Diariamente, somos bombardeados por informações vindas de todos os lados. Recebemos notícias, indicadores, análises, e prognósticos que chegam dos cinco continentes. Apesar da enormidade de informações, quase sempre nos vemos incapazes de compreender o que ocorre. Este blog pretende ser uma contribuição para entender esse mundo complexo. É claro, não tem a pretensão de ser um oráculo, que dê conta de tudo o que ocorre no mundo, mas uma busca incessante de entender o que acontece à nossa volta.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Dois anos de revolta na Síria

Atualizado em 24 de março de 2013

Exatamente há dois anos, em 15 de março de 2011, teve início a revolta na Síria contra o Presidente Bashar al-Asad. Inicialmente uma onda de manifestações pacíficas, a revolta se transformou em uma guerra civil para derrubar o governo. (Ver O que está acontecendo na Síria?). Estatísticas indicam que, nesses 24 meses, mais de 70 mil pessoas tenham perdido a vida no país e mais de 1 milhão de sírios tenham se tornado refugiados.
Agora, dois anos após o início da revolta, como está a realidade no terreno? Quais são as perspectivas de fim do conflito? Qual o papel da comunidade internacional?



A realidade no terreno permanece extremamente grave. Os números de mortos e refugiados não param de crescer. Há na Síria uma verdadeira crise humanitária. São frequentes e chocantes as imagens de civis, especialmente crianças, mortos ou feridos pelas tropas governamentais. Além disso, os refugiados sírios na Turquia, Líbano e Jordânia passam por imensas dificuldades.

Quanto ao aspecto militar, é inegável que os rebeldes se tornaram, de fato, um exército inimigo que luta contra o exército governamental dentro das fronteiras do país. Ou seja, é evidente que há uma guerra civil na Síria, a despeito da fala de Bashar al-Asad, que diz que se trata de uma tentativa terrorista de derrubá-lo com apoio internacional (leia-se Estados Unidos e Israel).
O chamado Exército Livre da Síria - ELS (Ver Quem é a oposição na Síria?) tem obtido ganhos territoriais significativos. As tropas rebeldes controlam nacos do território sírio, conseguiram ocupar partes da fronteira com a Turquia e tomaram bases militares que eram estratégicas para governo. Além disso,  partes de cidades importantes estão sob efetivo controle do ELS, inclusive na capital Damasco e em Aleppo, centro econômico e maior cidade do país. No entanto, um dos grandes trunfos do ELS é sua  capacidade de mobilidade. Quando os comandantes militares rebeldes percebem que um dado território está prestes a ser retomado pelo governo, se retiram e atacam em outra localidade, impedindo que o exército governamental use todo seu poder de fogo em uma batalha.
O ELS tem obtido ganhos também em sua campanha publicitária. Imagens mostrando os rebeldes derrubando helicópteros do exército governamental servem como importante fonte de propaganda para sua causa.

As perspectivas para a solução do conflito parecem distantes, contrariando algumas análises iniciais que diziam que o destino de Bashar al-Asad estava traçado e que sua derrubada era certa. Na verdade,  há um impasse na Síria. Nem as tropas governamentais conseguem vencer os rebeldes, nem o ELS consegue derrubar o governo. Isso se deve, em parte, à divisão da própria sociedade síria. Alguns grupos sociais sírios, como os cristãos, os alauítas e alguns segmentos econômicos, veem com temor a derrubada do governo, o que poderia causar, segundo seus temores, uma guerra sectária ou o controle do país por um grupo extremista que perseguiria as minorias étnicas e religiosas. Assim, tais grupos continuam a fornecer apoio ao presidente Bashar al-Asad.
Além disso, diferentemente do que ocorreu na Líbia, a comunidade internacional se recusa a prestar um apoio militar mais contundente ao ELS. Os líderes das potências ocidentais temem que as armas enviadas para ajudar os rebeldes caiam em mãos de grupos terroristas, pois há sinais evidentes de participação de grupos extremistas islâmicos atuando contra o governo de Bashar al-Asad, a quem acusam de ser ou um líder secular ou de ser um apóstata alauíta (os alauítas são um grupo religioso saído do ramo xiita do Islã).  Os Estados Unidos se limitam a enviar equipamentos de comunicação, materiais médicos e alimentos. Pelo menos por enquanto, está fora de questão o envio de armas norte-americanas aos rebeldes sírios. Contudo, há claros indícios de que os adversários regionais da Síria - principalmente Arábia Saudita e Qatar - têm enviado armas para os rebeldes (Ver A internacionalização dos conflitos na Síria).

As tentativas de mediação internacional ainda não deram frutos. Primeiro, Kofi Annan, ex-Secretário-Geral da ONU, foi enviado ao país para buscar uma saída negociada. Porém, diante das dificuldades que se apresentaram insuperáveis, Annan desistiu. Em agosto de 2012, assumiu essa missão o argelino Lakhdar Brahimi, que, até o momento, também não obteve qualquer ganho significativo quanto à resolução do conflito.
Soluções diplomáticas na ONU também têm falhado, pois qualquer tentativa de intervenção internacional direta será certamente bloqueada por Rússia e China, aliados da Síria e duas das potências que possuem poder de veto no Conselho de Segurança.

Enquanto isso, há dúvidas sobre a efetividade e representatividade da oposição política. Em novembro de 2012, os diversos grupos políticos opositores se uniram em Doha, no Qatar, e formaram a Coalizão Nacional Síria - CNS. Esse grupo obteve importantes ganhos diplomáticos. A França o reconheceu como o "legítimo representante do povo sírio", os Estados Unidos admitiram sua legitimidade e a Liga Árabe concedeu à CNS o assento reservado à Síria. Porém, com a situação militar indefinida, é difícil ver uma importância mais que nominal nesse grupo. Como Bashar al-Asad não aventa a possibilidade de negociar uma transição política, a CNS continuará a ser uma espécie de "governo no exílio", completamente distante dos grupos opositores que atuam dentro da Síria. Somente após a derrubada, pelas armas, de Bashar al-Asad, a CNS poderá exercer um papel verdadeiro.
Para piorar, a própria Coalizão enfrenta rachas internos. Em 19 de março de 2013, a CNS elegeu como Primeiro-Ministro o sírio-americano Ghassan Hitto para exercer o poder executivo nas áreas controladas pelos exércitos rebeldes no norte e no leste da Síria. No entanto, no próprio processo de eleição, houve membros do CNS que boicotaram o pleito. Ainda pior, líderes militares do Exército Livre da Síria não reconheceram Hitto como seu representante, apesar de manifestações favoráveis a ele inicialmente.
Além disso, o Presidente da Coalizão, Ahmed Moaz al-Hatib, renunciou em 24 de março, se dizendo frustrado pela falta de progresso na ajuda internacional e acusando certos grupos de quererem tomar para si a revolução por conta de interesses particulares.

Desse modo, lamentavelmente, esses dois anos de revolta parecem ser apenas o início de uma guerra civil longa e sangrenta.

segunda-feira, 11 de março de 2013

Crise nas Coreias


Nesta semana, temos assistido à crise entre as Coreias do Norte e do Sul. Os norte-coreanos emitiram ameaças de romper a frágil trégua entre os dois países da pequena península asiática, enquanto os sul-coreanos divulgaram que realizariam exercícios militares em conjunto com os Estados Unidos.
Como podemos compreender as tensas relações entre as duas Coreias?

O conflito remonta ao início da Guerra Fria, mais especificamente à divisão da península ao fim da Guerra da Coreia (1950-1953).
Durante a Segunda Grande Guerra, a península coreana  era parte do Império Japonês. Ao fim da guerra, com a derrota do Japão, os até então aliados Estados Unidos e União Soviética decidiram partilhar a ocupação do território. Escolheram como ponto de demarcação de suas tropas o paralelo 38ºN. Os soviéticos ocuparam o norte da Península Coreana, com a ajuda de aliados locais, e os norte-americanos passaram a ocupar a parte sul.
Em 1948, os soviéticos desocuparam o norte do território, quando foi criada a República Popular da Coreia do Norte, sob controle do Partido Comunista local, presidida por Kim Il Sung. E em 1949, os Estados Unidos retiraram-se do Sul, dando origem à República da Coreia, presidida por Syngman Rhee. O paralelo 38ºN foi tomado como a fronteira entre os dois novos países.

As relações entre a União Soviética e os Estados Unidos já estavam bastante precárias no final da década de 1940 e a península da Coreia era um dos pontos do globo onde o conflito entre as duas superpotências era travado. Ao se retirarem do norte da península, os soviéticos passaram o poder aos comunistas locais e não permitiram que a ONU realizasse um referendo sobre a reunificação do território. Tal postura criou uma profunda contrariedade por parte do governo dos Estados Unidos. Por outro lado, as relações entre as forças locais eram de animosidade aberta, em parte reflexo do confronto entre soviéticos e norte-americanos.
Diante disso, as relações entre as duas Coreias eram tensas. Ambos os governos reivindicavam o governo de toda a península e frequentemente havia escaramuças fronteiriças. Porém, em 25 de junho de 1950, o governo norte-coreano reuniu suas tropas e - o que para muitos foi uma grande surpresa - invadiu a Coreia do Sul. Prontamente houve reações sul-coreanas e norte-americanas a essa medida e a guerra teve início.
Após intensos combates, em que os Estados Unidos forneceram armamentos para seus aliados do Sul e a China entrou na guerra ao lado do Norte, a Guerra da Coreia terminou em 1953 com um acordo de armistício. A fronteira permaneceu fixada no paralelo 38ºN. Não houve um tratado de paz, mas uma manifestação de término das hostilidades. Desde então, as Coreias não mantêm relações diplomáticas e vivem oficialmente em estado de guerra. A situação se manteve estável durante boa parte do século XX, embora crises ocasionais ocorressem.


No entanto, ao longo do tempo, ocorreram algumas tentativas de reaproximação entre os dois vizinhos. No início dos anos 2000, parecia que um acordo de paz estava a caminho. Em 2000, o Presidente da Coreia do Sul fez uma visita ao Norte e nas Olimpíadas de Sidney, também em 2000, as delegações dos dois países entraram juntas na cerimônia de abertura dos jogos, sob uma mesma bandeira. Contudo, todos esses empreendimentos falharam em obter a paz entre os dois países ou uma unificação da península.
A situação começou a se agravar durante o governo de Kim Jong-Il (filho de Kim Song Il, morto em 1994), por conta do programa nuclear norte-coreano. Em 2002, o governo norte-coreano resolveu reativar seu programa nuclear e passou a não permitir inspeções dos oficiais da Agência Internacional de Energia Atômica - AIEA. Em 2006, o governo anunciou que havia explodido um artefato nuclear.
A partir de então, os norte-coreanos adotam uma política pendular entre uma aproximação e um distanciamento em relação à comunidade internacional. Praticamente isolado, o país depende fundamentalmente da China, seu maior aliado e parceiro comercial, para obter alimentos, combustíveis e armas.
Em dezembro de 2011, Kim Jong-Il morreu e seu filho Kim Jong-Un assumiu o comando do país. Jovem, apontado por alguns como amante do entretenimento ocidental, despertou esperança de que poderia haver uma nova tentativa de aproximação com a Coreia do Sul e com os Estados Unidos, assim como o abandono do programa nuclear. Porém, rapidamente, o jovem líder mostrou que manteria a postura política de seu pai e de seu avô.
No início de 2013, o governo norte-coreano anunciou a explosão de mais um artefato nuclear. A comunidade internacional adotou sanções contra o país por meio do Conselho de Segurança da ONU, contando, inclusive, com o voto da China.
Como reação,  Kim Jong-Un cortou a linha de comunicação com a Coreia do Sul e declarou nulos os acordos de armistício. A tensão está em um nível elevado e alguns analistas temem uma nova guerra na península coreana.
Devemos aguardar os próximos desdobramentos para vermos se tal temor irá se dissipar ou não.

sexta-feira, 1 de março de 2013