Diariamente, somos bombardeados por informações vindas de todos os lados. Recebemos notícias, indicadores, análises, e prognósticos que chegam dos cinco continentes. Apesar da enormidade de informações, quase sempre nos vemos incapazes de compreender o que ocorre. Este blog pretende ser uma contribuição para entender esse mundo complexo. É claro, não tem a pretensão de ser um oráculo, que dê conta de tudo o que ocorre no mundo, mas uma busca incessante de entender o que acontece à nossa volta.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

O que está acontecendo na Argélia?

Atualizado em 21 de janeiro de 2013, 10:20h (Brasília)

Na manhã do dia 16 de janeiro, grupos extremistas islâmicos invadiram uma usina de extração de gás  natural na localidade de In Amenas, no Leste da Argélia, tomando centenas de trabalhadores como reféns. O governo argelino ordenou uma ação militar para retomar a usina, que causou a morte de sequestradores e reféns. A situação tornou-se bastante difícil e temia-se um desfecho trágico.
Mas, exatamente, o que está acontecendo na Argélia?




Na verdade, inicialmente, foi extremamente difícil saber com precisão o que ocorria no interior do complexo. As informações eram desencontradas e as notícias contraditórias.
Após dias de informações desencontradas na imprensa internacional, foram apontados dois grupos, ambos manifestando ligação com a rede terrorista Al-Qaeda, como prováveis responsáveis.
As primeiras informações apontavam para o grupo que se denomina "Al-Qaeda no Maghreb Islâmico" (AQMI). Segundo as primeiras notícias, o grupo havia assumido o ataque e declarado que sua ação foi uma retaliação à ação francesa no Mali (Ver O que está acontecendo no Mali?).
Posteriormente, outro grupo foi apontado como responsável: os "Batalhões que Assinam com Sangue", grupo liderado por Mokhtar Belmokhtar, um extremista que lutou contra os soviéticos no Afeganistão na década de 1980. Também chamado de "Mestre de um olho só" (por ter perdido um olho em uma de suas várias batalhas) ou "Senhor Marlboro" (por ser um dos grandes chefes do tráfico de cigarros pelo Deserto do Saara), Belmokhtar já havia realizado sequestros de estrangeiros anteriormente. Após passar vários anos no exterior, retornou à Argélia em 1992. Foi um dos líderes do AQMI nos últimos anos, mas rompeu com esse grupo em 2012 por divergências referentes às operações no Mali. Apesar disso, afirma que se mantém seguidor do ideário da Al-Qaeda.
Agora, após o desfecho do episódio, foi confirmado que foi essa organização a responsável pela invasão, após Belmokhtar divulgar uma declaração afirmando a autoria.

A invasão em In Amenas é mais um episódio da escalada de violência no Norte da África, que há anos vem sofrendo com a ação de extremistas islâmicos.
Muitos analistas apontaram inicialmente para o AQMI porque este é o principal grupo islamista  em atuação na região. O grupo possui grande poder de fogo; estima-se que seus seguidores estejam entre 600 e 800 homens, dispersos pela região do Sahel e do Saara; e o grupo tem conseguido realizar ataques sem que forças governamentais o contenham. Na verdade, o grupo tem se beneficiado da fraca presença do Estado na região. Por conta disso, o grupo conseguiu fontes de financiamento por meio de sequestros de estrangeiros, contrabando de cigarros e de narcóticos. Além disso, integrantes do AQMI adquiram armas na Líbia durante a guerra civil para a derrubada de Muammar al-Qadafi.

A proliferação de agrupamentos extremistas islâmicos na Argélia remonta à guerra civil na década de 1990,  quando grupos islamistas adotaram a luta armada contra o governo secular argelino.
Os problemas começaram quando o governo cancelou o segundo turno das eleições parlamentares de 1992, em que uma vitória da coalizão de partidos islamistas do país era dada como certa.
Dessa forma, os grupos islamistas, que até então buscavam se integrar ao processo político, se radicalizaram e adotaram a ação armada contra o governo. O primeiro grupo extremista surgido nesse contexto foi o "Grupo Armado Islâmico" (GAI). Os militantes do GAI eram conhecidos por seus métodos extremamente violentos, atacando alvos governamentais e civis. Devido à brutalidade de suas ações, gradativamente perdeu legitimidade. Em 1998, um grupo de militantes rompeu com a liderança do GAI e formou o "Grupo Salafista para a Pregação e o Combate" (GSPC).
Rapidamente, o GSPC tornou-se bastante popular, ao se apresentar como uma fonte de oposição eficaz ao governo (que, por sua vez, usava métodos violentos contra os opositores), ao mesmo tempo em que não cometia ataques indiscriminados contra civis.
Porém, em 1999, o governo concedeu anistia a esse grupo e a outros grupos islamistas menores. A intensidade da luta arrefeceu, bem como os números de militantes do GSPC.
O GAI (grupo de onde saiu o GSPC) se recusou a aceitar a anistia e continuou sua luta contra o governo, declarando que seu objetivo era a construção de um estado islâmico na Argélia.
Paralelamente a isso, alguns integrantes do GSPC não aceitaram a anistia. E em 2000 os líderes do grupo declararam que haviam se juntado à Al-Qaeda. Porém, somente em 2006, o então segundo homem da Al-Qaeda, Ayman al-Zawahiri, reconheceu a organização como parte da jihad no Norte da África.
Em 2007, os líderes do GSPC declararam que o novo nome do grupo era "Al-Qaeda no Maghreb Islâmico". Desde então, o grupo tem estendido seu campo de atuação para outros países da região, adotando uma estratégia e uma filosofia caras à Al-Qaeda, isto é, uma luta que cruza as fronteiras dos estados estabelecidos. A partir desse momento, integrantes do AQMI passaram a atuar em outros países da região do Saara e do Sahel, como Mali, Marrocos, Níger, Tunísia, Chade e Mauritânia. Há indícios, inclusive, de sua participação no ataque à Embaixada norte-americana em Benghazi, na Líbia. Além disso, não só os ataques se internacionalizaram, mas também a militância tornou-se internacionalizada, outra  característica da Al-Qaeda. Atualmente, entre os integrantes do AQMI, além de argelinos, há combatentes saídos do Mali, Tunísia e Líbia.
Há temores de países europeus que células do AQMI possam cometer ataques na Europa. Em 2007, policiais franceses descobriram uma célula do grupo em Paris e, em 2008, autoridades espanholas prenderam oito homens com ligações com o AQMI.
Por fim, com a ascensão dos "Batalhões que Assinam com Sangue", fruto do racha no AQMI, emerge mais um grupo extremista na região, o que complexifica ainda mais a situação.
O fraco poder militar dos Estados da região, a porosidade das fronteiras, a proliferação de armas decorrente dos conflitos na Líbia e no Mali e as características naturais da região facilitam significativamente o aumento do poder dos grupos extremistas no Norte da África.

A invasão ao complexo de extração de gás natural de In Amenas tem implicações mais amplas que a política regional. A usina é operada por uma associação entre as empresas British Petroleum (Grã-Bretanha), Statoil (Noruega) e Sonatrach (Argélia). Além disso, trabalham na empresa, centenas de empregados estrangeiros - noruegueses, britânicos, japoneses, norte-americanos, franceses etc. Muitos deles estavam entre os reféns e alguns foram mortos.


Desfecho
Por volta das 14h do dia 19 de janeiro, no horário de Brasília, foi anunciado que uma operação militar argelina empreendeu um "ataque final" e conseguiu pôr fim à crise. Como resultado da operação, 16 reféns foram libertados e 7 reféns e 11 sequestradores foram mortos.
O total de mortos em todo o episódio ainda não foi esclarecido. Os últimos números fornecidos pelas autoridades argelinas apontam para 81 mortos. Porém, esta ainda não é a contagem oficial.
Segundo números fornecidos por militares, foram libertados 685 reféns argelinos e 107 estrangeiros ao longo dos quatro dias de operações.
A despeito da (custosa) vitória do governo de Argel sobre os militantes extremistas, a região continua sob ameaça de novos ataques.

Vocabulário:

Maghreb - palavra árabe que significa "Ocidente". Define-se hoje como o Noroeste da África - região que engloba Argélia,  Tunísia, Marrocos. Alguns incluem a Líbia.

Sahel - Região semi-árida que faz transição entre o Deserto do Saara, ao Norte, e as florestas úmidas ao Sul. Faixa que se estende da costa atlântica ao leste do continente , cobrindo os territórios da Mauritânia, Níger, Mali, Burkina Faso, Nigéria, Chade e Sudão.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

O que está acontecendo no Mali?

Atualizado em 13 de março de 2013



O Mali passa por uma grave crise política desde o início de 2012, quando grupos extremistas ligados à Al-Qaeda tomaram porções de territórios no Norte do país, uma área desértica no meio do Deserto do Sahara.
O Mali é uma ex-colônia francesa. O território que hoje é ocupado pelo país foi palco de lutas entre tropas francesas e os guerreiros locais durante grande parte do século XIX. Em 1898, após sangrentas batalhas, finalmente, a França conquistou o Mali, denominando-o "Sudão Francês".
Após uma breve união com Senegal, o Mali tornou-se independente em 1960. O regime pós-independência, liderado por Modibo Keita, foi instalado como um Estado socialista, de partido único. Em 1968, Moussa Traore tomou o poder no país por meio de um golpe e ocupou o poder até 1991.
Em 1992, ocorreram as primeiras eleições democráticas do Mali. Contando com a participação de vários partidos políticos, Alpha Konare tornou-se presidente. Por muitos anos, o Mali foi considerado um modelo de regime democrático, sendo indicado como exemplo a ser seguido por toda a África.
Contudo, as tensões entre diferentes grupos étnicos não foram superados. No início da década de 1990, os tuaregues iniciaram uma insurgência exigindo direitos culturais e mais liberdade sobre sua terra. Em 1999, iniciaram-se combates entre membros da tribo Kunta e uma comunidade árabe por questões políticas locais.
Porém, foi a partir de 2007 que a luta entre diferentes tribos e comunidades explodiu, quando grupos tuaregues deslancharam uma onda de violência contra o governo e contra as comunidades rivais. Em fevereiro de 2009, após ação firme do governo, os tuaregues se renderam. Porém, enquanto isso, grupos extremistas islâmicos, inspirados pela Al-Qaeda começaram a ganhar força na região. Nesse mesmo ano, a Argélia começou a fornecer equipamentos militares para auxiliar o governo do Mali a combater os tais grupos extremistas.
No início de 2012, novos ataques tuaregues ocorreram no norte do país, dando origem a uma grande onda de refugiados para a Mauritânia. Além disso, os rebeldes tuaregues tomaram o controle da região norte do Mali e declaram independência.
Diante da situação explosiva no norte, uma junta militar depôs o presidente Amandou Toumani Touré, argumentando que fora sua fraqueza e hesitação que permitiram que o caos se instalasse no país.
Paralelamente a isso, grupos islamistas ligados à Al-Qaeda expulsaram os tuaregues de partes do território do norte, o que levantou extrema preocupação nos países da região de que o Mali se tornasse um santuário para terroristas.
Além disso, a situação política na capital, Bamako, se deteriorava cada vez mais. Pressionada pela comunidade internacional, a junta militar permitiu que um governo civil fosse reinstalado sob a presidência de Dioncounda Traoré. Porém, posteriormente, o presidente foi alvo de duros protestos favoráveis à juta militar. Nesses distúrbios, o presidente foi  agredido por uma multidão e precisou receber tratamento médico em Paris. Assumiu em seu lugar o Primeiro Ministro Cheick Modibo Diarra. Mas em dezembro de 2012, no que aparentemente foi um novo golpe militar, Diarra anunciou sua renúncia em cadeia de rádio e televisão. Foi substituído por um novo Primeiro Ministro, Diango Sissoko. Pouco depois, Traoré retornou e reassumiu como presidente.
Enquanto isso, diante da instabilidade política, o exército malinense se viu incapaz de combater eficazmente os rebeldes. Para piorar a situação, os grupos tuaregues se juntaram aos islamistas e declararam o norte do país um estado islâmico, instalando no local uma interpretação extremista da lei islâmica. A população local passou a ser alvo de um severo regime extra-governamental. Além disso, gradativamente, os rebeldes ganhavam mais e mais terreno.


O norte do Mali passou a ser controlado por uma coalizão de diversos agrupamentos políticos islâmicos e seculares - o grupo islamista tuaregue Ansar Dine; os jihadistas do grupo "Movimento para a Unificação e para a Jihad na África Ocidental" (MUJAO); o grupo chamado "Al-Qaeda no Maghreb Islâmico"; os secularistas tuaregues do "Liberação do Azawad" e outros grupos menores. Embora haja divergência ideológicas e doutrinário-religiosas entre eles, os grupos decidiram se unir para tomar o controle do norte do país.
No início de janeiro de 2013, os rebeldes rumaram para o sul com um contingente estimado entre 800 e 900 combatentes, se locomovendo em cerca de 200 veículos. Conseguiram uma vitória importante, quando tomaram a importante cidade de Kona. Com isso, criaram uma realidade no terreno, limitando consideravelmente o controle governamental sobre uma grande parcela de território.



Diante da escalada de violência, o Presidente Traoré solicitou auxílio francês. O governo de Fraçois Hollande prontamente respondeu, enviando forças armadas para ajudar as forças do governo de Mali a lutar contra os rebeldes e ordenando que caças franceses bombardeassem o território controlado pelos rebeldes.
Desde então, as forças francesas vêm atacando os rebeldes por terra e ar. Além disso, países vizinhos - Nigéria, Níger, Burkina Faso, Togo e Senegal - formaram a chamada MISMA (Força Internacional de Apoio ao Mali) para evitar que os rebeldes tomem completamente o poder no Mali.

O conflito no Mali ganhou proeminência regional. Extremistas do grupo chamado "Batalhões que Assinam com Sangue", afirmando possuir laços com a Al-Qaeda, invadiram uma usina de petróleo e gás no Leste da Argélia, tomando centenas de reféns (Ver O que está acontecendo na Argélia?). Os extremistas alegavam que sua ação era uma retaliação à intervenção da França no Mali. Exigiam que Paris pusesse fim à intervenção militar no país e condenavam o governo argelino por permitir que aviões franceses utilizassem o espaço aéreo da Argélia em rota para atacar os rebeldes.

A intervenção da França no Mali se iniciou em 11 de janeiro de 2013 e, inicialmente, as forças francesas obtiveram ganhos notáveis. O principal objetivo era evitar que as forças rebeldes continuassem sua marcha para o Sul e tomassem a capital, Bamako.
Por meio de ataques aéreos, os franceses conseguiram desbaratar focos dos grupos extremistas e barraram o avanço rebelde. Além disso, tropas da coalizão entre França, Chade e Níger conseguiram expulsar os rebeldes de cidades importantes, como Goa e Timbuktu.
Inicialmente, previa-se uma vitória relativamente fácil das tropas de coalizão lideradas pela França. Contudo, isso não ocorreu. Até o momento, embora as tropas estrangeiras tenham recuperado cidades importantes, os rebeldes têm oferecido forte resistência em algumas partes do norte do país. Enquanto isso, denúncias indicam que as tropas do exército do Mali vêm cometendo ataques contra civis nas áreas habitadas por tuaregues e árabes.
No início de março de 2013, foi anunciado que um dos mais importantes líderes jihadistas do Norte da África, Mokhtar Belmokhtar, havia sido morto pelo exército do Chade. No entanto, seus seguidores afirmam que eles está "vivo e bem".
Em 12 de março de 2013, a França anunciou que irá entregar a missão no Mali à Organização das Nações Unidas (ONU).
A situação permanece indefinida e, ainda que seja obtida uma vitória sobre os rebeldes, a instabilidade que grassa na região não permite que se reivindique uma vitória final.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Quem é a oposição na Síria?

Atualizado em 30 de agosto de 2013

Quem são os opositores do Presidente Bashar al-Asad no (interminável) conflito na Síria?

Recentemente, temos visto o resultado de violentos combates entre tropas leais ao governo de Bashar al-Asad e grupos militares de oposição.  Desde o início do conflito, Asad tem se referido aos rebeldes como "terroristas", "criminosos", "inimigos da Síria", "agentes do imperialismo" e "marionetes dos Estados Unidos e de Israel".
Em agosto de 2013, grupos de oposição alegaram que Asad utilizou armas químicas contra um subúrbio de Damasco. Esse suposto ataque, ainda sendo investigado por inspetores da ONU, adicionou um novo elemento na crise da Síria. A partir de então, cresceram os rumores de que Estados Unidos, Grã-Bretanha e França atacariam posições do governo sírio. Porém, muitos manifestam críticas a uma ação armada. Dentre os argumentos utilizados pelos que se opõem aos ataques está o fato da oposição síria ser fragmentada e conter entre seus quadros militantes extremistas inspirados pela Al-Qaeda.
Mas afinal, quem é a oposição síria?

Bandeira da oposição síria

A oposição síria é formada por um aglomerado de grupos, organizações, indivíduos e milícias que têm como objetivo comum a derrubada de Bashar al-Asad.

A revolta contra Asad, iniciou-se em 2011 com grandes manifestações de rua exigindo abertura política e expansão de direitos (Ver O que está acontecendo na Síria?). Porém, diante da brutal repressão das forças governamentais, emergiu um movimento armado para derrubar o presidente.

Inicialmente, a oposição política no exílio buscou organizar-se por meio do Conselho Nacional Sírio, um grupo heterogêneo composto por secularistas, opositores liberais de longa data da família Asad e membros da Irmandade Muçulmana. Não foram esses os atores que deslancharam o movimento, mas grupos populares, que com o andamento da revolta se organizaram nos Conselhos de Coordenação Locais.
Durante grande parte de 2011 e 2012 os políticos do Conselho Nacional Sírio divergiam sobre táticas e fundamentos políticos. Sua formação política não ajudava a criar uma base comum entre os membros. O principal racha foi o que opôs os secularistas aos membros da Irmandade Muçulmana. O Conselho Nacional também carecia das bases populares e de contatos com a massa da revolta. Por isso, os apoiadores ocidentais, especialmente Estados Unidos e França, manifestavam desconforto com a não-representatividade do grupo, acusado também de não ter ligação com as milícias rebeldes no interior da Síria.
O Conselho Nacional também sofria intensa oposição do Comitê de Coordenação Nacional, um grupo formado por 13 partidos de esquerda, 3 partidos curdos e por jovens ativistas. Liderado por uma figura política tradicional, Hussein Abdul Azim,  o Comitê de Coordenação Nacional tem duras divergências com o Conselho Nacional Sírio: rejeita completamente qualquer intervenção externa e não coloca como prioridade a derrubada de Bashar al-Asad, abrindo uma possibilidade de transição gradual.
Em 11 novembro de 2012, em Doha, no Qatar, os opositores sírios entraram em negociações e formaram um grupo mais representativo que o Conselho Nacional Sírio: a Coalizão de Oposição Síria. A nova organização é formada por 60 membros, representando tendências políticas no exílio e no interior da Síria. Indicaram para a Presidência uma figura política de consenso, o moderado Moaz al-Khatib. Para serem seus mais próximos aliados, foram indicados dois Vice-Presidentes, Suhair al-Atassi, uma militante que há anos luta pelos direitos das mulheres na Síria e em outras partes do Oriente Médio, e Riad Seif, ex-presidente de uma indústria têxtil. Ambos haviam sido presos em algumas ocasiões por se oporem a Bashar al-Asad. Os líderes da Coalizão afirmam que a organização representa 90% da oposição. Porém, isso é questionável.

Paralelamente às articulações políticas, a oposição tomou a forma armada. Logo que a repressão governamental aos manifestantes começou a produzir centenas de mortos, iniciou-se um processo de deserção entre os quadros militares. Muitos desses desertores levaram suas armas e equipamentos e em julho de 2011 formaram o Exército Livre da Síria, liderado pelo Coronel Riad al-Asaad.
Com a continuidade do conflito armado e com o agravamento da repressão, além dos militares desertores, outros indivíduos e grupos sem experiência militar se juntaram ao Exército Livre da Síria. Além disso,  muitas milícias locais manifestam fazer parte da organização por conta de seu prestígio, mas não são parte da estrutura. Muitos nem mesmo obedecem ao comando central.
Desde dezembro de 2012, o Exército Livre da Síria é comandado pelo Brigadeiro Selim Idriss.
Além disso, há aqueles no interior do Exército Livre da Síria que seguem orientações de dois países da região que anseiam em ver a derrubada de Bashar al-Asad: a Arábia Saudita e o Qatar (ver A internacionalização dos conflitos na Síria). Em muitas ocasiões, essa facção foi acusada de receber armamento de fora e não compartilhar recursos militares com outros grupos no interior do Exército Livre da Síria.
Por outro lado, já está claro que dentre os grupos que lutam contra o governo há grupos jihadistas inspirados pela Al-Qaeda. Favorecidos pela instabilidade que grassa na região após a invasão do Iraque pelos Estados Unidos em 2003, os militantes da Al-Qaeda aproveitam a porosidade da fronteira iraquiana para entrar em território sírio e aí lutar contra um governo considerado apóstata (a família Asad faz parte da minoria Alauíta - Ver A Dinastia al-Asad na Síria). Os jihadistas são os responsáveis por dezenas de ataques contra o instalações do governo, por meio de militantes suicidas ou de carros-bomba.




Estrutura de comando militar e grupos rebeldes armados

É importante, porém, apresentar os grupos militares e sua relação com o comando militar rebelde. É bastante difícil precisar a relação entre os grupos armados e entre os diversos grupos em relação ao comando central, pois a situação é complexa no terreno e as informações são obtidas com muita dificuldade.

Os rebeldes formaram em dezembro de 2012 o Supremo Comando Militar - SCM, coordenado com a Coalizão de Oposição Síria, com o objetivo de unificar os grupos rebeldes em uma única cadeia de comando. No entanto, o projeto não se materializou totalmente no terreno. Muitos grupos lutam por conta própria e não obedecem o comando do SCM.
O SCM é liderado por Selim Idriss, que alega comandar 900 grupos, totalizando cerca de 300.000 rebeldes. Porém, alguns alegam que os grupos não estão totalmente sob o comando de Idriss. Além disso, o grupo possui disparidades internas, com alguns grupos melhor armados e financiados do que outros.
O SCM foi formado para atuar como o Ministério da Defesa de um futuro governo liderado pela Coalizão de Oposição Síria. Foi formado em dezembro de 2012 por 260 líderes rebeldes de todo o país. O Conselho dirigente é formado por 30 representantes eleitos para representar 5 áreas geográficas do país: Leste, Oeste/Centro, Norte, Sul e o Distrito de Homs.

Principais grupos afiliados:

Exército Livre da Síria - ELS: É o maior grupo opositor. Estima-se que 50.000 rebeldes lutem dentro de seus quadros, mais um número desconhecido de rebeldes que atuam em várias pequenas localidades. Formado em junho de 2012 com o objetivo de lutar contra o regime de Asad, após a dura repressão governamental contra os manifestantes que pediam reformas democráticas, está ligado mais fortemente à Coalizão de Oposição Síria e age em coordenação com os líderes políticos exilados. Seus líderes alegam que é um grupo não-sectário. É composto por grupos ideologicamente mais moderados, com objetivo de organizar milícias locais. Embora seja retratado em muitos meios de comunicação como "a" oposição armada síria, o ELS é apenas um dos grupos em atuação contra Asad.

Frente de Libertação Síria - FLS: O grupo é uma aliança formada por cerca de 20 brigadas e batalhões que atuam em toda a Síria. A FLS tem um número estimado de 37.000 rebeldes, atuando principalmente no Sudeste do país. Alguns analistas incluem a FLS entre os grupos jihadistas em atuação na Síria, já que é formado por islamistas e também é chamado de "Frente Islâmica de Libertação Síria". Contudo, seus membros têm demonstrado que são islamistas moderados e a relação entre a FLS e o SCM parece indicar que eles tendem a obedecer o comando rebelde central. Embora, por vezes, critiquem o comando do SCM, seus membros alegam agir em conjunto com o comando central. O grupo é apoiado e financiado pela Arábia Saudita.

Frente Islâmica Síria - FIS: Grupo formado em dezembro de 2012, composto de 11 brigadas. Sua criação foi uma iniciativa do grupo Kataib Ahrar ash-Sham, um grupo salafista. O grupo não é tão extremista quanto os grupos inspirados pela Al-Qaeda, mas é mais religiosamente orientado do que o ELS e a FLS. Alguns líderes afirmam que seu objetivo político é derrubar Asad e instituir um governo inspirado pela Shari'a, a lei islâmica. Os laços com o SCM não são fortes, mas há inúmeros casos de cooperação e há sinais de que obedecem o comando central. Estima-se que tenha um contingente de 13.000 rebeldes, atuando principalmente nos subúrbios de Aleppo e em Idlib.

Além disso, o SCM também é composto por brigadas independentes e por conselhos militares regionais


Grupos externos ao SCM:

Jabhat (Frente) an-Nusra - JN: Entre os grupos rebeldes que não se afiliaram ao SCM está a Frente Nusra, um grupo que alega inspiração na Al-Qaeda e é considerado terrorista pelos Estados Unidos. o grupo tem aproximadamente 6.000 combatentes entre seus quadros, muitos dos quais são jihadistas vindos do Iraque e do Norte da África. A Frente Nusra se aliou ao grupo chamado Al-Qaeda no Iraque, união que formou a chamada "Al-Qaeda no Iraque e no Levante".

Grupos curdos: Os curdos são um grupo etnicamente distinto dos árabes. Eles formam aproximadamente 9% da população síria, vivendo no Norte e Nordeste do país. Os curdos não entraram na rebelião até que a situação explosiva se espalhou para sua região. Muitos habitantes curdos fugiram para o Iraque, já que o norte do território iraquiano é uma área autônoma curda. Em 2012 formaram-se as chamadas Unidades de Defesa do Povo Curdo, que se uniu a outros grupos rebeldes na luta anti-Asad em Aleppo. Os curdos têm frequentemente entrado em combate também contra membros da Frente Nusra.

Grupos independentes: Há outros grupos que agem independente dos grupos citados acima. Não se sabe ao certo o número de combatentes, mas sabe-se que são dezenas de milhares atuando em várias partes do país. Alguns deles chegaram a se aproximar do ELS ou mesmo do SCM, mas mantêm sua independência. O principal grupo em atuação de forma independente é a Brigada Ahfad ar-Rasul. Estima-se que seus membros sejam cerca de 15.000. São financiados pelo Catar.

Diante da fragmentação e das divergências no seio da oposição, há muita incerteza na comunidade internacional sobre o futuro da Síria caso Bashar al-Asad seja de fato derrubado. Graves riscos são apontados por analistas internacionais: a possibilidade do país tornar-se um Estado falido (similar à Somália), com cada facção dominando uma porção de território; a possibilidade de uma guerra civil entre os grupos que haviam lutado juntos contra o governo de Asad (já que as diferentes facções possuem milhares de armas à sua disposição); a possibilidade de conflito confessional entre os diferentes grupos étnicos e religiosos (muçulmanos sunitas, alauítas, cristãos, curdos); a possibilidade do país tornar-se um santuário para jihadistas, que podem se unir a jihadistas de outros países; a possibilidade de uma "guerra civil regional", engolfando Líbano, Jordânia, Turquia e Iraque; sem falar nas tensões com Israel, que podem ser revigoradas; dentre outros cenários catastróficos.
Por fim, resta a esperança de que a Síria possua um futuro mais promissor do que muitos estudiosos apontam. Contudo, Egito e Líbia mostram que uma transição democrática é dolorosa e gradual.

Ver também: