Diariamente, somos bombardeados por informações vindas de todos os lados. Recebemos notícias, indicadores, análises, e prognósticos que chegam dos cinco continentes. Apesar da enormidade de informações, quase sempre nos vemos incapazes de compreender o que ocorre. Este blog pretende ser uma contribuição para entender esse mundo complexo. É claro, não tem a pretensão de ser um oráculo, que dê conta de tudo o que ocorre no mundo, mas uma busca incessante de entender o que acontece à nossa volta.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Lei e política no Egito


Nos últimos dias, o Presidente do Egito Mohammed Mursi emitiu um decreto que lhe concede imensos poderes. A isso se seguiram veementes protestos de rua no Cairo, ataques a escritórios da Irmandade Muçulmana, condenações de ativistas, partidos políticos rivais e de grupos de mídia, bem como levantou preocupações na comunidade internacional.
Mas, afinal, o que está em jogo nessa medida presidencial?


Em 23 de novembro de 2012, o Presidente egípcio Mohammed Mursi emitiu um decreto que expandia os poderes do Presidente, em detrimento da Suprema Corte Egípcia.
Os pontos mais polêmicos do decreto são:
  • A Suprema Corte não poderá anular as determinações legais emitidas pelo Presidente;
  • A Suprema Corte não poderá dissolver a câmara alta do parlamento, dominada pelo Partido da Liberdade e da Justiça, agremiação do presidente e representante da Irmandade Muçulmana (a câmara baixa havia sido dissolvida em 14 de junho de 2012);
  • O Mandato do Procurador-Geral de Justiça deverá ser de, no máximo, quatro anos; e
  • Os processos de julgamento de Hosni Mubarak e de políticos ligados ao ex-presidente serão reabertos.
Esses quatro artigos são de fundamental importância na nova configuração política do Egito. Embora o Presidente tenha dito que tal medida era emergencial, tendo como objetivo garantir a continuidade da "revolução", o decreto toca em aspectos políticos cruciais para o futuro político do país. 
Em primeiro lugar, o Presidente se atribuiu o poder máximo do país, ao não estar mais limitado pela Suprema Corte. Tal medida indica um retrocesso no processo de democratização, já que um dos pilares do sistema democrático é a existência de um Poder Judiciário independente, livre e apto a julgar mesmo o Chefe de Estado (no Brasil, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal - STF tem a atribuição de julgar o Presidente em casos de crimes comuns). Além disso, em países democráticos, a Suprema Corte é a guardiã da Constituição, considerada a  lei máxima. Com isso, pode invalidar leis que estejam em desacordo com a Constituição. No caso do Egito, o Presidente poderá, por meio do novo decreto, emitir marcos legais inconstitucionais, ferindo, portanto, um dos mais importantes princípios democráticos.
Na verdade, apesar dos discursos jurídicos, a disputa no Egito é política. Mursi tenta com essa medida superar os obstáculos às ações políticas e administrativas que vem tentando implementar no Egito desde que tomou posse, em junho de 2012. Muitas ações do Presidente foram consideradas ilegais pela Suprema Corte. Contornando essa dificuldade, Mursi poderá governar com maior liberdade, o que abre perigos para grupos de oposição, que o acusam de adotar um marco legal mais ditatorial do que o praticado pelo seu antecessor e por ser um "moderno faraó".



