Diariamente, somos bombardeados por informações vindas de todos os lados. Recebemos notícias, indicadores, análises, e prognósticos que chegam dos cinco continentes. Apesar da enormidade de informações, quase sempre nos vemos incapazes de compreender o que ocorre. Este blog pretende ser uma contribuição para entender esse mundo complexo. É claro, não tem a pretensão de ser um oráculo, que dê conta de tudo o que ocorre no mundo, mas uma busca incessante de entender o que acontece à nossa volta.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

O que está acontecendo na Faixa de Gaza?

Entre 14 e 21 de novembro de 2012, a aviação israelense bombardeou pesadamente alvos na Faixa de Gaza, causando destruição e morte entre civis palestinos. Em resposta, grupos palestinos revidaram, lançando foguetes contra o território de Israel. Mas, afinal, quais são as razões de mais esse confronto entre israelenses e palestinos?


A ofensiva israelense foi mais um capítulo do longo conflito Israel-Palestina. O objetivo declarado do governo de Israel era destruir estruturas militares do Hamas na Faixa de Gaza.
O Hamas controla a Faixa de Gaza desde que expulsou a Autoridade Nacional Palestina do território em 2007 (há um conflito entre a Autoridade Palestina, presidida por Mahmoud Abbas, do partido Fatah, e o Hamas - ver "O que é a Questão da Palestina, parte 3"). Desde então, frequentemente, a ala militar do Hamas, a Brigada Izz ad-Din al-Qassam, lança foguetes contra o território de Israel, que responde com ataques da Força Aérea. Durante esses cerca de 5 anos, o Hamas tem oscilado entre lançar foguetes e agir politicamente, com o objetivo de obter apoio à sua causa perante governos árabes ou muçulmanos. Além do Hamas, outros grupos atuantes na Faixa de Gaza lançam foguetes contra Israel, como a Jihad Islâmica, as Brigadas dos Mártires de al-Aqsa e os Comitês de Resistência Popular.
Para evitar que tais ataques aconteçam, Israel desencadeou a operação denominada "Pilar de Defesa".
Porém, ambos os lados acusaram-se mutuamente por ter começado os confrontos. Israel acusou o Hamas de ataques contra um veículo militar e por atacar soldados na fronteira no início de novembro. Já o Hamas culpou Israel, que assassinou um rapaz com problemas mentais em 5 de novembro e já havia cometido outros ataques em outubro, isto é, antes dos ataques palestinos.
Contudo, o que provocou a escalada de violência foi o assassinato de Ahmed al-Jaabari, líder militar do Hamas, em 14 de novembro, por um avião israelense. Somente após esse ato é que o Hamas e a Jihad Islâmica lançaram a mais pesada carga de foguetes contra  o território de Israel.
Houve uma novidade considerável nesta confrontação: os foguetes lançados pelo Hamas atingiram distâncias maiores do que em confrontos anteriores. Até então, os foguetes disparados da Faixa de Gaza eram de origem artesanal, atingindo, no máximo, 30 quilômetros. Porém, desta vez, os foguetes utilizados foram mais potentes e o Hamas, inclusive, utilizou mísseis Fajr-5, de fabricação iraniana, que têm condições de atingirem grandes distâncias. Munidos dessas novas armas, o Hamas conseguiu lançar foguetes que atingiram Tel Aviv e Jerusalém. Tais ataques não causaram mortes, mas o efeito psicológico foi tremendo.



No entanto, para além dessas escaramuças militares, muito mais estava em jogo na ofensiva israelense e nos ataques de foguetes do Hamas. 
É importante salientar que, no lado israelense, havia uma clara conotação eleitoral nessa operação. Em janeiro de 2013, ocorrerão eleições em Israel e o atual Primeiro Ministro, candidato à reeleição, Benjamin Netanyahu, queria demonstrar para seus eleitores que tem capacidade de enfrentar os "terroristas". É interessante notar que nas últimas três eleições, Israel realizou operações militares contra seus inimigos: em 2006, o ex-Primeiro Ministro Ehud Olmert (do partido Kadima) lançou ataques contra o Líbano, com o objetivo de destruir o Hizbollah, em que morreram cerca de 1.000 libaneses, dentre eles 7 brasileiros; em 2008-09, Olmert atacou o próprio Hamas, na operação "Chumbo Derretido", que causou a morte de mais de 1.400 palestinos; e nesta última, tendo à frente Netanyahu (do partido Likud), os ataques israelenses causaram 163 mortes de palestinos (6 israelenses morreram). Assim, fica claro que os diferentes partidos políticos disputam para ver quem é mais "duro" contra os "terroristas".
Além disso, Netanyahu quis, com essa operação, tirar o foco dos movimentos diplomáticos do Presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas. Abbas anunciou que no final de novembro irá apresentar às Nações Unidas um pedido de aceitação da Palestina como Estado Observador Não-Membro, mesma categoria do Vaticano. Abbas avalia que já pode contar com o voto da maioria dos Estados Membros da Assembleia Geral. Se a iniciativa de Abbas for vitoriosa, os palestinos poderão ingressar em vários órgãos internacionais, dentre os quais o Tribunal Penal Internacional. Isso causaria um grande revés para Israel, que não teria mais as mãos livres para realizar ataques contra a Faixa de Gaza.
Por outro lado, ao lançar ataques contra Israel, o Hamas tinha o objetivo de se manter como protagonista no conflito contra os israelenses. Vale notar que a grande popularidade do Hamas entre alguns setores da sociedade palestina advém de uma percepção de que os movimentos diplomáticos de Mahmoud Abbas são inúteis. Entre muitos palestinos, há um desânimo quanto às soluções políticas, já que a Autoridade Palestina tenta negociar com Israel, mas o atual governo continua construindo assentamentos na Cisjordânia e se recusa a aliviar o bloqueio à Faixa de Gaza, que depende de produtos de fora para necessidades básicas (com o bloqueio israelense, a situação humanitária na Faixa de Gaza é extremamente precária).
Assim, esse movimento militar do Hamas foi também uma ofensiva contra a via diplomática de Mahmoud Abbas. Se Abbas conseguir ter sucesso em sua iniciativa na ONU, será um revés político para o Hamas.

Atualização de 1° de dezembro de 2012
Porém, de forma surpreendente, contrariando sua postura precedente, líderes do Hamas manifestaram apoio à proposta levada à ONU por Mahmoud Abbas. Tudo indica que o Hamas, ciente de que tal proposta era popular entre os palestinos e de que a aprovação era certa, teve de rever sua linha política e decidiu mudar sua posição.


No meio do fogo cruzado, milhares de civis palestinos ficaram expostos a serem mortos em suas atividades simples, como ir ao mercado, à escola ou ao trabalho. E mesmo em casa não estavam seguros - um prédio residencial foi atingido em 18 de novembro, onde morreram 12 civis. Por outro lado, milhares de israelenses ficaram à mercê dos foguetes lançados da Faixa de Gaza e ao ouvirem as sirenes precisaram buscar refúgio em abrigos subterrâneos.
Em 21 de novembro de 2012, às 21 horas, no horário local (17h em Brasília), após intensas discussões diplomáticas, iniciou-se o cessar-fogo. 163 palestinos e 6 israelenses perderam a vida em 8 dias de confrontos. Contudo, há uma contínua tensão na fronteira. No dia 22, Israel matou um palestino que se aproximou da cerca que separa a Faixa de Gaza e Israel. Um dos líderes do Hamas protestou, mas manteve o cessar-fogo.
Porém, ainda temos de esperar os próximos dias para ver se o cessar-fogo, de fato, será respeitado.

Ver também:
Quem é o Hamas?
O que é a Questão Palestina? 3ª parte: Dos acordos de Oslo ao impasse atual (1993-2012)
O que é a Questão Palestina? 2ª parte: Da fundação de Israel aos Acordos de Oslo (1948-1993)
O que é a Questão Palestina? 1ª parte: 1ª parte (1882-1948)

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