Diariamente, somos bombardeados por informações vindas de todos os lados. Recebemos notícias, indicadores, análises, e prognósticos que chegam dos cinco continentes. Apesar da enormidade de informações, quase sempre nos vemos incapazes de compreender o que ocorre. Este blog pretende ser uma contribuição para entender esse mundo complexo. É claro, não tem a pretensão de ser um oráculo, que dê conta de tudo o que ocorre no mundo, mas uma busca incessante de entender o que acontece à nossa volta.

terça-feira, 19 de junho de 2012

O futuro do Egito

Atualizado em 24 de junho de 2012, 14:15h.


O Egito está em uma encruzilhada. Desde a derrubada do ex-presidente Hosni Mubarak em 11de fevereiro de 2011, em meio a uma significativa revolução popular, o país ainda espera os próximos atos de uma peça que parece estar longe de terminar. As eleições presidenciais ocorridas no final de maio de 2012 tiveram como resultado a ida para o segundo turno de dois candidatos (Ahmed Shafiq e Mohammed Mursi) que, na verdade, se apresentam como dois projetos antagônicos para o futuro do Egito.
O militar Ahmed Shafiq fez parte do governo Mubarak e foi o último primeiro-ministro do governo deposto. Para muitos, ele representa a manutenção do poder dos militares na política e a derrota do movimento revolucionário.
Mohammed Mursi é o candidato do Partido Liberdade e Justiça, ligado à Irmandade Muçulmana. Para seus opositores, Mursi transformaria o Egito em uma teocracia, um governo liderado por religiosos e guiado pela sharia, a lei islâmica.
Contudo, nenhum dos dois candidatos está integralmente comprometido com a linha que seus acusadores querem lhe imputar. Nem Shafiq poderá restabelecer completamente o governo Mubarak, nem a Irmandade Muçulmana poderá impor uma política religiosa extremista. Isso porque os variados grupos que tomaram parte na queda de Mubarak possuem suas próprias convicções sobre como o poder deverá ser exercido. E após a revolução, muitos grupos não se furtam a voltar às ruas contra o que entendem ser um curso político oposto aos ideais primeiros da revolução – a construção de um regime político democrático.
Por outro lado, ambos representam forças consolidadas no panorama político egípcio que não podem ser negligenciadas. Os militares, no poder desde 1952, não são apenas uma força militar destinada a proteger o país. As Forças Armadas estão envolvidas em diversas atividades econômicas, em especial controlando grandes empresas estatais.
A Irmandade Muçulmana é uma força política considerável entre a população egípcia. Criada em 1928 como uma organização anti-colonial, lutando contra os britânicos que controlavam a política egípcia desde 1882, e pela islamização da sociedade, a Irmandade construiu uma rede assistencial que, ao longo dos anos, prestou auxílio à população mais pobre e, com isso, ganhou enorme prestígio.     
A luta atual entre Shafiq e Mursi é, na verdade, uma luta mais profunda que remonta ao início da república no Egito. Em 1952, a Organização dos Oficiais Livres, um grupo de oficiais de patentes médias, derrubou a monarquia egípcia.  Sob a liderança de Mohammed Naguib e Gamal Abdel Nasser, os Oficiais Livres instalaram a república. Como vários outros grupos sociais que queriam a queda do rei Farouk, a Irmandade Muçulmana se juntou aos Oficiais Livres na derrubada do governo. A Irmandade Muçulmana tinha atritos graves com o rei. A mando da monarquia, o fundador da organização, Hasan al-Banna, havia sido assassinado em 1949.
Porém, a parceria inicial rapidamente se deteriorou. Ao assumir a liderança efetiva do país, Nasser tinha projetos desenvolvimentistas seculares que colidiam com a percepção religiosa de sociedade da Irmandade Muçulmana. Após uma tentativa de assassinato de Nasser, a Irmandade foi banida do Egito e muitos de seus líderes foram presos. Essa foi uma época de baixa para Irmandade, já que Nasser era um líder carismático e popular, retirando eventuais adeptos e seguidores da Irmandade.
Porém, a Irmandade Muçulmana permanecia importante politicamente. Contando com sua rede de assistência social, manteve uma grande popularidade na sociedade, em especial entre os mais pobres. Além disso, a organização começou a participar de eleições após a morte de Nasser, em 1970. Mesmo banida, a Irmandade era uma ativa força eleitoral, se juntando a outros grupos de oposição e inscrevendo candidatos como independentes.
Por outro lado, ao adotar uma postura mais moderada, o grupo sofreu secessões. Durante boa parte de sua existência, a Irmandade se engajou em ações violentas. Ao seguir o curso político, vários grupos condenaram a cúpula da organização e se separaram para formar associações que se mantiveram aferradas à proposta de não se engajar em uma política que consideravam corrupta.
Durante os governos de Anuar al-Sadat (1970-1981) e Hosni Mubarak (1981-2011), a Irmandade Muçulmana se manteve ativa politicamente. Porém, não foi diretamente responsável pela derrubada de Mubarak. O levante adveio da insatisfação de muitos grupos sociais e foi liderada por jovens ativistas que se mobilizaram pelas redes sociais. Os líderes da Irmandade se juntaram às manifestações anti-Mubarak depois de um período de hesitação.
No entanto, como um dos grupos políticos e sociais mais organizados do Egito, a Irmandade conseguiu capitalizar o desejo, compartilhado por muitos setores, de uma mudança política no país. Já os grupos políticos populares que se formaram durante a revolução não foram capazes de criar um partido que se mostrasse apto a governar. Por isso, a Irmandade conseguiu uma grande quantidade de votos nas eleições parlamentares, se tornando, de fato, uma força política a ser considerada. Portanto, a Irmandade Muçulmana se constituiu como uma das principais forças políticas da era pós-Mubarak.
Contudo, os militares se mantiveram no poder após a queda de Mubarak. O real governo do país é o Supremo Conselho das Forças Armadas (SCFA), que, em teoria, passaria o governo para um civil após as eleições presidenciais. Contudo, no último dia 17 de junho, a Suprema Corte dissolveu o parlamento, eleito no início de 2012, e o SCFA passou a deter os poderes legislativos. Além disso, em uma medida legislativa, o Conselho aprovou para si a prerrogativa de controlar o orçamento. Essas medidas também criaram limitações ao poder do novo presidente, entre elas a de somente poder declarar guerra com o consentimento do SCFA.
Assim, independentemente de quem seja o próximo presidente, não exercerá o poder de maneira exclusiva. Os militares e a Irmandade Muçulmana terão que saber dialogar um com o outro. Além disso, não poderão fechar os olhos para outros atores políticos que se mantêm ativos e querem fazer valer suas opiniões no novo regime que se formará. Caso um dos dois queiram exercer um poder excessivo, o resultado será a continuação da instabilidade e a não-normalização da vida política no Egito.

Em 24 de junho de 2012, a Comissão Eleitoral declarou Mohammed Mursi o vencedor.
Pela primeira vez, desde 1952, um civil irá ocupar o cargo de Presidente da República. A posse está agendada, a princípio, para o fim do mês de junho. Contudo, como os militares ainda detêm um poder significativo, ainda resta saber como será a relação entre o novo chefe do Poder Executivo e as Forças Armadas.

Quem é Mohammed Mursi?


Mohhamed Mursi Isa' al-Ayyat nasceu em 20 de agosto de 1951, na província de Sharquia, no norte do país. Engenheiro. Tem mestrado em Engenharia pela Universidade do Cairo e Phd pela Universidade da Califórnia, Estados Unidos. Foi um ator proeminente da Irmandade Muçulmana no período Mubarak, o que o fez ser preso pelo governo anterior. Ganhou notoriedade ao criticar a corrupção e a ineficiência administrativa do governo. Exerceu um mandato parlamentar entre 2000 e 2005, como independente. Foi um dos fundadores do Partido Liberdade e Justiça. Porém, não era o candidato preferido pela Irmandade Muçulmana. Ele só foi alçado à condição de candidato da organização após o pré-candidato do partido, Khairat al-Shater, ser desqualificado para concorrer. No primeiro turno, obteve 24% dos votos. No segundo, venceu com 51,73%.

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