Mursi tenta enfraquecer a Suprema Corte, que ainda tem entre seus membros juízes indicados pelo presidente deposto, Hosni Mubarak. São magistrados ligados às Forças Armadas e que fazem oposição a Mursi. Políticos ligados ao presidente afirmam que as decisões da Suprema Corte são políticas e não jurídicas.
Além disso, ao impedir que a Suprema Corte dissolva a câmara alta do parlamento, dominada por seu partido, Mursi tenta garantir que a nova Constituição (ainda em processo de elaboração) contenha determinações mais afeitas às políticas defendidas pela Irmandade Muçulmana. Já que a câmara baixa, também com maioria do seu partido, já havia sido dissolvida pela Suprema Corte, Mursi tenta evitar que o mesmo aconteça na câmara alta.
Mursi também busca, com esse decreto, enfraquecer a figura do Procurador-Geral. Ao limitar o mandato para quatro anos, abre a possibilidade de que consiga indicar um juiz mais próximo a ele e favorável a políticas defendidas pelo presidente.
E, por fim, ao determinar que o processo contra Hosni Mubarak seja reaberto, Mursi tenta um julgamento mais severo. Mursi e políticos próximos acusam a Suprema Corte de atenuarem a pena dos réus, já que alguns juízes foram indicados pela pessoa que devem julgar.
Por conta de todos esses aspectos, a instabilidade no Egito se acentuou nos últimos dias e o futuro político do Egito ainda é uma incógnita.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Quem é o Hamas?

Em novembro de 2012, Israel e o Hamas se enfrentaram em uma guerra de 8 dias. Nesse confronto, 163 palestinos e 6 israelenses morreram. Nos últimos anos, o Hamas consolidou-se como uma força política expressiva nos Territórios Palestinos da Faixa de Gaza e da Cisjordânia. Parece difícil que qualquer negociação entre palestinos e israelenses seja concretizada sem a participação do Hamas.
Mas quem é o Hamas? Qual o papel desempenhado pelo grupo no conflito mais amplo entre palestinos e israelenses? Quem são seus principais líderes?


Logotipo do Hamas


O Hamas é uma organização militante e um partido político palestino.
O nome do grupo é acrônimo de Harakat al-Muqawamah al-Islamiyyah, que significa Movimento de Resistência Islâmica. A palavra também significa "zelo" ou "entusiasmo" em árabe.
Criado em meio à Primeira Intifada, em 1987, o Hamas é o maior grupo militante palestino. Foi formado por integrantes da organização al-Mujamah al-Islami (Congregação Islâmica), rede de assistência social fundada por Ahmed Yassin, líder religioso palestino ligado à Irmandade Muçulmana.
O Hamas segue a ideologia islamista, isto é, busca orientação no Islã para sua postura política. A base religiosa do grupo é o Islã sunita.
A organização compõe-se de uma cúpula política e de um braço armado. Atuando como partido político,  o Hamas adota, em certas ocasiões, flexibilidade e pragmatismo em relação ao Estado de Israel e à comunidade internacional. Em sua atuação política, seus maiores feitos foram as vitórias nas eleições para os Conselhos Municipais, em 2005, e para o Conselho Nacional Palestino, em 2006.
Com a vitória eleitoral de 2006, o Hamas passou a deter o direito de indicar o Primeiro Ministro da Autoridade Nacional Palestina e os principais cargos executivos da entidade. Inicialmente, o Hamas e o Fatah formaram um "governo de união nacional". Porém, após diversos desentendimentos, os dois se tornaram inimigos e se enfrentaram em confrontos armados em 2007. Como resultado, o Hamas controla a Faixa de Gaza desde então, enquanto o Fatah controla os territórios palestinos autônomos na Cisjordânia.
O braço armado do Hamas tem o nome de Brigadas Izz ad-Din al-Qassam e foi responsável por uma série de atentados terroristas contra civis israelenses, durante a Segunda Intifada, a maioria realizada por militantes suicidas. Atualmente, sua principal ação é o lançamento de foguetes contra o sul de Israel a partir da Faixa de Gaza.
Além disso, o Hamas, seguindo a tendência de outros grupos alinhados à Irmandade Muçulmana, mantém diversas organizações assistenciais, que fornecem alimentos, medicamentos, assistência médica e edução para palestinos pobres.


