Diariamente, somos bombardeados por informações vindas de todos os lados. Recebemos notícias, indicadores, análises, e prognósticos que chegam dos cinco continentes. Apesar da enormidade de informações, quase sempre nos vemos incapazes de compreender o que ocorre. Este blog pretende ser uma contribuição para entender esse mundo complexo. É claro, não tem a pretensão de ser um oráculo, que dê conta de tudo o que ocorre no mundo, mas uma busca incessante de entender o que acontece à nossa volta.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

O que está acontecendo no Iêmen?

Nas últimas semanas, forças políticas do Iêmen chegaram a um acordo para pôr fim aos conflitos internos que assolam o país. Após muitas discussões, decidiram criar uma federação composta de seis regiões. Paralelamente, um atentado a uma prisão na capital, Sanaa, libertou diversos presos acusados de terrorismo.  E um professor britânico foi sequestrado por homens armados. A situação no país é tensa. Mas o que está acontecendo no Iêmen?




O Iêmen vem passando por um período turbulento desde o final do século XX, quando o país, unificado em 1990, passou por contendas entre vários grupos políticos. A situação se tornou mais complexa em 2011, quando as revoltas na Tunísia e no Egito estimularam movimentos similares entre segmentos da população que desejavam a mudança do regime governado por Ali Abdullah Saleh.

Na verdade, o Iêmen está em meio a um dos mais turbulentos períodos de sua longa história. Um dos países mais pobres da região, com disparidades regionais marcantes, é um Estado fraco, que não consegue lidar adequadamente com os desafios à autoridade central, especialmente os militantes ligados à rede Al-Qaeda que atuam no país.

O Iêmen é um país localizado na parte sudoeste da Península Arábica e sua posição estratégica já lhe rendeu a cobiça de potências imperiais e potências regionais ao longo de sua história. Durante cerca de três séculos (XVI-XIX), a área onde hoje é o Iêmen esteve exposta às investidas de dois dos grandes impérios que atuavam na região. Entre 1500 e 1600, a região foi dominada pelo Império Otomano. A partir de 1600, os líderes políticos da região conseguiram permanecer governando uma série de territórios independentes até o século XIX. Em 1839, a Grã-Bretanha, que já possuía um posto marítimo em Aden tomou a parte sul do Iêmen, integrando-a ao seu império. Em 1849, os otomanos fizeram uma investida no norte, conquistando essa área. Logo, no século XIX, o que conhecemos como Iêmen estava dividido entre a parte norte, controlada pelo Império Otomano, e o sul, controlado pelo Império Britânico.
Em 1918, com a dissolução do Império Otomano, a parte norte se tornou independente, sendo governado pelo Imã Yahya, enquanto a parte sul permaneceu sob controle britânico.


Norte x Sul

Em 1962, no Norte, oficiais do exército depuseram a monarquia governada pelo Imã Ahmed (filho do Imã Yahya). Estimulados por movimentos militares em outras partes do Oriente Médio, criaram a República Árabe do Iêmen (RAI), conhecida internacionalmente como “Iêmen do Norte”. A isso se seguiu uma guerra civil entre monarquistas, apoiados pela Arábia Saudita, e os militares, apoiados pelo Egito de Gamal Abdel Nasser.
Em 1967, a parte sul do país se tornou independente da Grã-Bretanha. Composto de Aden e do antigo Protetorado da Arábia do Sul, o país ficou conhecido na comunidade internacional como “Iêmen do Sul”. Os líderes do país adotaram o comunismo e o país foi nomeado oficialmente República Democrática Popular do Iêmen (RDPI).
A partir de 1972, contendas fronteiriças deram início a combates entre o norte e o sul, paralisado somente após um cessar fogo mediado pela Liga Árabe. A luta continuou pelas décadas seguintes até que o país foi unificado em 1990, sob a presidência de Ali Abdullah Saleh.
Ali Abdullah Saleh era presidente do Iêmen do Norte desde 1978. Em 1993, houve um acordo para um governo de coalizão, formado pelos partidos governistas do Norte e do Sul. No entanto, as querelas continuaram, com políticos do Sul freqüentemente acusando o Norte de marginalizá-los das decisões políticas mais importantes.
Em 1994, a situação se deteriorou. Os exércitos dos antigos países do Norte e do Sul, que o governo não conseguiu reunir sob um único comando, se prepararam na antiga fronteira e entraram em combate. Forças do Sul declararam independência. Em julho, forças do governo ocuparam Aden e os líderes rebeldes fugiram do país.


