seu filho morreu no ataque. Após a vitória eleitoral do Hamas, em 2006, foi indicado ao cargo de Ministério das Relações Exteriores da Autoridade Palestina.


Moussa Abu Marzuk


Moussa Abu Marzuk é membro da cúpula política do Hamas. Nascido em 1951 em Rafah, na Faixa de Gaza, seus pais eram refugiados que haviam sido expulsos de Yebna (hoje a cidade israelense de Yavne). Em 1976, graduou-se em Engenharia Mecânica pela Universidade Ein Shams, no Cairo. Após isso, mudou-se para os Emirados Árabes Unidos, onde trabalhou como diretor industrial. Em 1981, Marzuk mudou-se para os Estados Unidos, onde obteve PhD em Engenharia Industrial. Em território norte-americano, tornou-se um importante líder do Hamas, por ter presidido diversas organizações islâmicas. Foi o líder político do Hamas até 1997, quando foi preso em Nova York. Khaled Meshaal assumiu o cargo em seu lugar.
Marzuk faz parte da tendência radical do Hamas e, em diversas ocasiões, defendeu um governo palestino em todo o território do antigo Mandato Britânico, o que significa extinguir o Estado de Israel. Além disso, Marzuk defende que o Hamas não assine qualquer tratado de paz nem reconheça o Estado de Israel. Porém, diz que sua hostilidade não é dirigida contra os judeus, mas contra os "judeus que nos expulsaram de casa".


Líderes do Hamas assassinados por Israel


Sheik Ahmed Yassin


Ahmed Yassin foi um dos fundadores do Hamas. Nasceu em 1938 no Mandato Britânico da Palestina, na localidade de al-Jura, vilarejo próximo à cidade de Askhelon. Por conta de um acidente de infância, Yassin ficou tetraplégico. Dedicou-se aos estudos islâmicos na Universidade al-Azhar, no Cairo, onde teve contatos com a Irmandade Muçulmana. Durante grande parte do século XX, teve ampla participação no estabelecimento da Irmandade Muçulmana na Palestina.
Um dos mais importantes líderes políticos do Hamas, Yassin era também o líder espiritual da organização. Mobilizando elementos islâmicos em discursos e atitudes políticas, inspirou milhares de palestinos desiludidos com o secularismo da OLP. Sendo um dos mais ardorosos defensores da causa palestina e diante da sua fragilidade física, tornou-se um símbolo da luta palestina por um Estado. Yassin era defensor da jihad contra Israel, e negava-se a um acordo de paz com os israelenses.
Por conta de sua imensa popularidade, Israel tentou assassiná-lo algumas vezes. Em setembro de 2004, em um ataque aéreo, Israel conseguiu seu intento.


Abdel Aziz al-Rantissi


Abdel Aziz al-Rantissi era médico pediatra, chefe do setor de pediatria do Hospital de Khan Yunes e professor universitário na Universidade Islâmica de Gaza. Nasceu em 1948, em um vilarejo nas proximidades da cidade de Jaffa, mas sua família se assentou em um campo de refugiados na Faixa de Gaza em meio à Primeira Guerra Árabe-Israelense (1948-49). Estudou medicina no Egito por nove anos. Em 1976, voltou para a Faixa de Gaza, onde se juntou à Irmandade Muçulmana da Palestina.
Rantissi foi um dos co-fundadores do Hamas, junto a Ahmed Yassin e compartilhava com este um grande prestígio político e espiritual. Era um dos líderes mais radicais do Hamas e seus discursos continham veementes ataques verbais ao "inimigo sionista". Em várias declarações, dizia que toda a Palestina que havia sido parte do Mandato Britânico deveria ser "libertada".
Foi exilado no Líbano em 1992, junto com outros cerca de 400 militantes islamistas, onde se tornou conhecido mundialmente. Retornou à Faixa de Gaza em 1993 e condenou com contundência os Acordos de Oslo entre Yasser Arafat e Yitzhak Rabin.
Sendo um dos principais líderes do Hamas, Israel planejou eliminá-lo. Em abril de 2004, um míssil lançado por um helicóptero Apache da Força Aérea de Israel assassinou Rantissi em seu carro, na Faixa de Gaza.


Ahmed al-Jaabari


Ahmed al-Jaabari era o líder militar das Brigadas Izz ad-Din al-Qassam desde 2010. Nascido em 1960, na localidade de Shujaiya, subúrbio da Cidade de Gaza, Jaabari era um dos homens mais poderosos no Hamas. Formado em História pela Universidade Islâmica do Cairo, foi preso em 1982, por participar de atividades do Fatah. Porém, na prisão, se aproximou dos líderes do Hamas e decidiu-se unir à organização.
Após ser libertado, em 1995, ingressou na ala armada do Hamas e, segundo acusações, teve papel relevante em ataques terroristas cometidos no final da década de 1990 e durante a Segunda Intifada. A partir de 2005, já possuía grande proeminência nas Brigadas Izz ad-Din al-Qassam. Segundo algumas fontes, foi um dos responsáveis pela tomada do controle da Faixa de Gaza, em 2007. Foi um dos grandes articuladores do acordo com Israel para a libertação do soldado israelense Gilad Shalit.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

O que está acontecendo na Faixa de Gaza?

