Diariamente, somos bombardeados por informações vindas de todos os lados. Recebemos notícias, indicadores, análises, e prognósticos que chegam dos cinco continentes. Apesar da enormidade de informações, quase sempre nos vemos incapazes de compreender o que ocorre. Este blog pretende ser uma contribuição para entender esse mundo complexo. É claro, não tem a pretensão de ser um oráculo, que dê conta de tudo o que ocorre no mundo, mas uma busca incessante de entender o que acontece à nossa volta.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

10 anos da Guerra do Iraque - 1ª parte

História do Iraque (1920-2003)

No dia 20 de março de 2003, os Estados Unidos invadiram o Iraque para derrubar o regime de Saddam Hussein. Em uma ação avassaladora, fruto de uma enorme disparidade militar e tecnológica, a vitória nos campos de batalha foi alcançada rapidamente. No dia 1º de maio, pouco mais de 1 mês do início das operações, a missão de derrubar o regime estava completa.
Agora, dez anos após o início das operações militares, cabe relembrar alguns importantes aspectos dessa guerra.



A invasão do Iraque fez parte da chamada "Guerra ao Terror", declarada pelo ex-presidente norte-americano George W. Bush (2001-2009), como resposta aos atentados de 11 de setembro de 2001, cometidos pela rede terrorista Al-Qaeda. O primeiro alvo da guerra fora o Afeganistão, onde os Estados Unidos lideraram uma coalizão para derrubar o governo dos talibãs, grupo radical que segue uma interpretação extremista do Islã e impunha à população afegã um conjunto de implacáveis prescrições de comportamento na vida cotidiana. O Afeganistão foi o primeiro país a ser invadido com base na Guerra ao Terror, no final de 2001, por ser o local onde estava abrigada a Al-Qaeda. 
Contudo, o Iraque foi invadido por outros motivos. Embora tenha afirmado inicialmente que havia conexões entre Saddam Hussein e a Al-Qaeda, o governo dos Estados Unidos alegava principalmente que Saddam Hussein era um risco à segurança internacional, por conta da suposta existência de armas de destruição em massa. Além disso, os Estados Unidos empreenderam essa ação militar afirmando que o objetivo era reconfigurar politicamente o Iraque, instalando a democracia no país.
Muitos esperavam que, uma vez instalada, a democracia colocaria o Iraque no caminho do desenvolvimento econômico e social e que o país passaria a ser um ator internacional responsável e parte do esforço internacional para se obter a segurança regional no Oriente Médio.
Contudo, nesses dez anos, o Iraque viveu crises intermináveis e continua a ser um país extremamente instável. Isso tem diversas causas, como a superficialidade da implantação de um regime parlamentar por atores externos, a complexidade étnica e religiosa do país e a própria história do Iraque.


