Diariamente, somos bombardeados por informações vindas de todos os lados. Recebemos notícias, indicadores, análises, e prognósticos que chegam dos cinco continentes. Apesar da enormidade de informações, quase sempre nos vemos incapazes de compreender o que ocorre. Este blog pretende ser uma contribuição para entender esse mundo complexo. É claro, não tem a pretensão de ser um oráculo, que dê conta de tudo o que ocorre no mundo, mas uma busca incessante de entender o que acontece à nossa volta.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

O que está acontecendo no Quênia?

Há alguns dias, vimos imagens chocantes vindas de um hotel de luxo em Nairóbi, capital do Quênia. Os números até o momento indicam que há 72 mortos e centenas de feridos. O governo anunciou que o número de vítimas pode subir, pois ainda há buscas no interior do hotel. O grupo que reivindicou o ato terrorista é a organização Ash-Shabab.
Mas o que exatamente está acontecendo no Quênia? Quem é o Ash-Shabab?


O ato terrorista no hotel Westgate, em Nairóbi, Quênia, está relacionado a vários aspectos da realidade política da região: o crescimento de grupos extremistas no norte e no centro da África, a situação precária dos Estados e as relações políticas entre os países do Chifre da África. O ato terrorista foi cometido pelo grupo Ash-Shabab alegando ser uma represália à intervenção do Quênia na Somália.

O Ash-Shabab (A Juventude) é um grupo extremista somali ligado à Al-Qaeda. Os líderes do Ash-Shabab iniciaram suas atividades em meio a grupos extremistas em atuação na Somália na década de 1990, dentre eles o Al-Ittihad Al-Islamyy (União Islâmica - UI). A UI se dividiu em 2003, entre um bloco que queria fazer a transição para a arena política e aqueles que queriam se manter na luta armada. Estes últimos criaram a União das Cortes Islâmicas - UCI. O Ash-Shabab surgiu em 2006 como ala "jovem" do UCI e como braço armado.

A Somália passa por uma guerra civil desde os anos 1980. Em 1991, o presidente, General Mohammed Siad Barre foi deposto por grupos rebeldes. Desde então, a violência se disseminou pelo país, que é considerado por muitos analistas e membros da comunidade internacional como um "Estado falido", isto é, não possui soberania dentro de suas fronteiras.
O território da Somália a partir desse período passou a ficar fragmentado entre diferentes grupos e desde então se multiplicaram os grupos extremistas islâmicos.
Atualmente, o norte do país tem estado relativamente calmo, sob o poder da auto-proclamada "República da Somalilândia". Porém, outras partes do país permanecem em estado de violência e ausência de leis. Alguns nacos de território estão em poder de grupos criminosos, que praticam sequestros de estrangeiros e atos de pirataria. Foi nesse ambiente de falta de instituições estatais que o Ash-Shabab obteve a liberdade necessária para suas atividades. O grupo praticava atos de terrorismo  não só na Somália, mas também na Etiópia, em Uganda e no Quênia.
O Ash-Shabab chegou a controlar partes do território do sul da Somália, incluindo a capital, Mogadíscio. Os líderes do grupo aplicavam uma versão extrema da Shari'a (conjunto de preceitos legais islâmicos) nos territórios sob seu controle. O grupo segue a versão wahabbista* do Islã, enquanto a maioria dos habitantes da Somália é sufista**. Em 2011, o grupo foi expulso da capital. Porém, o Ash-Shabab ainda possui domínio de territórios em algumas áreas rurais.
Não só a situação na Somália tem influência sobre a possibilidade de atuação do Ash-Shabab. O grupo também está inserido em um contexto de crescimento da atuação de grupos extremistas islâmicos no norte da África e na região do Sahara. Eventos recentes na Argélia, Mali e Nigéria demonstram esse fato.
Além disso, o Ash-Shabab conta com o apoio da Eritréia, embora o governo desse país negue que forneça armas para o grupo.
Foi nesse contexto que forças militares do Quênia intervieram no sul da Somália em 2011, como parte de um esforço conjunto de países da região. O objetivo era expulsar o Ash-Shabab de localidades estratégicas, especialmente no litoral, de onde eram lançadas operações de pirataria no Oceano Índico. Atualmente, há cerca de 4 mil soldados quenianos na Somália.
O Ash-Shabab realizou ataques contra o governo do Quênia desde então. Porém, a invasão do shopping foi o maior de todos os atos do grupo contra o Quênia.

* Wahabismo - ideário muçulmano sunita criado a partir da atividade de Mohammed Ibn Abdel Wahab (1703-1792) que pregava a volta às raízes do Islã contra o que ele considerava as "inovações" ilegítimas na vida dos povos muçulmanos, que representavam, no período, costumes e ideias europeias.

** Sufismo - tendência religiosa muçulmana que prega a união dos fieis com Allah para chegar à verdade divina. É considerado como o "misticismo islâmico". O sufismo não é uma seita no Islã, mas uma dimensão de crenças e práticas encontradas tanto no Islã sunita quanto no Islã xiita.

Ver Também:
O que está acontecendo na Argélia?
O que está acontecendo no Mali?