Diariamente, somos bombardeados por informações vindas de todos os lados. Recebemos notícias, indicadores, análises, e prognósticos que chegam dos cinco continentes. Apesar da enormidade de informações, quase sempre nos vemos incapazes de compreender o que ocorre. Este blog pretende ser uma contribuição para entender esse mundo complexo. É claro, não tem a pretensão de ser um oráculo, que dê conta de tudo o que ocorre no mundo, mas uma busca incessante de entender o que acontece à nossa volta.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

10 anos da Guerra do Iraque - 2ª parte

Intervenção norte-americana e a falência do Estado iraquiano (2003-2013)

Após a invasão norte-americana em 2003, o Iraque entrou em estado de caos. Após o otimismo inicial com a rápida vitória militar, o que imperou foi a violência e a desestruturação do Estado iraquiano.



Assim que o regime foi derrubado, iniciou-se uma violenta insurgência contra as tropas lideradas pelos Estados Unidos, marcada pela utilização de ataques suicidas e carros-bomba, além de ataques entre os próprios iraquianos, em uma luta sectária que permanece até hoje. Até mesmo a ONU foi atacada. O pior atentado contra a ONU ocorreu em agosto de 2003, quando uma bomba explodiu no quartel-general da organização, matando o Representante Especial das Nações Unidas para o Iraque, o brasileiro Sérgio Vieira de Mello.
O auge do terrorismo no Iraque foi em 2006. Diante disso, as tropas norte-americanas foram elevadas para 170 mil soldados. A partir de então, as tropas norte-americanas, agora comandadas pelo General David Petraeus, realizaram várias operações militares para desbaratar os grupos insurgentes, obtendo ganhos consideráveis no terreno, o que provocou o declínio da violência a partir de 2007. No entanto, os ataques não cessaram completamente e nos anos subsequentes continuamos a ver episódios de atentados que matam dezenas de pessoas em ruas, mercados e mesquitas.
Os números da guerra indicam a gravidade da situação no Iraque. Foram cerca de 5 mil soldados norte-americanos mortos e mais de 30 mil feridos. Já entre os iraquianos, estatísticas indicam que o número de mortos passa de 100 mil. Por outro lado, para conter a violência, as tropas norte-americanas protagonizaram episódios graves de tortura e maus-tratos a prisioneiros iraquianos, como o caso ocorrido na prisão de Abu-Ghraib, que produziu uma série de protestos ao redor do mundo.
Assim, ao longo desses 10 anos, o que vimos foi o fracasso dos objetivos declarados pelo Presidente norte-americano George W. Bush (2001-2009) ao invadir o Iraque. A democracia, embora formalmente instalada, com um parlamento em funcionamento, é frágil e exposta às divisões religiosas e étnicas. O Iraque, ao invés de se tornar um ator relevante e vetor de estabilização regional, virou um local onde terroristas conseguem atuar com facilidade e é fonte de instabilidade para outras regiões do Oriente Médio. A al-Qaeda, até então fraca entre os iraquianos, fincou posição no país, com o surgimento de diversos grupos inspirados pela organização liderada por Osama bin Laden, dentre eles o grupo intitulado "al-Qaeda no Iraque". Além disso, o objetivo de destruir as armas de destruição em massa do Iraque tornou-se irrelevante quando vieram à tona informações que desmentiam completamente a existência de tal arsenal.
A captura de Saddam Hussein, em dezembro de 2003. foi certamente uma vitória para Bush, que conseguiu sua reeleição em 2004. No entanto, politicamente o governo do Republicano se enfraquecia, em grande parte devido às falhas na condução da guerra - e por conta dos gastos com a operação militar. Com isso, em 2006, os Democratas venceram as eleições para o Congresso. Pouco antes, o Secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, renunciou, tendo sido severamente criticado pelo pífio gerenciamento da guerra.
Com efeito, houve diversas críticas à estratégia norte-americana no período pós-invasão. Ao invés de passar o poder político diretamente para os iraquianos, o governo dos Estados Unidos criou uma Autoridade de Ocupação, fazendo emergir uma séria oposição da grande maioria dos iraquianos - população que os norte-americanos esperavam agradar derrubando a ditadura de Saddam Hussein. Além disso, analistas criticam o desmantelamento do Exército iraquiano e a expulsão de importantes figuras do Partido Ba'ath da política e da vida pública, o que desestruturou o Estado iraquiano por completo.
Somente em junho de 2004, mais de um ano após a derrubada do governo de Saddam Hussein, os norte-americanos passaram o poder político para os iraquianos. Em 2005, houve eleições para um parlamento provisório. Os xiitas venceram o pleito, boicotado pelos sunitas. No final do ano, foi aprovada uma nova constituição.
Em janeiro de 2006, ocorreram novas eleições parlamentares. Novamente os xiitas venceram e os sunitas boicotaram. Decorrente disso, houve um impasse político no Iraque. Os norte-americanos tentaram de todas as formas aplacar as diferenças entre as diferentes comunidades. Após muitas negociações, o xiita Nuri Kamal al-Maliki foi indicado Primeiro-Ministro. Foi a primeira vez que os muçulmanos xiitas iraquianos, a maioria da população, chegaram ao poder no país.
No entanto, a solução para o impasse político nunca se obteve plenamente. A cisão entre xiitas e sunitas se agravava em torno do poder político, e as contendas entre árabes e curdos se mantiveram acesas no norte do país.
A luta entre xiitas e sunitas pelo controle político se agrava a cada dia. Em 2010, sob pressão americana, Nuri al-Maliki tentou formar um governo de união nacional, que englobasse as várias comunidades do país. Contudo, Maliki é acusado de usar o poder para perseguir oponentes e para concentrar maiores poderes. O episódio mais recente foi quando Maliki acusou o vice-presidente, o sunita Tariq al-Hashemi, de estar por trás de atentatos terroristas contra a população xiita e emitiu uma ordem de prisão contra ele. Hashemi nega todas as acusações e diz que Maliki usou esse pretexto para afastá-lo do governo. Hashemi se refugiou em Istambul. Porém, antes disso, ele se refugiou em Erbil, cidade considerada a capital do Curdisão iraquiano. Dali ele declarou sua oposição a Maliki e o acusou de autoritarismo.
Esse episódio acirrou as animosidades entre os curdos e o poder central em Bagdá. Após a invasão, os curdos obtiveram grande autonomia no norte do país - inclusive possuindo suas próprias forças de segurança. Assim, o Iraque tem oficialmente dois exércitos: um leal a Bagdá e um comandado pelos curdos. Diante disso, como o Curdistão tem sua própria força de segurança, Maliki não pode enviar o exército para prender Hashemi.
A relação entre árabes e curdos tem sido péssima. Os curdos adotaram políticas no pós-invasão para reverter a política de Saddam Hussein de povoar o norte do pais com população árabe. Assim, muitos curdos defendem a transferência da população árabe para o Sul. Confrontos são recorrentes, centrados principalmente na cidade de Kirkuk. Além disso, os políticos curdos têm prestado pouca ou nenhuma conta ao governo de Bagdá sobre suas relações com exterior, como quando assinaram um contrato de concessão de petróleo à empresa Exxon e a uma empresa turca, sem o consentimento do governo de Maliki.
Tudo isso impede que os Estados Unidos tenham uma parceria efetiva com o Iraque.
Um outro grave problema para os objetivos estratégicos norte-americanos no Oriente Médio tem sido a aproximação do governo iraquiano com o Irã. Pela primeira vez há a possibilidade de diálogo entre os dois países, pois ambos são governados por xiitas. O governo de Nuri al-Maliki tem sido acusado de permitir que o Irã contorne as sanções internacionais por causa de seu programa nuclear através do Iraque (Ver Programa nuclear do Irã). Além disso, o governo de Maliki permitiu que uma milícia apoiada pelo Irã atue legalmente no país. Com efeito, os Estados Unidos nunca puderam contar com o apoio da totalidade dos xiitas do Iraque. Uma das mais fortes fontes de oposição aos Estados Unidos no período pós-invasão foi o chamado Exército Mahdi, liderado pelo clérigo xiita Moqtada as-Sadr. Assim, os Estados Unidos temem a formação de um "arco xiita" anti-americano, formado pelo Irã, Iraque e pelo grupo libanês Hizbollah.
Agora, após as revoltas eclodindo no Oriente Médio, tal situação está ainda mais complexa, pois mesmo os grupos que antes eram pró-americanos estão criando laços com o Irã. O caso mais emblemático na aproximação dos governos do Iraque e do Irã é a posição  de ambos quanto ao conflito na Síria. O governo de Nuri al-Maliki teme que uma vitória dos sunitas na Síria possa fortalecer os sunitas iraquianos. Teme ainda que ambos os grupos sunitas possam criar um front unificado para derrotar os governos de Damasco e Bagdá. Por conta disso, o Iraque tem permitido que o Irã use seu território para fornecer armas para Bashar al-Asad, gerando a hostilidade de países aliados dos Estados Unidos, como Arábia Saudita e Turquia (ver A internacionalização dos confrontos na Síria).


Presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad (esq.), e o Primeiro-Ministro do Iraque, Nuri al-Maliki

Portanto, os Estados Unidos têm diante de si um complexo arranjo geopolítico no Oriente Médio, pois há um racha claro entre seus aliados e um governo em que os Estados Unidos estão lutando para manter a influência, afastando-o de Teerã.
Toda essa situação se tornou mais complexa quando em dezembro de 2011 os Estados Unidos encerraram oficialmente as operações no Iraque, uma promessa de campanha de Barack Obama. Ou seja, agora os iraquianos estão por si mesmos. No entanto, a estabilidade tão sonhada no Iraque não veio. Atentados a bomba, assassinato de inocentes e as rivalidades políticas ainda são a regra no país. Os Estados Unidos, às voltas com seus graves problemas econômicos, não podem mais assumir o fardo de "pacificar" o Iraque.
Enfim, as forças liberadas pela invasão norte-americanas ainda estão muito vivas e não há, no curto prazo, prospectos de uma maior estabilização do Iraque.

Ver também:
10 anos da Guerra do Iraque - 1ª parte
O sombrio horizonte do Iraque
A internacionalização dos confrontos na Síria

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