Nas últimas semanas, forças
políticas do Iêmen chegaram a um acordo para pôr fim aos conflitos internos que
assolam o país. Após muitas discussões, decidiram criar uma federação composta
de seis regiões. Paralelamente, um atentado a uma prisão na capital, Sanaa, libertou diversos presos acusados de terrorismo. E um professor britânico foi sequestrado por homens armados. A situação no país é tensa. Mas o que está acontecendo no Iêmen?
O Iêmen vem passando por um
período turbulento desde o final do século XX, quando o país, unificado em
1990, passou por contendas entre vários grupos políticos. A situação se tornou
mais complexa em 2011, quando as revoltas na Tunísia e no Egito estimularam
movimentos similares entre segmentos da população que desejavam a mudança do
regime governado por Ali Abdullah Saleh.
Na verdade, o Iêmen está em meio
a um dos mais turbulentos períodos de sua longa história. Um dos países mais pobres
da região, com disparidades regionais marcantes, é um Estado fraco, que não
consegue lidar adequadamente com os desafios à autoridade central,
especialmente os militantes ligados à rede Al-Qaeda que atuam no país.
O Iêmen é um país localizado na
parte sudoeste da Península Arábica e sua posição estratégica já lhe rendeu a
cobiça de potências imperiais e potências regionais ao longo de sua história. Durante
cerca de três séculos (XVI-XIX), a área onde hoje é o Iêmen esteve exposta às
investidas de dois dos grandes impérios que atuavam na região. Entre 1500 e
1600, a região foi dominada pelo Império Otomano. A partir de 1600, os líderes
políticos da região conseguiram permanecer governando uma série de territórios
independentes até o século XIX. Em 1839, a Grã-Bretanha, que já possuía um
posto marítimo em Aden tomou a parte sul do Iêmen, integrando-a ao seu império.
Em 1849, os otomanos fizeram uma investida no norte, conquistando essa área. Logo,
no século XIX, o que conhecemos como Iêmen estava dividido entre a parte norte,
controlada pelo Império Otomano, e o sul, controlado pelo Império Britânico.
Em 1918, com a dissolução do
Império Otomano, a parte norte se tornou independente, sendo governado pelo Imã
Yahya, enquanto a parte sul permaneceu sob controle britânico.
Norte x Sul
Em 1962, no Norte, oficiais do
exército depuseram a monarquia governada pelo Imã Ahmed (filho do Imã Yahya).
Estimulados por movimentos militares em outras partes do Oriente Médio, criaram
a República Árabe do Iêmen (RAI), conhecida internacionalmente como “Iêmen do
Norte”. A isso se seguiu uma guerra civil entre monarquistas, apoiados pela
Arábia Saudita, e os militares, apoiados pelo Egito de Gamal Abdel Nasser.
Em 1967, a parte sul do país se
tornou independente da Grã-Bretanha. Composto de Aden e do antigo Protetorado
da Arábia do Sul, o país ficou conhecido na comunidade internacional como
“Iêmen do Sul”. Os líderes do país adotaram o comunismo e o país foi nomeado
oficialmente República Democrática Popular do Iêmen (RDPI).
A partir de 1972, contendas
fronteiriças deram início a combates entre o norte e o sul, paralisado somente
após um cessar fogo mediado pela Liga Árabe. A luta continuou pelas décadas
seguintes até que o país foi unificado em 1990, sob a presidência de Ali
Abdullah Saleh.
Ali Abdullah Saleh era presidente
do Iêmen do Norte desde 1978. Em 1993, houve um acordo para um governo de
coalizão, formado pelos partidos governistas do Norte e do Sul. No entanto, as
querelas continuaram, com políticos do Sul freqüentemente acusando o Norte de
marginalizá-los das decisões políticas mais importantes.
Em 1994, a situação se
deteriorou. Os exércitos dos antigos países do Norte e do Sul, que o governo
não conseguiu reunir sob um único comando, se prepararam na antiga fronteira e entraram
em combate. Forças do Sul declararam independência. Em julho, forças do governo
ocuparam Aden e os líderes rebeldes fugiram do país.
Um Estado fraco e fragmentado
A partir de então, o Iêmen entrou
em processo de enfraquecimento institucional e de desagregação política entre
as regiões. Isso tornou o país um terreno favorável para que, no final da
década de 1990, se tornasse um refúgio para grupos extremistas ligados à
Al-Qaeda. O principal ato de tais grupos no país foi o atentado contra o navio
norte-americano USS Cole, em 2000, em Aden. Dias depois, foi cometido
outro atentado, desta vez contra a embaixada britânica. Diante disso, em 2001,
Abdullah Saleh visitou os Estados Unidos e declarou ao Presidente George W.
Bush que o Iêmen iria cooperar na luta contra o terrorismo. Em 2002, Abdullah
Saleh expulsou cerca de 200 líderes islâmicos acusados de serem ligados à
Al-Qaeda.
Além disso, o país sofria o risco
de desmembramento. Em 2004, uma revolta no norte, liderada pelo clérigo xiita Hussein
Al-Hout, desafiou o poder central. A partir de então, seguidores de Al-Hout
(morto em 2005) passaram a combater forças do governo, com tréguas
intermitentes.
Nesse período, o país se tornou
um grande campo de batalha, com o governo combatendo em várias frentes, contra
vários inimigos: extremistas ligados à Al-Qaeda, separatistas no norte e no sul
do país, líderes de movimentos populares, liberais e pela democratização.
Em 2008, a polícia atacou uma
manifestação demandando reformas políticas e eleições livres. E no natal de
2009, um indivíduo iemenita, alegando ser parte da Al-Qaeda, tentou explodir um
avião norte-americano. Enquanto isso, grupos xiitas se rebelaram na província
de Saada, no norte. Os rebeldes conseguiram ocupar partes do território iemenita
e entraram em confronto com tropas da Arábia Saudita, reino apoiador do governo
do Iêmen.
Por fim, em 2011, após manifestações
na Tunísia derrubarem o Presidente Zine Abdine Ben Ali, emergiu com mais força
um movimento exigindo reformas políticas no Iêmen. Muitos pediam a renúncia do Presidente Abdullah Saleh, no poder desde a unificação do país em 1990. Grandes manifestações de
rua, protestos em massa e confrontos com a polícia se seguiram. Diante da
pressão, Abdullah Saleh proclamou que seu governo não seria estendido para além
de 2013. No entanto, os protestos continuaram e um importante militar, o
General Ali Mohsen Al-Ahmar, declarou apoio às manifestações. Ministros e
outras figuras de alto escalão deixaram o governo. A violência se espalhou e
Abdullah Saleh impôs estado de emergência no país. Enquanto isso, rebeldes
entraram em confronto com forças do governo na capital, Sanaa.
O governo entrou em franca
decomposição, até que o próprio Presidente sofreu um atentado por um foguete
quando voava para a Arábia Saudita. Com isso, em novembro de 2011, Abdullah
Saleh deixou o poder, e Abd Rabbuh Mansour Hadi assumiu a presidência, tendo ao
seu lado um membro da oposição como Primeiro-Ministro em um governo de
coalizão. Porém, a contenda norte-sul não arrefeceu.
Aproveitando-se do estado caótico
do país, a Al-Qaeda empreendeu novos ataques, se tornando a filial da rede mais
ativa no mundo. Além disso, a rede terrorista ocupou diversos nacos de
território do país. O governo pós-Abdullah Saleh respondeu atacando bastiões da
rede terrorista no sul. Paralelamente, aviões não-tripulados (os chamados "drones")
norte-americanos passaram a atacar alvos acusados de ligação com a Al-Qaeda,
matando centenas de supostos terroristas. Tais atos geraram críticas na
comunidade internacional, por causarem a morte de centenas de civis e porque se entende que os
ataques de drones são atos de execução sem direito à defesa.
E é nessa situação que se
encontra o país hoje: um refúgio para membros de grupos extremistas islâmicos,
um campo de batalha entre norte e sul, um terreno onde se trava a “Guerra
contra o Terrorismo” e um ambiente onde jovens lutam por reformas políticas.
Tudo isso em um Estado fraco e com instituições frágeis.
Desde o início de 2013, os
líderes políticos vêm buscando o diálogo para pôr fim aos conflitos múltiplos
que assolam o país. Em março, foi lançado o “Diálogo Nacional”, um congresso de
seis meses composto por 565 delegados de todo o espectro político.
O acordo de federação assinado em
fevereiro de 2014 vem em um momento em que os líderes políticos tentam pôr fim
às divisões entre norte e sul. O Sul demanda mais autonomia e mais direitos,
além de propor um regime mais descentralizado. Já o Norte quer manter a
supremacia política no país e exige a maioria das principais províncias da nova
federação.
Encontrar um denominador comum é
o primeiro passo para um futuro mais promissor no Iêmen.