Entre 14 e 21 de novembro de 2012, a aviação israelense bombardeou pesadamente alvos na Faixa de Gaza, causando destruição e morte entre civis palestinos. Em resposta, grupos palestinos revidaram, lançando foguetes contra o território de Israel. Mas, afinal, quais são as razões de mais esse confronto entre israelenses e palestinos?


A ofensiva israelense foi mais um capítulo do longo conflito Israel-Palestina. O objetivo declarado do governo de Israel era destruir estruturas militares do Hamas na Faixa de Gaza.
O Hamas controla a Faixa de Gaza desde que expulsou a Autoridade Nacional Palestina do território em 2007 (há um conflito entre a Autoridade Palestina, presidida por Mahmoud Abbas, do partido Fatah, e o Hamas - ver "O que é a Questão da Palestina, parte 3"). Desde então, frequentemente, a ala militar do Hamas, a Brigada Izz ad-Din al-Qassam, lança foguetes contra o território de Israel, que responde com ataques da Força Aérea. Durante esses cerca de 5 anos, o Hamas tem oscilado entre lançar foguetes e agir politicamente, com o objetivo de obter apoio à sua causa perante governos árabes ou muçulmanos. Além do Hamas, outros grupos atuantes na Faixa de Gaza lançam foguetes contra Israel, como a Jihad Islâmica, as Brigadas dos Mártires de al-Aqsa e os Comitês de Resistência Popular.
Para evitar que tais ataques aconteçam, Israel desencadeou a operação denominada "Pilar de Defesa".
Porém, ambos os lados acusaram-se mutuamente por ter começado os confrontos. Israel acusou o Hamas de ataques contra um veículo militar e por atacar soldados na fronteira no início de novembro. Já o Hamas culpou Israel, que assassinou um rapaz com problemas mentais em 5 de novembro e já havia cometido outros ataques em outubro, isto é, antes dos ataques palestinos.
Contudo, o que provocou a escalada de violência foi o assassinato de Ahmed al-Jaabari, líder militar do Hamas, em 14 de novembro, por um avião israelense. Somente após esse ato é que o Hamas e a Jihad Islâmica lançaram a mais pesada carga de foguetes contra  o território de Israel.
Houve uma novidade considerável nesta confrontação: os foguetes lançados pelo Hamas atingiram distâncias maiores do que em confrontos anteriores. Até então, os foguetes disparados da Faixa de Gaza eram de origem artesanal, atingindo, no máximo, 30 quilômetros. Porém, desta vez, os foguetes utilizados foram mais potentes e o Hamas, inclusive, utilizou mísseis Fajr-5, de fabricação iraniana, que têm condições de atingirem grandes distâncias. Munidos dessas novas armas, o Hamas conseguiu lançar foguetes que atingiram Tel Aviv e Jerusalém. Tais ataques não causaram mortes, mas o efeito psicológico foi tremendo.



No entanto, para além dessas escaramuças militares, muito mais estava em jogo na ofensiva israelense e nos ataques de foguetes do Hamas. 
É importante salientar que, no lado israelense, havia uma clara conotação eleitoral nessa operação. Em janeiro de 2013, ocorrerão eleições em Israel e o atual Primeiro Ministro, candidato à reeleição, Benjamin Netanyahu, queria demonstrar para seus eleitores que tem capacidade de enfrentar os "terroristas". É interessante notar que nas últimas três eleições, Israel realizou operações militares contra seus inimigos: em 2006, o ex-Primeiro Ministro Ehud Olmert (do partido Kadima) lançou ataques contra o Líbano, com o objetivo de destruir o Hizbollah, em que morreram cerca de 1.000 libaneses, dentre eles 7 brasileiros; em 2008-09, Olmert atacou o próprio Hamas, na operação "Chumbo Derretido", que causou a morte de mais de 1.400 palestinos; e nesta última, tendo à frente Netanyahu (do partido Likud), os ataques israelenses causaram 163 mortes de palestinos (6 israelenses morreram). Assim, fica claro que os diferentes partidos políticos disputam para ver quem é mais "duro" contra os "terroristas".
Além disso, Netanyahu quis, com essa operação, tirar o foco dos movimentos diplomáticos do Presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas. Abbas anunciou que no final de novembro irá apresentar às Nações Unidas um pedido de aceitação da Palestina como Estado Observador Não-Membro, mesma categoria do Vaticano. Abbas avalia que já pode contar com o voto da maioria dos Estados Membros da Assembleia Geral. Se a iniciativa de Abbas for vitoriosa, os palestinos poderão ingressar em vários órgãos internacionais, dentre os quais o Tribunal Penal Internacional. Isso causaria um grande revés para Israel, que não teria mais as mãos livres para realizar ataques contra a Faixa de Gaza.
Por outro lado, ao lançar ataques contra Israel, o Hamas tinha o objetivo de se manter como protagonista no conflito contra os israelenses. Vale notar que a grande popularidade do Hamas entre alguns setores da sociedade palestina advém de uma percepção de que os movimentos diplomáticos de Mahmoud Abbas são inúteis. Entre muitos palestinos, há um desânimo quanto às soluções políticas, já que a Autoridade Palestina tenta negociar com Israel, mas o atual governo continua construindo assentamentos na Cisjordânia e se recusa a aliviar o bloqueio à Faixa de Gaza, que depende de produtos de fora para necessidades básicas (com o bloqueio israelense, a situação humanitária na Faixa de Gaza é extremamente precária).
Assim, esse movimento militar do Hamas foi também uma ofensiva contra a via diplomática de Mahmoud Abbas. Se Abbas conseguir ter sucesso em sua iniciativa na ONU, será um revés político para o Hamas.