Bandeira do Hamas

Oficialmente, o Hamas não reconhece as negociações de paz entre a OLP e o governo israelense. Em sua carta de princípios, defende a destruição de Israel e a criação de um Estado islâmico em todo o território  em que estão localizados os Territórios Palestinos e o Estado de Israel. No entanto, já há alguns anos, o grupo vem adotando táticas pragmáticas. Em diversos pronunciamentos, indica que sua principal meta a curto prazo é fazer com que Israel se retire da Cisjordânia e alivie o bloqueio à Faixa de Gaza. Assim que o Hamas venceu as eleições em 2006, Ismail Haniyeh (indicado Primeiro-Ministro) declarou que aceitaria uma trégua de longo prazo se Israel se retirasse "para trás das fronteiras de 1967". Tal declaração foi emblemática de uma nova postura política.
Na verdade, a própria participação nas eleições legislativas já demonstrava uma alteração na postura da organização. A Autoridade Palestina foi criada no âmbito dos Acordos de Oslo, que marcou, dentre outros princípios, o reconhecimento de Israel pela OLP (ver O que é Questão Palestina? 3ª parte). Por isso, durante anos, o Hamas não reconheceu a Autoridade Palestina, por ter sido criada em meio a um acordo que previa o reconhecimento do Estado de Israel. Tanto que, em 1996, o Hamas boicotou as eleições que confirmaram Yasser Arafat como presidente da Autoridade Palestina. Em 2006, tal entendimento foi abandonado.
Hoje, muitas ações do Hamas são muito mais direcionadas a obter a estabilidade na Faixa de Gaza, já que, como entidade governante, precisa lidar com questões cotidianas, como garantir o abastecimento de água e alimentos, recolher o lixo e providenciar energia elétrica.
No entanto, não é certo que o Hamas renuncie à luta armada e adote definitivamente o caminho político, como fez Yasser Arafat e a OLP no final da década de 1980.
Considerado terrorista por Israel e Estados Unidos, o Hamas é um partido político consolidado e visto como legítimo nos Territórios Palestinos. Porém, é um partido político com um braço armado poderoso. Isso, por vezes, causa certos atritos internos. Nem sempre as posturas dos líderes políticos estão em consonância com as posições dos líderes militares. Na verdade, o Hamas passa por um momento de definição de rumos e por um processo de reavaliação de seus objetivos. Há uma cisão dentro do partido, entre duas principais tendências:
a) uma tendência moderada, que aponta para uma via política de atuação, que considera negociações limitadas com Israel e que procura aprofundar laços com o Egito, com a Turquia e com o Qatar; e
b) uma tendência mais radical, que enfatiza a luta armada, recusa qualquer negociação com Israel e que está fortemente ligada ao Irã e ao governo de Bashar al-Asad, na Síria.
O Hamas não é o grupo mais radical na Faixa de Gaza. Grupos orientados por um Islã fundamentalista, como os salafistas, desafiam o poder do Hamas e acusam o grupo por ser excessivamente "moderado". O grupo Jund Ansar Allah, inspirado pela al-Qaeda, ataca o Hamas por agir como um "governo secular" e por não fazer da Sharia a lei da Faixa de Gaza.  Em 2009, membros do  Jund Ansar Allah invadiram uma mesquita em Rafah exigindo que o Hamas deixasse o poder. Soldados do Hamas cercaram a mesquita exigindo a rendição dos invasores. Como não houve rendição, um combate se seguiu em que 24 palestinos morreram.
Mesmo os grupos que seriam mais próximos do Hamas também têm suas diferenças com a organização. Em 2009, após o Hamas obter um cessar-fogo com Israel (acordo que encerrou a operação militar israelense denominada "Chumbo Derretido"), policiais do Hamas prenderam cinco militantes da Jihad Islâmica que se preparavam para lançar foguetes contra o território israelense.
Portanto, muitos e diversificados são os desafios enfrentados pelo Hamas.

Atualização em 1° de dezembro de 2012
Contrariando sua postura precedente, líderes do Hamas manifestaram apoio à proposta levada à ONU por Mahmoud Abbas de criar um Estado da Palestina nas fronteiras de 1967.


Principais figuras do Hamas


Khaled Meshaal


Khaled Meshaal é o líder da ala política do Hamas. Nascido em 1956, em Silwan, vilarejo próximo a Ramallah, Meshaal e sua família tornaram-se refugiados em decorrência da Guerra dos Seis Dias, em junto de 1967, indo para o Kwait. Meshaal se juntou à Irmandade Muçulmana em 1971. Físico de formação, foi professor universitário no Kwait. Poucos anos depois da fundação do Hamas, Meshaal se juntou à organização, ficando conhecido como um dos líderes do grupo conhecido como "contingente kuwaitiano". Meshaal faz parte da tendência moderada do Hamas. Em diversos momentos, manifestou pragmatismo e moderação em seus pronunciamentos políticos, inclusive defendendo tacitamente um Estado palestino nas fronteiras de 1967. Após a vitória do Hamas em 2006, afirmou que o grupo deveria lidar "realisticamente" com Israel.
Meshaal foi preso e libertado diversas vezes por Israel na década de 1990. Em 1997, Israel tentou assassiná-lo, quando agentes do Mossad o envenenaram. Ele sobreviveu por ter sido levado rapidamente para o hospital.
Meshaal estava estabelecido em Damasco, na Síria, de onde atuava politicamente, contando com o beneplácito do presidente Bashar al-Asad. No entanto, em meio à revolta que tenta derrubar Asad desde 2011, levante que conta com um expressivo contingente islamista sunita, Meshaal deixou Damasco e se radicou no Qatar. Atualmente, Meshaal possui fortes laços políticos com o presidente do Egito, Mohamed Mursi, e com o Emir do Qatar, o Sheik Hamad bin Khalifa al-Thani.


Ismail Haniyeh


Ismail Haniyeh foi indicado Primeiro-Ministro da Autoridade Palestina quando o Hamas obteve a maioria dos assentos do Conselho Nacional Palestino em 2006.
Nascido em 1962 no campo de refugiados de Shati', na Faixa de Gaza, sua família foi expulsa de um vilarejo próximo à cidade de Askhelon em 1948. Ascendeu politicamente no Hamas ao longo do período em que foi chefe de gabinete do Sheik Ahmed Yassin. Estudou Literatura Árabe na Universidade Islâmica de Gaza, onde se aproximou de grupos islamistas. Graduou-se em 1987 e se juntou às manifestações ocorridas na Primeira Intifada. Foi preso, mas liberado logo em seguida. Tendo ficado exilado no Sul do Líbano, retornou à Faixa de Gaza em 1993, quando assumiu o cargo de decano da Universidade Islâmica de Gaza.
Haniyeh faz parte do bloco moderado do Hamas. Em diversas ocasiões, se apresentou como mediador entre a liderança do Hamas e outros grupos políticos palestinos. Contrariando as determinações oficiais do Hamas, se candidatou a parlamentar nas eleições de 1996, mas, pressionado, teve de renunciar à sua candidatura. Haniyeh, inclusive, chegou a expressar tacitamente a possibilidade de negociações de longo prazo com Israel.


Mahmoud al-Zahar



Mahmoud al-Zahar é um dos principais líderes e ideólogos do Hamas na Faixa de Gaza. Nasceu em 1945, em Zeitun, na Faixa de Gaza, de pai palestino e mãe egípcia. Formou-se em Medicina na Universidade Ein Shams, no Cairo, onde estudou por mais cinco anos para tornar-se cirurgião. Atualmente, trabalha como professor de Medicina na Universidade Islâmica de Gaza.
Zahar faz parte do bloco radical do Hamas, alegando que os palestinos têm o "direito de resistir", inclusive "por meio das armas". Foi um dos fundadores de Hamas, sendo muito próximo ao Sheik Ahmed Yassin. Fez parte da chamada "liderança coletiva" que assumiu a administração do Hamas após o assassinato de Yassin e de Abdel Aiz al-Rantissi. Embora tenha, inicialmente, demonstrado moderação, tornou-se radical após a morte de Rantissi e Yassin.
Foi deportado por Israel, junto com mais 400 palestinos, para o Sul do Líbano em 1992. Retornou para a Faixa de Gaza em 1993 e foi preso algumas vezes. Sobreviveu a uma tentativa de assassinato israelense em 2003, mas seu filho morreu no ataque. Após a vitória eleitoral do Hamas, em 2006, foi indicado ao cargo de Ministério das Relações Exteriores da Autoridade Palestina.


Moussa Abu Marzuk


Moussa Abu Marzuk é membro da cúpula política do Hamas. Nascido em 1951 em Rafah, na Faixa de Gaza, seus pais eram refugiados que haviam sido expulsos de Yebna (hoje a cidade israelense de Yavne). Em 1976, graduou-se em Engenharia Mecânica pela Universidade Ein Shams, no Cairo. Após isso, mudou-se para os Emirados Árabes Unidos, onde trabalhou como diretor industrial. Em 1981, Marzuk mudou-se para os Estados Unidos, onde obteve PhD em Engenharia Industrial. Em território norte-americano, tornou-se um importante líder do Hamas, por ter presidido diversas organizações islâmicas. Foi o líder político do Hamas até 1997, quando foi preso em Nova York. Khaled Meshaal assumiu o cargo em seu lugar.
Marzuk faz parte da tendência radical do Hamas e, em diversas ocasiões, defendeu um governo palestino em todo o território do antigo Mandato Britânico, o que significa extinguir o Estado de Israel. Além disso, Marzuk defende que o Hamas não assine qualquer tratado de paz nem reconheça o Estado de Israel. Porém, diz que sua hostilidade não é dirigida contra os judeus, mas contra os "judeus que nos expulsaram de casa".


Líderes do Hamas assassinados por Israel


Sheik Ahmed Yassin


Ahmed Yassin foi um dos fundadores do Hamas. Nasceu em 1938 no Mandato Britânico da Palestina, na localidade de al-Jura, vilarejo próximo à cidade de Askhelon. Por conta de um acidente de infância, Yassin ficou tetraplégico. Dedicou-se aos estudos islâmicos na Universidade al-Azhar, no Cairo, onde teve contatos com a Irmandade Muçulmana. Durante grande parte do século XX, teve ampla participação no estabelecimento da Irmandade Muçulmana na Palestina.
Um dos mais importantes líderes políticos do Hamas, Yassin era também o líder espiritual da organização. Mobilizando elementos islâmicos em discursos e atitudes políticas, inspirou milhares de palestinos desiludidos com o secularismo da OLP. Sendo um dos mais ardorosos defensores da causa palestina e diante da sua fragilidade física, tornou-se um símbolo da luta palestina por um Estado. Yassin era defensor da jihad contra Israel, e negava-se a um acordo de paz com os israelenses.
Por conta de sua imensa popularidade, Israel tentou assassiná-lo algumas vezes. Em setembro de 2004, em um ataque aéreo, Israel conseguiu seu intento.


Abdel Aziz al-Rantissi


Abdel Aziz al-Rantissi era médico pediatra, chefe do setor de pediatria do Hospital de Khan Yunes e professor universitário na Universidade Islâmica de Gaza. Nasceu em 1948, em um vilarejo nas proximidades da cidade de Jaffa, mas sua família se assentou em um campo de refugiados na Faixa de Gaza em meio à Primeira Guerra Árabe-Israelense (1948-49). Estudou medicina no Egito por nove anos. Em 1976, voltou para a Faixa de Gaza, onde se juntou à Irmandade Muçulmana da Palestina.
Rantissi foi um dos co-fundadores do Hamas, junto a Ahmed Yassin e compartilhava com este um grande prestígio político e espiritual. Era um dos líderes mais radicais do Hamas e seus discursos continham veementes ataques verbais ao "inimigo sionista". Em várias declarações, dizia que toda a Palestina que havia sido parte do Mandato Britânico deveria ser "libertada".
Foi exilado no Líbano em 1992, junto com outros cerca de 400 militantes islamistas, onde se tornou conhecido mundialmente. Retornou à Faixa de Gaza em 1993 e condenou com contundência os Acordos de Oslo entre Yasser Arafat e Yitzhak Rabin.
Sendo um dos principais líderes do Hamas, Israel planejou eliminá-lo. Em abril de 2004, um míssil lançado por um helicóptero Apache da Força Aérea de Israel assassinou Rantissi em seu carro, na Faixa de Gaza.


Ahmed al-Jaabari


Ahmed al-Jaabari era o líder militar das Brigadas Izz ad-Din al-Qassam desde 2010. Nascido em 1960, na localidade de Shujaiya, subúrbio da Cidade de Gaza, Jaabari era um dos homens mais poderosos no Hamas. Formado em História pela Universidade Islâmica do Cairo, foi preso em 1982, por participar de atividades do Fatah. Porém, na prisão, se aproximou dos líderes do Hamas e decidiu-se unir à organização.
Após ser libertado, em 1995, ingressou na ala armada do Hamas e, segundo acusações, teve papel relevante em ataques terroristas cometidos no final da década de 1990 e durante a Segunda Intifada. A partir de 2005, já possuía grande proeminência nas Brigadas Izz ad-Din al-Qassam. Segundo algumas fontes, foi um dos responsáveis pela tomada do controle da Faixa de Gaza, em 2007. Foi um dos grandes articuladores do acordo com Israel para a libertação do soldado israelense Gilad Shalit.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

O que está acontecendo na Faixa de Gaza?

Entre 14 e 21 de novembro de 2012, a aviação israelense bombardeou pesadamente alvos na Faixa de Gaza, causando destruição e morte entre civis palestinos. Em resposta, grupos palestinos revidaram, lançando foguetes contra o território de Israel. Mas, afinal, quais são as razões de mais esse confronto entre israelenses e palestinos?


A ofensiva israelense foi mais um capítulo do longo conflito Israel-Palestina. O objetivo declarado do governo de Israel era destruir estruturas militares do Hamas na Faixa de Gaza.
O Hamas controla a Faixa de Gaza desde que expulsou a Autoridade Nacional Palestina do território em 2007 (há um conflito entre a Autoridade Palestina, presidida por Mahmoud Abbas, do partido Fatah, e o Hamas - ver "O que é a Questão da Palestina, parte 3"). Desde então, frequentemente, a ala militar do Hamas, a Brigada Izz ad-Din al-Qassam, lança foguetes contra o território de Israel, que responde com ataques da Força Aérea. Durante esses cerca de 5 anos, o Hamas tem oscilado entre lançar foguetes e agir politicamente, com o objetivo de obter apoio à sua causa perante governos árabes ou muçulmanos. Além do Hamas, outros grupos atuantes na Faixa de Gaza lançam foguetes contra Israel, como a Jihad Islâmica, as Brigadas dos Mártires de al-Aqsa e os Comitês de Resistência Popular.
Para evitar que tais ataques aconteçam, Israel desencadeou a operação denominada "Pilar de Defesa".
Porém, ambos os lados acusaram-se mutuamente por ter começado os confrontos. Israel acusou o Hamas de ataques contra um veículo militar e por atacar soldados na fronteira no início de novembro. Já o Hamas culpou Israel, que assassinou um rapaz com problemas mentais em 5 de novembro e já havia cometido outros ataques em outubro, isto é, antes dos ataques palestinos.
Contudo, o que provocou a escalada de violência foi o assassinato de Ahmed al-Jaabari, líder militar do Hamas, em 14 de novembro, por um avião israelense. Somente após esse ato é que o Hamas e a Jihad Islâmica lançaram a mais pesada carga de foguetes contra  o território de Israel.
Houve uma novidade considerável nesta confrontação: os foguetes lançados pelo Hamas atingiram distâncias maiores do que em confrontos anteriores. Até então, os foguetes disparados da Faixa de Gaza eram de origem artesanal, atingindo, no máximo, 30 quilômetros. Porém, desta vez, os foguetes utilizados foram mais potentes e o Hamas, inclusive, utilizou mísseis Fajr-5, de fabricação iraniana, que têm condições de atingirem grandes distâncias. Munidos dessas novas armas, o Hamas conseguiu lançar foguetes que atingiram Tel Aviv e Jerusalém. Tais ataques não causaram mortes, mas o efeito psicológico foi tremendo.