Um Estado fraco e fragmentado

A partir de então, o Iêmen entrou em processo de enfraquecimento institucional e de desagregação política entre as regiões. Isso tornou o país um terreno favorável para que, no final da década de 1990, se tornasse um refúgio para grupos extremistas ligados à Al-Qaeda. O principal ato de tais grupos no país foi o atentado contra o navio norte-americano USS Cole, em 2000, em Aden. Dias depois, foi cometido outro atentado, desta vez contra a embaixada britânica. Diante disso, em 2001, Abdullah Saleh visitou os Estados Unidos e declarou ao Presidente George W. Bush que o Iêmen iria cooperar na luta contra o terrorismo. Em 2002, Abdullah Saleh expulsou cerca de 200 líderes islâmicos acusados de serem ligados à Al-Qaeda.
Além disso, o país sofria o risco de desmembramento. Em 2004, uma revolta no norte, liderada pelo clérigo xiita Hussein Al-Hout, desafiou o poder central. A partir de então, seguidores de Al-Hout (morto em 2005) passaram a combater forças do governo, com tréguas intermitentes.
Nesse período, o país se tornou um grande campo de batalha, com o governo combatendo em várias frentes, contra vários inimigos: extremistas ligados à Al-Qaeda, separatistas no norte e no sul do país, líderes de movimentos populares, liberais e pela democratização.
Em 2008, a polícia atacou uma manifestação demandando reformas políticas e eleições livres. E no natal de 2009, um indivíduo iemenita, alegando ser parte da Al-Qaeda, tentou explodir um avião norte-americano. Enquanto isso, grupos xiitas se rebelaram na província de Saada, no norte. Os rebeldes conseguiram ocupar partes do território iemenita e entraram em confronto com tropas da Arábia Saudita, reino apoiador do governo do Iêmen.


Por fim, em 2011, após manifestações na Tunísia derrubarem o Presidente Zine Abdine Ben Ali, emergiu com mais força um movimento exigindo reformas políticas no Iêmen. Muitos pediam a renúncia do Presidente Abdullah Saleh, no poder desde a unificação do país em 1990. Grandes manifestações de rua, protestos em massa e confrontos com a polícia se seguiram. Diante da pressão, Abdullah Saleh proclamou que seu governo não seria estendido para além de 2013. No entanto, os protestos continuaram e um importante militar, o General Ali Mohsen Al-Ahmar, declarou apoio às manifestações. Ministros e outras figuras de alto escalão deixaram o governo. A violência se espalhou e Abdullah Saleh impôs estado de emergência no país. Enquanto isso, rebeldes entraram em confronto com forças do governo na capital, Sanaa.
O governo entrou em franca decomposição, até que o próprio Presidente sofreu um atentado por um foguete quando voava para a Arábia Saudita. Com isso, em novembro de 2011, Abdullah Saleh deixou o poder, e Abd Rabbuh Mansour Hadi assumiu a presidência, tendo ao seu lado um membro da oposição como Primeiro-Ministro em um governo de coalizão. Porém, a contenda norte-sul não arrefeceu.
Aproveitando-se do estado caótico do país, a Al-Qaeda empreendeu novos ataques, se tornando a filial da rede mais ativa no mundo. Além disso, a rede terrorista ocupou diversos nacos de território do país. O governo pós-Abdullah Saleh respondeu atacando bastiões da rede terrorista no sul. Paralelamente, aviões não-tripulados (os chamados "drones") norte-americanos passaram a atacar alvos acusados de ligação com a Al-Qaeda, matando centenas de supostos terroristas. Tais atos geraram críticas na comunidade internacional, por causarem a morte de centenas de civis e porque se entende que os ataques de drones são atos de execução sem direito à defesa.


E é nessa situação que se encontra o país hoje: um refúgio para membros de grupos extremistas islâmicos, um campo de batalha entre norte e sul, um terreno onde se trava a “Guerra contra o Terrorismo” e um ambiente onde jovens lutam por reformas políticas. Tudo isso em um Estado fraco e com instituições frágeis.

Desde o início de 2013, os líderes políticos vêm buscando o diálogo para pôr fim aos conflitos múltiplos que assolam o país. Em março, foi lançado o “Diálogo Nacional”, um congresso de seis meses composto por 565 delegados de todo o espectro político.
O acordo de federação assinado em fevereiro de 2014 vem em um momento em que os líderes políticos tentam pôr fim às divisões entre norte e sul. O Sul demanda mais autonomia e mais direitos, além de propor um regime mais descentralizado. Já o Norte quer manter a supremacia política no país e exige a maioria das principais províncias da nova federação.

Encontrar um denominador comum é o primeiro passo para um futuro mais promissor no Iêmen.

domingo, 26 de janeiro de 2014

O que está acontecendo na Ucrânia?

Atualizado em 22 de fevereiro de 2014

Desde novembro de 2013, a Ucrânia vem passando por uma profunda crise política. Grandes manifestações de rua contra o presidente Viktor Yanukovych resultaram em violência e morte. Porém, nas últimas semanas, o clima político piorou consideravelmente. Confrontos de rua no dia 20 de fevereiro de 2014 deixaram um saldo de 77 mortos e mais de 600 feridos. Um segmento da oposição e o presidente assinaram um acordo no dia 21 de fevereiro, que previa eleições antecipadas. No entanto, a instabilidade não cessou, pois outro setor da oposição permaneceu nas ruas. No dia 22 de fevereiro o Parlamento destituiu Yanukovych, que se disse vítima de um "golpe de estado".
Até o momento, a mídia explica os eventos como a manifestação de ucranianos que apóiam a proximidade entre a Ucrânia e a União Europeia e rejeitam a aproximação do país com a Rússia, comandada pelo Presidente Vladimir Putin. No entanto, devemos ver esses acontecimentos por dois prismas: em primeiro lugar, trata-se de uma crise política interna, fruto de uma disputa entre diferentes agrupamentos políticos que lutam pelo poder no país desde a independência em 1991; em segundo lugar, trata-se de mais um episódio das turbulentas relações de longo prazo da Ucrânia com a Rússia.



Até 1917, a Ucrânia foi parte do Império Russo. Nesse ano, após a revolução russa derrubar Nicolau II, último Czar da dinastia Romanov, seguiu-se uma luta em várias partes da Rússia por independência. Em 1917, em Kiev (atual capital da Ucrânia), foi criado o Conselho Central e, em 1918, o país declarou independência. Porém, em 1921, a Ucrânia voltou ao controle dos russos, em circunstâncias diferentes.
Em outubro de 1917, o partido bolchevique deflagrou uma segunda revolução, o que levou o país a uma guerra civil, entre os vermelhos (bolcheviques) e brancos (forças opositoras dos bolcheviques, que contavam com auxílio externo).
Após vários combates em meio à guerra civil, o Exército Vermelho ocupou o território ucraniano. E em 1922, a Ucrânia ingressou na União Soviética, isto é, se tornou mais uma república da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS. Em 1945, após a vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial, os soviéticos anexaram definitivamente a Ucrânia.
As relações entre a União Soviética e a Ucrânia sempre foram tensas. Em 1954, uma tentativa de independência liderada pelo grupo chamado Exército Insurgente Ucraniano foi derrotada. Nos anos 1960, cresceu a oposição ao controle soviético, culminando com a repressão de dissidentes em 1972.
Em 1988, em um momento de profundo enfraquecimento da União Soviética, intelectuais e ativistas criaram o Movimento pela Reestruturação do Povo Ucraniano. Em 1990, após uma série de manifestações de estudantes anti-comunistas, o governo do líder comunista Vitaly Masol foi derrubado.
Em 1991, a Ucrânia declarou independência, que foi ratificada por 90% dos votos em referendo ocorrido em dezembro. A partir de então, iniciou-se uma divergência de objetivos entre políticos ucranianos sobre o futuro do país e um conflito político entre aqueles que queriam uma aproximação com a Europa e Estados Unidos e aqueles que queriam fortalecer os laços tradicionais com a Rússia.
Em 1994, Leonid Kuchma foi eleito presidente. E em 1997, foi assinado um tratado de amizade entre Ucrânia e Rússia.
Nos anos 2000, a Ucrânia passou por uma grande turbulência política, em um estado de animosidade profunda entre diversos campos políticos do país. Em 1998, Viktor Yushenko foi indicado Primeiro Ministro pelo Presidente Kuchma. Ele iniciou medidas para combater a corrupção, fez reformas econômicas e trabalhou para atrair investimentos, passando a ter apoio do Ocidente. Porém, recebeu a oposição de grandes homens de negócio. Em 2001, seu governo foi dissolvido após um voto de desconfiança no Parlamento.
Enquanto isso, o governo do Presidente Kuchma (reeleito em 1999) se deteriorava, marcado por ineficiência e acusações de corrupção. Kuchma era acusado por opositores internos e pela União Europeia de ordenar o assassinato de Georgiy Gongadze – um jornalista que denunciava casos de corrupção no governo. Em 2001, manifestações pediam sua renúncia por ligações com o crime. Em 2002 e 2003, a oposição liderou grandes manifestações exigindo a renúncia de Kuchma.
Em 2004, a situação se agravou definitivamente. Nas eleições presidenciais de novembro o resultado oficial dava vitória ao governista Viktor Yanukovych. Porém, observadores independentes apontavam a vitória do opositor Viktor Yushenko, que então lançou uma campanha de grandes protestos e desobediência civil, no que ficou conhecido como “Revolução Laranja”. A Suprema Corte anulou o resultado da votação.
Em dezembro, uma nova eleição deu a vitória a Yushenko, que ocupou a presidência entre 2005 e 2010. No entanto, crises políticas se seguiram. Coalizões foram feitas e desfeitas e o clima político não foi amenizado. Yushenko foi acometido por uma doença que deixou seu rosto desfigurado. Muitos alegam que ele foi envenenado por dioxina.
Nesse período, se agravaram as divergências sobre uma aproximação com a União Europeia ou o estreitamento dos laços com a Rússia. Yushenko era favorável a uma aproximação com a Europa. Porém, era forte a corrente política que apoiava laços com a Rússia. Em 2007, em uma acalorada contenda com membros do parlamento, o Ministro do Exterior Boris Tarasyuk, um dos principais aliados do Presidente Yushenko e um forte defensor da aproximação com a Europa e da entrada do país na OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), renunciou.
Também em 2007, nas eleições parlamentares, um grupo político pró-russo ganhou as eleições por uma pequena margem.
Nesse meio tempo, as relações com a Rússia se desgastaram. Desde 2006, os dois países estavam envoltos em uma controvérsia a respeito do fornecimento de gás russo para os ucranianos. Por conta das divergências em torno dos preços e do valor dos impostos, a Rússia chegou a interromper o fornecimento. A Rússia é o principal fornecedor de gás natural à Ucrânia e muitos ucranianos acusaram os russos de usarem o gás como arma política, para desestabilizar o governo de Yushenko.
Em 2008, a estatal russa Gazprom concordou em um novo contrato com o governo ucraniano. Em 2009, após novas divergências, a Rússia decidiu por um novo corte do fornecimento, mas uma semana depois, um novo tratado foi assinado, por um período de 10 anos.
Em 2009, um novo episódio das relações entre os dois países foi aberto. Após a eclosão da crise econômica mundial, a Rússia iniciou esforços por obter tratados de união econômica com países vizinhos. Em 2012, Rússia, Belarus e Cazaquistão adotaram uma união aduaneira, que seria o passo inicial para uma ampla União Econômica Eurasiana em 2015. Armênia e Quirguistão, outras ex-repúblicas soviéticas, solicitaram entrada na união. Moscou tenta aproximação com outros países da região.
No entanto, o país mais desejado pelo Presidente russo Vladimir Putin é a Ucrânia, com seus 46 milhões de habitantes. Porém, o projeto sofre oposição de diversos agrupamentos políticos ucranianos, quem veem nele uma perda da soberania do país em favor da Rússia. Algumas partes desse segmento político são amplamente favoráveis à aproximação com a União Europeia, que compete com a Rússia por influência no país desde o fim da União Soviética. Moscou vê esses esforços europeus com extremo desagrado, por vê-los como tentativas de ter voz em um país que por muitos anos foi área de influência russa.


O atual governo ucraniano vê com bons olhos uma aproximação com a Rússia, já que Moscou vem adotando medidas favoráveis para atrair os ucranianos, como planos de cooperação industrial, créditos a taxas favoráveis e preços mais baixos do gás natural. Por conta disso, em novembro de 2013, o Presidente Viktor Yanukovych anunciou que não assinaria um acordo cujo objetivo era fortalecer os laços com a União Europeia, o que desagradou os anti-russos, que tomaram as ruas de Kiev nas semanas que se seguiram.
Além disso, a crise em torno da aproximação com a União Europeia possui um componente fundamentalmente interno, relacionado à luta entre governo e oposição na Ucrânia. Os manifestantes também protestam contra o autoritarismo do governo, contra a lei que impede as manifestações, condenam as prisões políticas e a corrupção. As manifestações iniciais, na verdade, eram contra o governo. Após a dispersão de protestos pacíficos pela Berkut, forças especiais ligadas ao Ministério do Interior, as manifestações ganharam corpo e emergiu a causa favorável à União Europeia. Foi nesse momento também que houve a entrada em cena dos elementos de extrema direita. Ou seja, a oposição nas ruas ficou mais complexa.

Quem é quem?
Nesse momento, o partido governista é o Partido das Regiões, formado principalmente por ex-membros da burocracia soviética e defensor de uma aproximação com a Rússia. O partido se diz defensor da população étnica russa e dos falantes da língua russa na Ucrânia. Criado em 1997, como apoiador do ex-Presidente Leonid Kuchma, foi reformado em 2000, quando passou para a oposição. O Partido das Regiões obteve a maioria parlamentar nas eleições de 2012, com 185 assentos.
Por outro lado, quatro partidos políticos são as maiores forças na oposição: o Batkivshchyna (União Pan-Ucraniana pela Pátria), que possui 101 assentos no parlamento, e tem como um dos seus principais líderes a ex-candidata presidencial Yulia Tymoshenko, que esteve presa entre 2011 e 22 de fevereiro de 2013 - segundo seus apoiadores por motivações políticas; a Aliança Democrática Ucraniana pela Reforma, com 40 assentos, que tem o mais popular líder oposicionista, o ex-boxeador Vitali Klitschk. Defende uma aproximação com a Europa, a modernização do governo e o combate à corrupção; o Svoboda (Liberdade), com 37 cadeiras, um partido de extrema direita com neo-nazistas em seus quadros, que adota discursos racistas e homofóbicos. Esse partido defende uma cidadania com base étnica ucraniana e é contrário tanto a uma aproximação com a Rússia quanto com a União Europeia e a OTAN; e o Pravy sektor (setor de Direita), um movimento radical de direita sem estrutura organizacional muito bem estabelecida, mas que foi o principal responsável pelos atos de violência nas ruas das últimas semanas. Também é contrário tanto à Rússia quanto à União Europeia.

Portanto, as manifestações que vemos se desenrolando na Ucrânia são expressões de um aglomerado de correntes políticas que entende que a aproximação com a Rússia significa a perda de parte importante de sua independência.  Porém, a oposição também está dividida. Os partidos de extrema direita também veem a aproximação com a União Europeia e a entrada na OTAN como perda da soberania “nacional”. Essa questão está mais premente neste momento, em mundo pós-Guerra Fria e em um ambiente regional marcado pelo conflito entre a União Europeia e Estados Unidos, de um lado, e a Rússia, de outro, por influência nos países da Europa Oriental e da Ásia Central.

Por outro lado, os acontecimentos das últimas semanas demonstram também a permanência de uma divergência de longa duração entre os ucranianos sobre qual deve ser a orientação política da Ucrânia. Grupos liberais, de esquerda e de extrema direita disputam o poder político em um país marcado pela recorrência de crises políticas e institucionais desde a independência em 1991.

domingo, 24 de novembro de 2013

Acordo entre potências mundiais e Irã

No dia 24 de novembro de 2013, um acordo inicial foi assinado entre  o Grupo 5+1 - os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (Estados Unidos, Rússia, França, Grã-Bretanha e China) mais a Alemanha - e a República Islâmica do Irã, em torno do programa nuclear iraniano. Há algumas semanas, iniciaram-se contatos diplomáticos para se chegar a um acordo. Embora as discussões fossem difíceis, era de interesse de ambos os lados que um acordo fosse alcançado (Ver Negociações entre Estados Unidos e Irã: há possibilidades de acordo ?). Mas, afinal, o que se obteve com esse acordo inicial?


O acordo definiu uma série de obrigações a serem cumpridas pelas autoridades iranianas, com o objetivo de evitar que o Irã obtenha capacidade de construir uma bomba nuclear. Porém, permite a existência de instalações nucleares e um grau limitado de enriquecimento de urânio. Por outro lado, as potências reunidas no Grupo 5+1 se comprometeram a revogar algumas sanções, o que será um alívio para a economia iraniana.
Abaixo seguem os principais termos do acordo.

Obrigações do Irã
- Paralisar o enriquecimento de urânio acima de 5%;
- Desmantelar conexões técnicas necessárias ao enriquecimento acima de 5%;
- Não instalar centrífugas adicionais de qualquer tipo;
- Não construir novas instalações para enriquecimento de urânio;
- Paralisar a operação do reator na usina da cidade de Arak;
- Permitir inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica.

Medidas do Grupo 5+1
- Não adotar novas sanções pelo período de 6 meses;
- Permitir o acesso a 4,2 bilhões de dólares em divisas iranianas que estavam congeladas em bancos estrangeiros;
- Suspender algumas sanções sobre as exportações de ouro e outros metais preciosos, produtos petroquímicos e automóveis, no valor aproximado de 1,5 bilhões de dólares;
- Permitir que europeus comprem petróleo iraniano em níveis limitados.

O acordo teve grande repercussão internacional. Os dois lados envolvidos elogiaram o acordo, como uma vitória diplomática. O presidente norte-americano Barack Obama fez um pronunciamento em que deu as congratulações aos negociadores e disse que o acordo faria o mundo "mais seguro", ao impedir que o Irã desenvolva armas nucleares.
Já o Primeiro-Ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, foi duro, ao chamar o acordo de "erro histórico". Igualmente contrariados ficaram os demais aliados norte-americanos na região, como Arábia Saudita e alguns Estados do Golfo. Todos temem que o Irã continue seu programa nuclear e um dia obtenha a bomba. Além disso, também enxergam o acordo como uma vitória diplomática do Irã e um importante passo para seu fortalecimento diante dos outros atores da região.

Esse foi apenas o primeiro acordo entre as partes. Devemos acompanhar os próximos eventos para sabermos se haverá um alívio das tensões. Sobretudo, resta saber se uma relação amistosa entre Irã e Estados Unidos pode surgir e alterar o equilíbrio de poder no Oriente Médio.

Ver também:

domingo, 10 de novembro de 2013

Negociações entre Estados Unidos e Irã: há possibilidade de acordo?

Durante as últimas semanas, temos visto um intenso esforço diplomático para que se chegue a um acordo entre Irã, Estados Unidos, União Europeia, Rússia e Alemanha a respeito do Programa Nuclear Iraniano. Certamente, os dois atores mais envolvidos são os Estados Unidos e o Irã, países que são adversários há décadas, desde que a Revolução de 1979 derrubou o Xá Rheza Pahlevi, aliado de Washington.
Encontros tensos, vazamentos de informações, uma movimentação intensa de oficiais diplomáticos - tudo deixa transparecer que a negociação não será fácil.
Porém, há alguma possibilidade dessa negociação dar certo?


Como sempre acontece com negociações internacionais, é difícil saber ao certo o que está ocorrendo a portas fechadas e se o que é divulgado para a imprensa é real ou apenas um modo encontrado para passar mensagens a adversários e a alguns aliados. No entanto, pelo que ocorre nos Estados Unidos e no Irã, podemos tentar inferir algumas possibilidades de ações por parte dos envolvidos.
O Irã tem assumido uma postura bastante diferente desde que Hasan Rohani assumiu a presidência do país, sucedendo Mahmoud Ahmadinejad, que era persona non grata nos meios diplomáticos internacionais por sua postura belicosa e discursos inflamados (Ahmadinejad chegou, inclusive, a negar o Holocausto). Rohani assumiu a presidência do Irã em meio a uma grave crise econômica, advinda das sanções internacionais impostas por Estados Unidos, União Europeia e ONU.
Desde 2006, a ONU aprovou resoluções condenando o enriquecimento de Urânio em usinas nucleares iranianas. Porém, autoridades do país dizem que o programa nuclear é pacífico e o enriquecimento de Urânio se deve a necessidades energéticas. Como esse procedimento pode levar à construção de bombas nucleares, as potências europeias e Estados Unidos pressionam para que o Irã ponha fim ao programa ou o submeta a uma rigorosa inspeção por parte da Agência Internacional de Energia Atômica - AIEA. O Irã nega as acusações de que seu programa tem fins militares, afirmando que se mantém comprometido com o Tratado de Não-Proliferação de Armas Atômicas.
As sanções foram aprovadas e desde então o Irã vem passando por inúmeras dificuldades econômicas. A venda de petróleo, que perfaz cerca de 50% da receita do país, foi duramente afetada. O Irã possui cerca de 9% das reservas de petróleo do mundo.
As sanções da União Europeia são especialmente danosas ao Irã porque como o comércio e outros negócios com os Estados Unidos se mantêm restritos desde 1979, a União Europeia tem sido um dos principais parceiros econômicos do Irã.
Em 2012, a União Europeia baniu a compra de petróleo iraniano. Os europeus compravam 20% da produção iraniana. Entre 2011 e 2013, a exportação de petróleo iraniano caiu de 2,2 milhões de barris por dia para 700 mil. Logo, essa sanção acertou em cheio a economia do país.
Além disso, há as sanções financeiras, que impõem restrições à circulação de divisas entre o Irã e países estrangeiros. Em janeiro de 2012, a União Europeia congelou todos os ativos do Banco Central Iraniano em instituições financeiras dos 27 Estados membros. Já os Estados Unidos, impõem restrições a empresas que têm relações com o Irã, piorando ainda mais a situação do país.
Com isso, nos últimos anos, a economia iraniana vem decrescendo significativamente, muitos negócios pequenos e médios estão à beira da falência e o desemprego cresceu, especialmente entre os jovens.
Assim, é bastante provável que Rohani busque um acordo. Se a situação permanecer nesse ritmo, analistas avaliam que a economia do Irã pode entrar em colapso dentro de alguns meses.
Na verdade, Rohani foi eleito com um discurso político que afirmava que tiraria o Irã do isolamento diplomático criado por Ahmadinejad. Para os apoiadores de Rohani, o Irã deve adotar algumas medidas políticas demandadas pelos Estados Unidos e União Europeia. Porém, ele encontrará uma feroz resistência interna se resolver adotar um tom mais conciliatório com Washington.

Por outro lado, parece que o governo norte-americano anseia por uma solução diplomática rápida. Há uma pressão para que o Presidente Barack Obama não permita que o Irã tenha armas nucleares. A principal voz nesse sentido é do Primeiro Ministro de Israel Bejnamin Netanyahu, que disse estar disposto a atacar o Irã, sozinho se necessário (ou seja, mesmo sem o aval dos Estados Unidos).
Isso seria a pior coisa a acontecer para a estratégia de longo prazo dos Estados Unidos no Oriente Médio e no Golfo Pérsico. Os Estados Unidos tentam nesse momento estabilizar a região sem o recurso militar. Há uma pressão interna para que Obama não envolva os Estados Unidos em uma nova guerra no Golfo Pérsico, depois dos efeitos catastróficos da guerra do Iraque (Ver 10 anos da Guerra do Iraque, parte 1 e parte 2). Assim, se Israel atacar o Irã e a guerra adentrar um estágio perigoso (com o envolvimento de outros países), os Estados Unidos deverão agir. Para muitos nos Estados Unidos, esse seria um cenário catastrófico, que criaria condições econômicas devastadoras para a região, o que, por sua vez, prejudicaria a já combalida economia norte-americana.

Por conta disso, talvez Estados Unidos e Irã cheguem a um acordo. Embora as negociações sejam difíceis, há possibilidade de que uma solução de compromisso seja alcançada. Já foram propostas nos últimos dias algumas saídas, como o fornecimento de Urânio por países estrangeiros, em troca da não utilização de certos equipamentos para enriquecimento no próprio Irã. Possivelmente, negociações sobre as intenções militares dos norte-americanos na região devem estar ocorrendo, pois o Irã não desejaria abdicar de um possível programa nuclear militar sem garantias de que o país não seria atacado pelos Estados Unidos.
Por fim, não é certo que o acordo seja alcançado, mas os dois lados anseiam isso. A dificuldade reside nos limites que cada um tem por trás de si para aceitar certas condições. Tanto Irã quanto Estados Unidos não querem que a questão degenere em confronto militar, mas também não podem aceitar qualquer condição.

Ver também:

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

O que está acontecendo na Líbia?

Atualizado em 16 de novembro de 2013 (19:30)

Nesta semana, acompanhamos eventos na Líbia que demonstram o quão conturbado está o ambiente no país. Imagens de pessoas mortas e feridas correram o mundo, após uma manifestação de rua na capital Trípoli ter degenerado em violência e deixado um saldo de cerca de 40 mortos.
A marcha pelas ruas da capital era um protesto contra a presença de milícias em Trípoli. O Primeiro-Ministro, Ali Zeidan, ordenou a retirada de todos os grupos armados da capital. Porém, as milícias não obedeceram. Durante a marcha, no último dia 15 de novembro, grupos armados atiraram contra os manifestantes. A violência se espalhou no dia seguinte, quando tropas rivais se confrontaram nas ruas de Trípoli.
Mas afinal, o que está acontecendo na Líbia?



A Líbia passa por um momento de profunda instabilidade após a derrubada do ditador Muammar al-Qadafi em 2011. Qadafi governava a Líbia desde 1969, após um golpe militar que derrubou o rei Idris As-Sanusi.
A Líbia é um país que reúne diferentes regiões e que se configurou territorialmente no período de domínio otomano. A história da região é antiquíssima. Ao longo dos séculos foi dominada por fenícios, gregos, romanos, vândalos, bizantinos, até ser ocupada pelos árabes que se expandiam pelo Norte da África no ano de 643 D.C.
O Império Otomano ocupou a região no século XVI e criou a província da Líbia, através da reunião das províncias de Tripolitânia, Cirenaica e Fezzan. A região permaneceu sob domínio otomano por vários séculos, mas em diferentes períodos possuiu grande autonomia.
Em 1911-1912 a Líbia foi ocupada pela Itália. Houve anos de insurgência, mas os grupos rebeldes foram sufocados. No entanto, em 1942, em meio à Segunda Guerra Mundial, as tropas aliadas expulsaram os italianos. A Líbia foi ocupada, então, pelos Aliados - a França passou a administrar Fezzan, enquanto os britânicos passaram a administrar Tripolitânia e Cirenaica.
A Líbia obteve sua independência em 1951, sob o rei Idris. Porém, a influência da Europa e dos Estados Unidos permaneceu de forma proeminente. A Líbia é um país que possui uma grande quantidade de petróleo, o que atiçou (e ainda atiça) a cobiça das grandes potências. Tal situação gerava descontentamento interno, principalmente entre os militares.
Assim, em 1969, um golpe militar depôs o rei. O coronel Muammar al-Qadafi, com apenas 27 anos, assumiu o poder. Seguiu-se um regime militar ditatorial, em que Qadafi procurava uma agenda pan-árabe, aliou-se à União Soviética e era completamente anti-americano. Qadafi fechou todas as empresas americanas, italianas e inglesas, além de nacionalizar as companhias de petróleo. Na década de 1980, caças americanos bombardearam instalações militares e o palácio do ditador.
O governo líbio sob Qadafi foi acusado de ser o responsável pela derrubada de um avião da empresa Pan Am com 258 passageiros sobre a cidade escocesa de Lokerbie, em 1988. A animosidade entre as partes era aguda. No entanto, nos anos 2000, Qadafi começou a se aproximar dos governos dos Estados Unidos e da Itália.

Muammar Qadafi em 1969

Após anos de governo Qadafi, a população se revoltou. A revolta na Líbia começou em fevereiro de 2011, quando a população se manifestou em massa, inspirada pelas revoltas em outras partes do Oriente Médio e do Norte da África, conhecidas na mídia como "Primavera Árabe". Os protestos começaram em Benghazi e logo se espalharam para outras partes do país. Seguiu-se um período em que o governo utilizou de todos os meios militares à sua disposição para sufocar os manifestantes. Diante disso, emergiram grupos rebeldes que tinham como objetivo derrubar Qadafi. Os ataques do governo se tornaram cada vez mais severos.
Diante da grave situação humanitária, o Conselho de Segurança da ONU autorizou a criação de uma zona de restrição aérea para evitar que Qadafi utilizasse sua aviação militar para atacar a população. Como Qadafi não respeitou essa restrição, a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) bombardeou várias partes do país, o que facilitou a contra-ofensiva dos rebeldes, que estavam baseados principalmente em Benghazi.
Em agosto de 2011, os rebeldes avançaram sobre a capital, Trípoli, e atacaram o centro do governo. Qadafi e sua família haviam fugido. Porém, em outubro, os rebeldes encontraram Qadafi, o capturaram e o assassinaram.

A partir de então, tentou-se formar um novo governo na Líbia. Constituiu-se um governo provisório, em novembro de 2011, liderado pelo Conselho Nacional de Transição (CNT), que havia sido reconhecido em julho pelas potências europeias e Estados Unidos. Porém, os sinais de descontentamento apareceram já em janeiro de 2012, quando grupos rebeldes em Benghazi entraram em confronto com as forças do CNT.
Proliferaram-se milícias por todo o país. Diferentes grupos controlam nacos do território, que se tornou, na verdade, um aglomerado de áreas controladas por diferentes agrupamentos clânicos. Há confrontos permanentes - entre diferentes milícias, entre o governo e milicianos, entre grupos árabes e berberes etc. Extremistas islâmicos também encontraram no país um território ideal para atuar. Em 11 de setembro de 2011, um grupo ligado à Al-Qaeda atacou a embaixada norte-americana em Benghazi e matou 3 pessoas, inclusive o embaixador, Chris Stevens.
Além disso, as armas utilizadas pelos rebeldes se disseminaram entre a população e é extremamente difícil para o governo recolher esse arsenal para que somente o exército seja uma força armada. Tais armas se espalharam para outras partes do Norte da África e estão sendo utilizadas por grupos rebeldes e grupos extremistas no Mali, na Argélia, no Quênia etc.
O governo tem tentado, em vão, desmantelar as milícias e integrar algumas delas no exército do país. Em agosto de 2012, o CNT passou o governo para o Congresso Geral Líbio (CGL), que assumiu a luta para conter os grupos rebeldes e dar ordem ao país. Ali Zeiden - ex-presidente do CGL - foi eleito Primeiro-Ministro em outubro.
Zeiden é um ex-diplomata que deixou o governo de Qadafi em 1980 e desde estão fazia oposição ao governo. Durante a revolta contra Qadafi, ele foi o principal elo entre o CNT e as potências europeias. Zeiden é reconhecido como o principal responsável por obter o reconhecimento externo dos grupos rebeldes. Porém, hoje, sofre oposição de diversas frentes - grupos islamistas, milícias tribais e líderes autonomistas regionais. Ele é contestado pelos grupos rebeldes, principalmente baseados em Benghazi.
Em 10 de outubro de 2013, o próprio Zeidan foi sequestrado por um grupo rebelde e mantido cativo por seis horas. Os rebeldes afirmaram que o ato fora uma represália à captura de um líder rebelde por forças americanas. Além disso, alegaram que o Primeiro Ministro era corrupto e que subornava militares para garantir seus próprios interesses. O sequestro de Zeidan foi a expressão máxima de um governo sem poder de controlar os grupos armados do país.


A Líbia se encontra em uma posição de extrema vulnerabilidade e o governo tem se mostrado incapaz de manter a ordem em grande parte do país. É nesse quadro que se encontra a Líbia no momento e não há sinais visíveis de que a situação irá melhorar no curto prazo.