Atualização de 1° de dezembro de 2012
Porém, de forma surpreendente, contrariando sua postura precedente, líderes do Hamas manifestaram apoio à proposta levada à ONU por Mahmoud Abbas. Tudo indica que o Hamas, ciente de que tal proposta era popular entre os palestinos e de que a aprovação era certa, teve de rever sua linha política e decidiu mudar sua posição.


No meio do fogo cruzado, milhares de civis palestinos ficaram expostos a serem mortos em suas atividades simples, como ir ao mercado, à escola ou ao trabalho. E mesmo em casa não estavam seguros - um prédio residencial foi atingido em 18 de novembro, onde morreram 12 civis. Por outro lado, milhares de israelenses ficaram à mercê dos foguetes lançados da Faixa de Gaza e ao ouvirem as sirenes precisaram buscar refúgio em abrigos subterrâneos.
Em 21 de novembro de 2012, às 21 horas, no horário local (17h em Brasília), após intensas discussões diplomáticas, iniciou-se o cessar-fogo. 163 palestinos e 6 israelenses perderam a vida em 8 dias de confrontos. Contudo, há uma contínua tensão na fronteira. No dia 22, Israel matou um palestino que se aproximou da cerca que separa a Faixa de Gaza e Israel. Um dos líderes do Hamas protestou, mas manteve o cessar-fogo.
Porém, ainda temos de esperar os próximos dias para ver se o cessar-fogo, de fato, será respeitado.

Ver também:
Quem é o Hamas?
O que é a Questão Palestina? 3ª parte: Dos acordos de Oslo ao impasse atual (1993-2012)
O que é a Questão Palestina? 2ª parte: Da fundação de Israel aos Acordos de Oslo (1948-1993)
O que é a Questão Palestina? 1ª parte: 1ª parte (1882-1948)

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Quem é Moaz al-Khatib?

Atualizado em 24 de março de 2013

Quem é o líder da nova organização que busca unificar a oposição na Síria? E o que representa esse novo movimento por parte dos oposicionistas?

Em 11 de novembro de 2012, os diversos grupos oposicionistas sírios se reuniram em Doha, no Qatar, com o objetivo de unificar a oposição a Bashar al-Asad. O homem escolhido para liderar a nova organização foi o imã Moaz al-Khatib.



Ahmed Moaz al-Khatib nasceu em 1960 em uma família sunita de Damasco. Geólogo de formação, é um religioso altamente respeitado. Foi imã da grande mesquita dos Omíadas.  Participante ativo do movimento anti-Asad, manifestou-se nas mesquitas em diversas ocasiões, o que lhe rendeu algumas prisões.
Por ser um líder religioso, levantou dúvidas sobre a prudência de ser indicado a presidir o bloco oposicionista unificado. Porém, é um político moderado, cujos pronunciamentos enfatizam a necessidade de direitos para todos os sírios, independente de afiliação religiosa. A maior parte dos oposicionistas vê Moaz al-Khatib com bons olhos, por ser um homem capaz de conciliar visões antagônicas entre a oposição.
No entanto, uma outra fonte de dúvidas é se a Coalizão da Oposição Síria representa efetivamente todos os grupos oposicionistas. Sendo formado por um aglomerado de grupos, organizações e indivíduos, a oposição síria, durante boa parte do movimento anti-governamental, tem permanecido dividida em seus objetivos, projetos políticos e estratégias. Contudo, os articuladores da unificação afirmam que, se por um lado, a Coalizão não aglutinará todos os grupos, por outro, contará com a participação dos grupos mais importantes e mais numerosos.
Pelo caráter moderado do novo líder, os extremistas islâmicos, tanto os locais quanto os estrangeiros, não se unirão à organização e permanecerão, muito provavelmente, seguindo seus próprios desígnios e utilizando as mesmas táticas.

Ahmed Moaz al-Khatib renunciou em 24 de março de 2013, se dizendo frustrado pela falta de progresso na ajuda internacional e acusando certos grupos de quererem tomar para si a revolução, pensando apenas em seus interesses particulares.

Ver também: