Diariamente, somos bombardeados por informações vindas de todos os lados. Recebemos notícias, indicadores, análises, e prognósticos que chegam dos cinco continentes. Apesar da enormidade de informações, quase sempre nos vemos incapazes de compreender o que ocorre. Este blog pretende ser uma contribuição para entender esse mundo complexo. É claro, não tem a pretensão de ser um oráculo, que dê conta de tudo o que ocorre no mundo, mas uma busca incessante de entender o que acontece à nossa volta.

terça-feira, 23 de julho de 2013

O sombrio horizonte do Iraque

Nos últimos meses, a violência tem se intensificado no Iraque. Centenas de pessoas foram mortas em recorrentes atentados com carros bomba ou por meio de militantes suicidas. A luta entre diferentes segmentos da população tem degenerado em uma violência sem fim, que beira a guerra civil. Mas afinal, há perspectivas de uma estabilização no país?


As tropas norte-americanas deixaram o Iraque em dezembro de 2011 após ocuparem o país desde a invasão de 2003 (Ver 10 anos da Guerra do Iraque parte 1 e parte 2). Embora fosse uma demanda de muitos iraquianos, a retirada dos soldados norte-americanos abriu caminho para uma atuação mais forte de grupos extremistas, que têm a intenção de transformar o Iraque em um Estado islâmico. Após a saída dos Estados Unidos, o governo iraquiano não foi capaz de prover segurança para sua população, por carecer tanto de meios militares diretos para enfrentar os extremistas, quanto de especialização em inteligência para evitar os atentados.
Além disso, políticos têm sido frequentemente acusados de usar a violência para eliminar adversários, na busca por vitórias políticas que não foram alcançadas nas urnas.  
Porém, o que temos visto nos últimos meses é a intensificação da violência direcionada a civis. Somente no mês de maio de 2013, mais de 900 pessoas foram mortas por explosões de carros bomba ou por ataques de militantes suicidas. Dentre todos os grupos que se sobressaem nessa tática está a organização "Estado Islâmico do Iraque" (EII), um grupo com ligações com a Al-Qaeda.
O EII foi criado em 2005 por Abu Musab Al-Zarqawi - um jordaniano conhecido por travar lutas em várias partes do Oriente Médio - em meio à luta dos insurgentes contra as tropas dos Estados Unidos. Surgiu da união de vários grupos extremistas em atuação no país, como a Al-Qaeda no Iraque. É um grupo de orientação muçulmana sunita e seu alvo principal é a comunidade de muçulmanos xiitas (a maioria da população do país) em mesquitas, mercados e em ruas apinhadas de civis. O período em que esteve mais ativo foi entre 2006 e 2007. No momento, o grupo anunciou que se uniu à Frente An-Nusra, organização extremista em atuação na Síria, formando o "Estado Islâmico do Iraque e do Levante". A união foi confirmada por um dos líderes do grupo, mesmo contra as determinações de Ayman Al-Zawahiri, líder da Al-Qaeda após a morte de Osama bin Laden.
Assim, a relação entre o EII e o centro de comando da Al-Qaeda parece estar estremecida. Porém, o importante a destacar é que os últimos atentados demonstram claramente inspiração nas táticas da Al-Qaeda, como quando em apenas uma noite durante o Ramadã (mês sagrado dos muçulmanos), 11 carros bomba explodiram e seis bombas em estradas foram detonadas. Os ataques foram coordenados, ocorrendo em um intervalo de apenas 2 horas, e matou pelo menos 41 pessoas, deixando outras dezenas feridas. Os atentados ocorreram em vizinhanças de maioria xiita.
Portanto, o que podemos ver no Iraque é uma situação clara de violência entre comunidades, o que, com efeito, pode levar a uma guerra civil. Analistas políticos afirmam que esse horizonte não está tão distante porque mesmo políticos que participam do processo eleitoral têm recorrido ao tema das divisões religiosas para se promoverem, ao invés de trabalharem para amenizar as tensões. Na verdade, os políticos colaboram para o clima de instabilidade. Os xiitas estão no poder no país - o presidente é o xiita Nuri Al-Malik. Já os sunitas reivindicam mais poder para sua comunidade. Não raro, as desavenças chegam a níveis de violência aberta.
Assim, o país parece estar voltando à situação de 2006, quando se iniciou a guerra civil no Iraque. Na ocasião, militantes ligados à Al-Qaeda explodiram um carro bomba em uma mesquita xiita em Samara. Como represália, milícias xiitas atacaram alvos sunitas. Agora, algo similar está ocorrendo. Em julho de 2013, um militante suicida sunita se explodiu em uma cerimônia fúnebre de um líder xiita na cidade de Muqqadyya. Como represália, xiitas expulsaram várias famílias sunitas das redondezas e uma mesquita sunita foi atacada. Não podemos afirmar com certeza que o ciclo de violência será reativado como em 2006, mas o terreno está fértil para esse desdobramento.
O que fica claro é que a invasão norte-americana abriu a caixa de pandora das antigas rivalidades entre as comunidades. Embora o país estivesse sob uma infame ditadura, e muitos iraquianos esperassem ansiosamente pela queda de Saddam Hussein, a desestruturação do Estado iraquiano em maio de 2003 abriu espaço para a violência desenfreada no país, que degenerou na guerra civil que se desenvolveu com mais vigor em 2006. Os Estados Unidos conseguiram conter a violência extrema a partir de 2007. Porém, ao deixarem o país, as rivalidades foram revigoradas.
A situação no Iraque se agravou ainda nos últimos dois anos por conta da instabilidade na região após as revoltas nos países árabes, principalmente por conta da guerra civil na Síria. Mesmo que o governo iraquiano tente controlar a entrada e saída de pessoas de seu território, as fronteiras entre os dois países se mantêm porosas e o que vemos é o constante fluxo de militantes extremistas entre o território sírio e iraquiano. A união do Estado Islâmico do Iraque e da Frente An-Nusra demonstra que há um contato muito próximo entre os extremistas lutando nos dois fronts.


Ainda que o governo iraquiano tente por todos meios evitar a escalada da violência, as tensões entre xiitas e sunitas estão altas, enquanto o Estado iraquiano não dispõe de condições de conter os grupos extremistas. A possibilidade de guerra civil é grande e os iraquianos sentem-se abandonados depois de uma ocupação estrangeira de quase uma década que levou o país às ruínas.
Assim, a estabilidade tão almejada no Iraque ainda parece um sonho distante.

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