A região que hoje é o Iraque fez parte do Império Turco-Otomano entre 1534 e a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). A região era conhecida como Mesopotâmia (nome de origem grega que significa "Entre rios", pois a principal parte da região ficava entre os rios Tigre e Eufrates). Com a dissolução do Império Otomano após a Primeira Guerra, a Mesopotâmia foi administrada pela Grã-Bretanha, sob um sistema de Mandato conferido pela Liga das Nações. Porém o país tinha um rei. Os britânicos instalaram no trono do Iraque o Príncipe Faisal, que fora aliado da Grã-Bretanha durante a Primeira Guerra. Os britânicos haviam prometido independência aos árabes se estes lutassem contra os otomanos. No entanto, França e Grã-Bretanha assinaram o acordo Sykes-Picot, em 1916, dividindo o Oriente Médio entre si. Assim, as fronteiras do Iraque foram delineadas no pós-guerra de forma totalmente artificial, seguindo os interesses britânicos e franceses no Oriente Médio.
O Iraque (nome da região em árabe) foi fundado oficialmente em 1920 pela Grã-Bretanha, reunindo as províncias de Mossul, Bagdá e Basra. Em 1932, o país se tornou independente sob um regime monárquico. Desde então, o país tem em seu interior uma situação explosiva. Reúne dentro da mesma fronteira grupos étnicos e religiosos adversários: ao norte, há os curdos*, ao sul, estão os xiitas**; e no centro do país, está a maior concentração de sunitas**. O conflito entre essas comunidades nunca foi resolvido satisfatoriamente e até hoje causa violência no país, como veremos mais adiante.
Após a independência, os britânicos continuaram a exercer grande influência no país, devido a um acordo assinado e 1930, que firmava uma aliança militar entre as duas partes. Posteriormente, na década de 1950, foi fundado o Pacto de Bagdá, uma aliança militar ainda mais proeminente, que contava com grande influência britânica. O objetivo do pacto era conter a expansão do comunismo pelo Oriente Médio. Além disso, a Grã-Bretanha contava com importantes concessões de petróleo, explorada sprincipalmente pela empresa Iraq Petroleum Company - IPC.
Para muitos iraquianos, a relação entre Iraque e Grã-Bretanha era um colonialismo disfarçado. Muitos políticos, militares, intelectuais e líderes populares reagiram à essa situação em diversas situações. Na década de 1930 e 1940, houve várias tentativas de golpe de Estado no país, levadas adiante por militares descontentes que tinham como meta derrubar um regime que consideravam fraco e subserviente aos interesses britânicos. Contudo, todas essas tentativas falharam.
No entanto, em 1958, a monarquia foi derrubada por um grupo de militares que se intitulava "Organização dos Oficiais Livres" (mesmo nome do grupo que derrubara a monarquia do Egito em 1952). Além das questões propriamente iraquianas - a influência britânica no país e problemas fronteiriços com o Kuwait - o novo regime prometia a luta incansável contra Israel.
Em 1968, um novo golpe instalou o partido Ba'ath no poder. O Ba'ath (Renascimento), cujo nome completo era "Partido Socialista Árabe para o Renascimento", tinha como fundamentos ideológicos o combate ao colonialismo, a inspiração em valores islâmicos sunitas (embora fosse marcadamente secular), a centralização política e o pan-arabismo.
Ao longo da década de 1970, Saddam Hussein ganhou proeminência no interior do partido Ba'ath e em 1979, assumiu a presidência do Iraque. A partir de então, Saddam passou a controlar a população de forma autoritária, adotando uma postura extremamente repressiva contra seus opositores e realizando massacres cruéis contra curdos e xiitas.
No mesmo ano que Saddam ascendeu ao poder, uma revolução depôs a monarquia no Irã. Clérigos muçulmanos xiitas assumiram o controle do país e criaram a República Islâmica do Irã (Ver Programa nuclear do Irã). Um ano depois, Irã e Iraque estavam em guerra. A causa imediata do confronto foram contendas fronteiriças, mas os principais motivos da guerra foram a disputa por uma proeminência de poder na região e a diferença de fundamentos políticos dos dois Estados - o Iraque um regime secular e pan-árabe e o Irã um regime islâmico e aferrado às tradições persas.
Durante a Guerra Irã-Iraque (1980-1988), os Estados Unidos apoiaram Saddam Hussein. Para os norte-americanos, o Iraque, governado por um regime secular, era um aliado estratégico contra a expansão da revolução islâmica pelo Oriente Médio, que poderia atingir seus principais aliados - Israel e Arábia Saudita. Os Estados Unidos pressionaram intensamente o Irã a aceitar um cessar-fogo, o que foi negado. No entanto, quando cargueiros repletos de petróleo foram afundados no Golfo Pérsico, o que desequilibrou os preços do petróleo e atingiu em cheio os interesses econômicos norte-americanos, Washington decidiu agir. Um cruzador norte-americano derrubou um avião iraniano com 290 passageiros a bordo, forçando o Irã a aceitar os termos de cessar-fogo. O apoio ao Iraque era tão sólido que o governo norte-americano fechou os olhos para o ataque com armas químicas perpetrado por Saddam Hussein contra os curdos, em março de 1988, na cidade de Halabja, no norte do país.
Após o fim da guerra contra os iranianos, o Iraque passou a ser a mais importante potência regional, depois de Israel, o que deu a Saddam Hussein motivos para se sentir extremamente fortalecido.

Apesar de empregar uma retórica anti-israelense inflamada e as tensões entre Iraque e Israel fossem constantemente tensas (em 1981, Israel destruiu um reator nuclear em uma usina próxima a Bagdá), o Iraque se constituiu como um importante aliado regional para os norte-americanos contra a ameaça iraniana. Porém, na década de 1990, o Iraque deixaria de ser um aliado para se tornar um dos mais ferrenhos adversários dos Estados Unidos no Oriente Médio, quando o Iraque invadiu o Kuwait.
As reivindicações iraquianas ao território kuwaitiano não eram novas. Em 1961, quando a Grã-Bretanha concedeu independência ao Kuwait, líderes iraquianos já haviam se manifestado afirmando que o território era parte do Iraque e ameaçaram invadir o pequeno país. No entanto, os britânicos estacionaram tropas ao longo da fronteira kuwaitiana e os iraquianos desistiram.
Após o fim da Guerra contra o Irã, o Iraque estava extremamente endividado e as monarquias petrolíferas do Golfo lhe recusavam empréstimos - um dos principais credores do Iraque era exatamente o Kuwait. Para remediar sua situação, Saddam desejava negociar com o governo kuwaitiano a anistia de uma parte da dívida. Além disso, Saddam defendia no âmbito da OPEP - Organização dos Países Produtores de Petróleo - que os níveis de produção petrolíferas permanecessem rebaixados no Oriente Médio para que o preço do produto continuasse elevado. O Kuwait era contrário a essa postura. Ao contrário, defendia a expansão de 50% da produção petrolífera. Diante dessas divergências, a hostilidade entre os dois países se acentuou. A causa imediata da invasão foi a alegação do Iraque de que o Kuwait havia violado as fronteiras iraquianas e estava roubando petróleo de uma refinaria próxima à linha divisória entre os dois países.
Em 2 de agosto de 1990, o Iraque invadiu o Kuwait com 100 mil soldados e 700 tanques. Rapidamente,  as forças iraquianas dominaram completamente o pequeno país. Derrotada, a família real kuwaitiana se refugiou na Arábia Saudita.
Prontamente, a comunidade internacional se manifestou contra a invasão. O Conselho de Segurança da ONU emitiu uma resolução, que não fora vetada pela União Soviética, determinando a imediata retirada iraquiana.
Em 15 de janeiro de 1991, iniciou-se a Guerra do Golfo (agora chamada por alguns de "Primeira Guerra do Golfo"). Uma coalizão liderada pelos Estados Unidos iniciou a operação "Tempestade no Deserto", promovendo ataques aéreos a alvos iraquianos. Saddam respondeu queimando os poços de petróleo no Kuwait e lançando mísseis contra os aliados norte-americanos na região, especialmente contra Israel. Porém, no fim, Saddam foi forçado a recuar e se retirou do Kuwait.

Poços de petróleo incendiados pelos iraquianos no Kuwait

No entanto, o conflito não terminou. Saddam continuou no poder, pois o presidente norte-americano de então, George H. Bush (1989-1993), se recusou a marchar até Bagdá e derrubar o regime Ba'ath. No restante da década de 1990, o Iraque foi exposto a severas sanções econômicas, que empobreceram o país fortemente. Um alívio a essa situação foi a criação, em 1995, do programa "Petróleo-por-Alimento", patrocinado pela ONU, em que o Iraque poderia vender petróleo e, em troca, adquirir alimentos, medicamentos e outros produtos para necessidades humanitárias (programa que, posteriormente, seria alvo de um escândalo de corrupção).
A hostilidade entre Estados Unidos e o Iraque de Saddam Hussein permaneceram agudas desde o fim da Guerra do Golfo. Os atentados de 11 de setembro de 2001 adicionaram um componente central para uma mudança de rumo nas relações entre os dois países.

Ver também:
Notas

* Os curdos são um povo etnicamente distinto dos árabes, que habitam uma região que engloba o norte do Iraque, nordeste da Síria, o leste da Turquia e regiões montanhosas no oeste do Irã - foram deixados sem Estado nas conferências pós-Primeira Guerra Mundial e até hoje lutam por estabelecer um Estado próprio nessa região, que muitos chamam de "Curdistão".

** A divisão entre xiitas e sunitas teve origem nos primórdios do Islã, após a morte do Profeta Maomé. A rivalidade se iniciou de um racha entre aqueles que acreditavam que o sucessor de Maomé deveria ser um membro de sua família, e que apoiavam Ali, genro e primo de Maomé (os xiitas) e aqueles que entendiam que qualquer um que seguisse os corretos preceitos do Islã poderia ser sucessor do Profeta (os sunitas).

Nenhum comentário:

Postar um comentário

AVISO: Comentários somente serão aceitos se dedicados a discutir o tema em pauta. Críticas serão muito bem-vindas. Porém, não serão divulgados comentários com conteúdo preconceituoso, seja qual for, nem que violem a legislação.