No entanto, para além dessas escaramuças militares, muito mais estava em jogo na ofensiva israelense e nos ataques de foguetes do Hamas. 
É importante salientar que, no lado israelense, havia uma clara conotação eleitoral nessa operação. Em janeiro de 2013, ocorrerão eleições em Israel e o atual Primeiro Ministro, candidato à reeleição, Benjamin Netanyahu, queria demonstrar para seus eleitores que tem capacidade de enfrentar os "terroristas". É interessante notar que nas últimas três eleições, Israel realizou operações militares contra seus inimigos: em 2006, o ex-Primeiro Ministro Ehud Olmert (do partido Kadima) lançou ataques contra o Líbano, com o objetivo de destruir o Hizbollah, em que morreram cerca de 1.000 libaneses, dentre eles 7 brasileiros; em 2008-09, Olmert atacou o próprio Hamas, na operação "Chumbo Derretido", que causou a morte de mais de 1.400 palestinos; e nesta última, tendo à frente Netanyahu (do partido Likud), os ataques israelenses causaram 163 mortes de palestinos (6 israelenses morreram). Assim, fica claro que os diferentes partidos políticos disputam para ver quem é mais "duro" contra os "terroristas".
Além disso, Netanyahu quis, com essa operação, tirar o foco dos movimentos diplomáticos do Presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas. Abbas anunciou que no final de novembro irá apresentar às Nações Unidas um pedido de aceitação da Palestina como Estado Observador Não-Membro, mesma categoria do Vaticano. Abbas avalia que já pode contar com o voto da maioria dos Estados Membros da Assembleia Geral. Se a iniciativa de Abbas for vitoriosa, os palestinos poderão ingressar em vários órgãos internacionais, dentre os quais o Tribunal Penal Internacional. Isso causaria um grande revés para Israel, que não teria mais as mãos livres para realizar ataques contra a Faixa de Gaza.
Por outro lado, ao lançar ataques contra Israel, o Hamas tinha o objetivo de se manter como protagonista no conflito contra os israelenses. Vale notar que a grande popularidade do Hamas entre alguns setores da sociedade palestina advém de uma percepção de que os movimentos diplomáticos de Mahmoud Abbas são inúteis. Entre muitos palestinos, há um desânimo quanto às soluções políticas, já que a Autoridade Palestina tenta negociar com Israel, mas o atual governo continua construindo assentamentos na Cisjordânia e se recusa a aliviar o bloqueio à Faixa de Gaza, que depende de produtos de fora para necessidades básicas (com o bloqueio israelense, a situação humanitária na Faixa de Gaza é extremamente precária).
Assim, esse movimento militar do Hamas foi também uma ofensiva contra a via diplomática de Mahmoud Abbas. Se Abbas conseguir ter sucesso em sua iniciativa na ONU, será um revés político para o Hamas.

Atualização de 1° de dezembro de 2012
Porém, de forma surpreendente, contrariando sua postura precedente, líderes do Hamas manifestaram apoio à proposta levada à ONU por Mahmoud Abbas. Tudo indica que o Hamas, ciente de que tal proposta era popular entre os palestinos e de que a aprovação era certa, teve de rever sua linha política e decidiu mudar sua posição.


No meio do fogo cruzado, milhares de civis palestinos ficaram expostos a serem mortos em suas atividades simples, como ir ao mercado, à escola ou ao trabalho. E mesmo em casa não estavam seguros - um prédio residencial foi atingido em 18 de novembro, onde morreram 12 civis. Por outro lado, milhares de israelenses ficaram à mercê dos foguetes lançados da Faixa de Gaza e ao ouvirem as sirenes precisaram buscar refúgio em abrigos subterrâneos.
Em 21 de novembro de 2012, às 21 horas, no horário local (17h em Brasília), após intensas discussões diplomáticas, iniciou-se o cessar-fogo. 163 palestinos e 6 israelenses perderam a vida em 8 dias de confrontos. Contudo, há uma contínua tensão na fronteira. No dia 22, Israel matou um palestino que se aproximou da cerca que separa a Faixa de Gaza e Israel. Um dos líderes do Hamas protestou, mas manteve o cessar-fogo.
Porém, ainda temos de esperar os próximos dias para ver se o cessar-fogo, de fato, será respeitado.

Ver também:
Quem é o Hamas?
O que é a Questão Palestina? 3ª parte: Dos acordos de Oslo ao impasse atual (1993-2012)
O que é a Questão Palestina? 2ª parte: Da fundação de Israel aos Acordos de Oslo (1948-1993)
O que é a Questão Palestina? 1ª parte: 1ª parte (1882-1948)

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Quem é Moaz al-Khatib?

Atualizado em 24 de março de 2013

Quem é o líder da nova organização que busca unificar a oposição na Síria? E o que representa esse novo movimento por parte dos oposicionistas?

Em 11 de novembro de 2012, os diversos grupos oposicionistas sírios se reuniram em Doha, no Qatar, com o objetivo de unificar a oposição a Bashar al-Asad. O homem escolhido para liderar a nova organização foi o imã Moaz al-Khatib.



Ahmed Moaz al-Khatib nasceu em 1960 em uma família sunita de Damasco. Geólogo de formação, é um religioso altamente respeitado. Foi imã da grande mesquita dos Omíadas.  Participante ativo do movimento anti-Asad, manifestou-se nas mesquitas em diversas ocasiões, o que lhe rendeu algumas prisões.
Por ser um líder religioso, levantou dúvidas sobre a prudência de ser indicado a presidir o bloco oposicionista unificado. Porém, é um político moderado, cujos pronunciamentos enfatizam a necessidade de direitos para todos os sírios, independente de afiliação religiosa. A maior parte dos oposicionistas vê Moaz al-Khatib com bons olhos, por ser um homem capaz de conciliar visões antagônicas entre a oposição.
No entanto, uma outra fonte de dúvidas é se a Coalizão da Oposição Síria representa efetivamente todos os grupos oposicionistas. Sendo formado por um aglomerado de grupos, organizações e indivíduos, a oposição síria, durante boa parte do movimento anti-governamental, tem permanecido dividida em seus objetivos, projetos políticos e estratégias. Contudo, os articuladores da unificação afirmam que, se por um lado, a Coalizão não aglutinará todos os grupos, por outro, contará com a participação dos grupos mais importantes e mais numerosos.
Pelo caráter moderado do novo líder, os extremistas islâmicos, tanto os locais quanto os estrangeiros, não se unirão à organização e permanecerão, muito provavelmente, seguindo seus próprios desígnios e utilizando as mesmas táticas.

Ahmed Moaz al-Khatib renunciou em 24 de março de 2013, se dizendo frustrado pela falta de progresso na ajuda internacional e acusando certos grupos de quererem tomar para si a revolução, pensando apenas em seus interesses particulares.

Ver também: