Constantemente, vemos informações na mídia sobre o programa nuclear iraniano e sobre as duras reações dos Estados Unidos, de países europeus e de Israel. As trocas de farpas são frequentes e, o que é altamente perigoso, ouvimos severas ameaças de ataques militares contra o Irã.
Mas como podemos compreender o programa nuclear do Irã?
O impasse em torno do programa nuclear iraniano se refere à possibilidade do Irã conseguir construir armas nucleares.
Um dos principais acusadores do governo de Teerã é Israel. O governo israelense diz que o Irã deseja efetivamente ter bombas atômicas e que tais artefatos serão utilizados contra Israel, o que será uma ameaça à existência do Estado judeu. De fato, o presidente do Irã Mahmoud Ahmadinejad tem usado uma retórica inflamada contra Israel e nega a existência do Holocausto, para deslegitimar a existência do Estado Judeu. Diante disso, membros do governo israelense, inclusive o Primeiro Ministro Benjamin Netanyahu, alegam que somente por meio de ataques militares o governo iraniano irá ceder.
Muitos políticos norte-americanos concordam com essa abordagem. Contudo, o Presidente Barack Obama pretende demover os iranianos de seu programa nuclear por meio de sanções econômicas. Por outro lado, alguns analistas políticos norte-americanos sugerem que Washington busque negociar com Teerã.
Até o momento, Estados Unidos e países da União Europeia têm aprovado sanções contra o Irã, especialmente no ramo de petróleo. Sem o dinheiro advindo da venda do produto, o Irã vem passando por grandes dificuldades econômicas.
O governo do Irã rejeita todas as acusações. Os líderes iranianos dizem que o programa nuclear tem fins pacíficos, destinado a produzir energia. Ressaltam que desde 1968 o Irã tornou-se signatário do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), um acordo que prevê que os países signatários não construirão armas nucleares e que os detentores de tais armas se comprometem a desmantelar seus arsenais. Em algumas ocasiões, os líderes iranianos acenam com a possibilidade de negociação.
Os países adversários dizem que tais argumentos são mentirosos e que as propostas de negociação são apenas tentativas de ganhar tempo até que não haja mais como impedir a construção da bomba.
Na verdade, muitos analistas internacionais entendem que Teerã pode estar, de fato, em busca de um artefato militar nuclear. Contudo, por motivos defensivos, principalmente por conta das relações conturbadas do Irã com os Estados Unidos.
As relações entre o Irã e os Estados Unidos
Desde o fim da década de 1970, o Irã é governado por clérigos muçulmanos xiitas.
Em 1979, uma revolução popular derrubou o Xá Mohammed Reza Pahlevi, que comandava o Irã com mão de ferro, e que contava com o apoio dos Estados Unidos. Embora houvesse uma diversidade de grupos lutando contra o Xá (como liberais e comunistas), os xiitas conseguiram assumir o controle da revolução e direcionar o novo regime de acordo com seus pressupostos religiosos. O Irã depois de 1979 se tornou a República Islâmica do Irã, sob a liderança do Aiatolá Ruhollah Khomeini.
Muitos iranianos viam os Estados Unidos com extrema hostilidade, pois em 1953 um golpe que contou com a ampla contribuição da CIA havia derrubado o Primeiro Ministro Mohammed Mossadegh, um líder nacionalista que tinha o objetivo de nacionalizar as companhias de petróleo do país, e colocado o Xá novamente no controle absoluto do Irã. Tal animosidade permaneceu após a derrubada da família Pahlev do poder. Os norte-americanos eram ardorosos apoiadores do Xá e este, quando fugiu do Irã, se refugiou nos Estados Unidos. Muitos iranianos acreditavam que os Estados Unidos planejavam reentronizar o Xá no poder. Com isso, as relações entre os dois países se deterioraram nos meses subsequentes à revolução. A hostilidade culminou na crise dos reféns, quando estudantes iranianos invadiram a Embaixada dos Estados Unidos em Teerã, em novembro de 1979, e fizeram 66 pessoas cativas. A crise teve imensa repercussão internacional e sérias consequências para a política norte-americana. O governo dos Estados Unidos fez duas tentativas frustradas de libertar os reféns e o Presidente norte-americano Jimmy Carter (1977-1981) saiu do episódio extremamente enfraquecido. A crise dos reféns foi um dos principais problemas de política externa que levaram à sua derrota para Ronald Reagan (1981-1989) nas eleições de 1980. Um acordo entre Irã e Estados Unidos levou à libertação dos reféns (que permaneceram cativos durante 444 dias) em 20 de janeiro de 1981.
No entanto, tal acordo não aproximou Washington e Teerã. Em 1980, O Iraque, comandado por Saddam Hussein, invadiu o Irã por conta de disputas de fronteira. Na verdade, para o tipo de política apregoada por Saddam Hussein (autoritária, mas de fundamentos seculares), a revolução iraniana representava uma séria ameaça, pois poderia estimular os xiitas iraquianos (a maioria da população do país) a se insurgir contra o governo inspirados por um fervor religioso. Do mesmo modo, para os Estados Unidos, a Revolução Iraniana era altamente perigosa, pois poderia se espalhar para outros países, dando origem a movimentos revolucionários contra governos amigos, como a insurgência contra a família real da Arábia Saudita, um importante aliado norte-americano. Estavam postas as condições que possibilitaram a controversa aliança entre Saddam Hussein e os Estados Unidos contra o Irã.
Desde então, a elite dirigente xiita iraniana entende que os Estados Unidos e seu aliado regional Israel tramam para derrubá-la do poder. Tal percepção se agravou após o 11 de setembro, quando o Presidente norte-americano George W. Bush invadiu o Afeganistão (2001) e Iraque (2003) e colocou o Irã e a Coreia do Norte na lista do "Eixo do Mal", como países que patrocinam o terrorismo. Assim, não é coincidência que o Irã tenha rompido com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) exatamente em 2003.
Até então, inspetores da AIEA faziam frequentes visitas aos reatores iranianos e não haviam detectado sinais de descumprimento do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, do qual o Irã é signatário.
Por conta disso, muitos analistas e estudiosos acreditam (avaliação compartilhada pelo autor deste blog) que o Irã almeja ter a bomba atômica. Porém, não para atacar e tentar destruir Israel, mas por razões defensivas, já que a elite dirigente iraniana julgou que seria a próxima a ser derrubada por uma invasão norte-americana, depois dos talibãs afegãos e de Saddam Hussein - afinal de contas, a invasão do Iraque mostrou que mesmo um país não apoiador da al-Qaeda poderia ser invadido e seu governo derrubado. Armados com ogivas nucleares, os iranianos ameaçariam Israel caso os Estados Unidos planejassem uma operação militar contra os governantes xiitas (durante a Guerra do Golfo, em 1991, Saddam Hussein lançou mísseis contra Israel como retaliação). E é por isso que um Irã nuclear provoca temor em muitos israelenses. Isso, por sua vez, explica a disposição do Primeiro Ministro israelense, Benjamin Netanyahu, em iniciar uma guerra contra o Irã antes que os iranianos consigam obter a bomba atômica.
Por outro lado, a elite dirigente xiita iraniana teme o movimento convencionalmente chamado de "Primavera Árabe", uma onda de revoltas que vem abalando o Oriente Médio e o Norte da África desde o final de 2010 (embora o Irã não seja um país árabe - os iranianos são persas). Sob o ponto de vista iraniano, tal onda de revoltas pode estimular movimentos similares internamente, que podem contar com auxílio externo (em 2009, eclodiu uma onda de protestos contra a reeleição de Mahmoud Ahmadinejad, movimento que recebeu o apoio de norte-americanos e europeus). Além disso, os Estados Unidos e a União Europeia agiram efetivamente em ajuda à revolução na Líbia, pois somente com a ajuda de bombardeios da OTAN os rebeldes líbios foram capazes de derrubar o ditador Muammar al-Qadafi. O governo iraniano entende que se um movimento revolucionário emergir no país, os Estados Unidos podem ajudar os rebeldes a derrubar o regime islâmico. Dotados de armas nucleares, os líderes iranianos poderão efetivamente se manter no poder, pois a intervenção externa será muito menos provável.
Outros analistas discordam da interpretação que diz que o Irã age defensivamente, alegando que o governo iraniano sabe que os Estados Unidos não têm condições políticas e econômicas para empreenderem uma nova intervenção militar no Oriente Médio. Porém, a elite dirigente iraniana planeja olhando para um horizonte muito à frente. Para eles, se hoje não é possível uma operação militar norte-americana, nada garante que no futuro tais condições não estejam acessíveis. Os xiitas que ocupam o governo do Irã almejam se eternizar no poder e entendem que devem se preparar para uma ameaça de longo prazo à sua dominância política. Para esse objetivo, entendem que ter à sua disposição as armas mais destrutivas já construídas pelo homem é algo fundamental.
Na verdade, muitos analistas internacionais entendem que Teerã pode estar, de fato, em busca de um artefato militar nuclear. Contudo, por motivos defensivos, principalmente por conta das relações conturbadas do Irã com os Estados Unidos.
As relações entre o Irã e os Estados Unidos
Desde o fim da década de 1970, o Irã é governado por clérigos muçulmanos xiitas.
Em 1979, uma revolução popular derrubou o Xá Mohammed Reza Pahlevi, que comandava o Irã com mão de ferro, e que contava com o apoio dos Estados Unidos. Embora houvesse uma diversidade de grupos lutando contra o Xá (como liberais e comunistas), os xiitas conseguiram assumir o controle da revolução e direcionar o novo regime de acordo com seus pressupostos religiosos. O Irã depois de 1979 se tornou a República Islâmica do Irã, sob a liderança do Aiatolá Ruhollah Khomeini.
Manifestantes seguram um cartaz com fotografia do
Aiatolá Khomeini durante a Revolução de 1979
Aiatolá Khomeini durante a Revolução de 1979
Muitos iranianos viam os Estados Unidos com extrema hostilidade, pois em 1953 um golpe que contou com a ampla contribuição da CIA havia derrubado o Primeiro Ministro Mohammed Mossadegh, um líder nacionalista que tinha o objetivo de nacionalizar as companhias de petróleo do país, e colocado o Xá novamente no controle absoluto do Irã. Tal animosidade permaneceu após a derrubada da família Pahlev do poder. Os norte-americanos eram ardorosos apoiadores do Xá e este, quando fugiu do Irã, se refugiou nos Estados Unidos. Muitos iranianos acreditavam que os Estados Unidos planejavam reentronizar o Xá no poder. Com isso, as relações entre os dois países se deterioraram nos meses subsequentes à revolução. A hostilidade culminou na crise dos reféns, quando estudantes iranianos invadiram a Embaixada dos Estados Unidos em Teerã, em novembro de 1979, e fizeram 66 pessoas cativas. A crise teve imensa repercussão internacional e sérias consequências para a política norte-americana. O governo dos Estados Unidos fez duas tentativas frustradas de libertar os reféns e o Presidente norte-americano Jimmy Carter (1977-1981) saiu do episódio extremamente enfraquecido. A crise dos reféns foi um dos principais problemas de política externa que levaram à sua derrota para Ronald Reagan (1981-1989) nas eleições de 1980. Um acordo entre Irã e Estados Unidos levou à libertação dos reféns (que permaneceram cativos durante 444 dias) em 20 de janeiro de 1981.
No entanto, tal acordo não aproximou Washington e Teerã. Em 1980, O Iraque, comandado por Saddam Hussein, invadiu o Irã por conta de disputas de fronteira. Na verdade, para o tipo de política apregoada por Saddam Hussein (autoritária, mas de fundamentos seculares), a revolução iraniana representava uma séria ameaça, pois poderia estimular os xiitas iraquianos (a maioria da população do país) a se insurgir contra o governo inspirados por um fervor religioso. Do mesmo modo, para os Estados Unidos, a Revolução Iraniana era altamente perigosa, pois poderia se espalhar para outros países, dando origem a movimentos revolucionários contra governos amigos, como a insurgência contra a família real da Arábia Saudita, um importante aliado norte-americano. Estavam postas as condições que possibilitaram a controversa aliança entre Saddam Hussein e os Estados Unidos contra o Irã.
Desde então, a elite dirigente xiita iraniana entende que os Estados Unidos e seu aliado regional Israel tramam para derrubá-la do poder. Tal percepção se agravou após o 11 de setembro, quando o Presidente norte-americano George W. Bush invadiu o Afeganistão (2001) e Iraque (2003) e colocou o Irã e a Coreia do Norte na lista do "Eixo do Mal", como países que patrocinam o terrorismo. Assim, não é coincidência que o Irã tenha rompido com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) exatamente em 2003.
Até então, inspetores da AIEA faziam frequentes visitas aos reatores iranianos e não haviam detectado sinais de descumprimento do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, do qual o Irã é signatário.
Por conta disso, muitos analistas e estudiosos acreditam (avaliação compartilhada pelo autor deste blog) que o Irã almeja ter a bomba atômica. Porém, não para atacar e tentar destruir Israel, mas por razões defensivas, já que a elite dirigente iraniana julgou que seria a próxima a ser derrubada por uma invasão norte-americana, depois dos talibãs afegãos e de Saddam Hussein - afinal de contas, a invasão do Iraque mostrou que mesmo um país não apoiador da al-Qaeda poderia ser invadido e seu governo derrubado. Armados com ogivas nucleares, os iranianos ameaçariam Israel caso os Estados Unidos planejassem uma operação militar contra os governantes xiitas (durante a Guerra do Golfo, em 1991, Saddam Hussein lançou mísseis contra Israel como retaliação). E é por isso que um Irã nuclear provoca temor em muitos israelenses. Isso, por sua vez, explica a disposição do Primeiro Ministro israelense, Benjamin Netanyahu, em iniciar uma guerra contra o Irã antes que os iranianos consigam obter a bomba atômica.
Por outro lado, a elite dirigente xiita iraniana teme o movimento convencionalmente chamado de "Primavera Árabe", uma onda de revoltas que vem abalando o Oriente Médio e o Norte da África desde o final de 2010 (embora o Irã não seja um país árabe - os iranianos são persas). Sob o ponto de vista iraniano, tal onda de revoltas pode estimular movimentos similares internamente, que podem contar com auxílio externo (em 2009, eclodiu uma onda de protestos contra a reeleição de Mahmoud Ahmadinejad, movimento que recebeu o apoio de norte-americanos e europeus). Além disso, os Estados Unidos e a União Europeia agiram efetivamente em ajuda à revolução na Líbia, pois somente com a ajuda de bombardeios da OTAN os rebeldes líbios foram capazes de derrubar o ditador Muammar al-Qadafi. O governo iraniano entende que se um movimento revolucionário emergir no país, os Estados Unidos podem ajudar os rebeldes a derrubar o regime islâmico. Dotados de armas nucleares, os líderes iranianos poderão efetivamente se manter no poder, pois a intervenção externa será muito menos provável.
Outros analistas discordam da interpretação que diz que o Irã age defensivamente, alegando que o governo iraniano sabe que os Estados Unidos não têm condições políticas e econômicas para empreenderem uma nova intervenção militar no Oriente Médio. Porém, a elite dirigente iraniana planeja olhando para um horizonte muito à frente. Para eles, se hoje não é possível uma operação militar norte-americana, nada garante que no futuro tais condições não estejam acessíveis. Os xiitas que ocupam o governo do Irã almejam se eternizar no poder e entendem que devem se preparar para uma ameaça de longo prazo à sua dominância política. Para esse objetivo, entendem que ter à sua disposição as armas mais destrutivas já construídas pelo homem é algo fundamental.