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quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Possibilidades e desafios das negociações entre israelenses e palestinos

No final do mês de julho de 2013, israelenses e palestinos concordaram em voltar à mesa de negociações. Houve muito ânimo por parte da comunidade internacional. Espera-se que, finalmente, as conversações deem um fim ao conflito. Porém, como apresentado na postagem anterior (Ver As negociações entre israelenses e palestinos), alguns pontos são centrais nas negociações e geram inúmeras controvérsias que deverão ser efetivamente tratadas. Afinal, quais são as possibilidades e os desafios das negociações entre israelenses e palestinos?


Analisando o cenário atual da política israelense e palestina, qualquer previsão parece precipitada. Porém, uma coisa é certa: há inúmeras questões que tornam um acordo bastante difícil. Provavelmente, os dois lados presentes na mesa de negociação estão, de fato, interessados em chegar a um acordo. A negociadora israelense, a Ministra da Justiça Tzipi Livni, vem demonstrando nos últimos anos que sua principal bandeira política no terreno diplomático é que Israel deve chegar, o mais rápido possível, a um entendimento com os palestinos. Livni faz parte de um bloco político israelense que entende que a situação de ocupação dos Territórios Palestinos é insustentável e é prejudicial aos interesses de Israel. Segundo essa corrente, a ocupação militar e os repetidos episódios de sofrimento infligido a civis palestinos tiram a legitimidade de Israel perante a comunidade internacional. Além disso, políticos dessa corrente advertem contra o isolamento diplomático de Israel. Recorrentes medidas internacionais de retaliação à política israelense quanto à colonização na Cisjordânia causam prejuízo para o país - como quando a União Europeia adotou sanções contra produtos produzidos em assentamentos.
No lado palestino, a negociação é liderada por Saeb Erekat, que está há anos envolvido com o processo de diálogo com Israel. Erekat é um político e acadêmico: cursou Mestrado em Estudos sobre a Paz na Universidade do Estado de São Francisco (Estados Unidos) e Doutorado em Estudos sobre Paz e Conflitos na Universidade de Bradford (Inglaterra). Na Cisjordânia, foi professor de Ciência Política na Universidade An-Najah. Erekat participou das negociações que resultaram nos Acordos de Oslo e foi negociador-chefe palestino entre 1995 e 2003. Erekat faz parte de um bloco político palestino que defende a solução de dois Estados e que reconhece o Estado de Israel. Ele está entre os mais importantes nomes do Partido Fatah - agremiação do Presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, e principal legenda da Organização para a Libertação da Palestina (OLP).
No entanto, apesar da disposição de Livni e Erekat a negociar, eles sabem que o processo é lento e difícil. Tanto que mantêm a maioria dos pontos em segredo e fizeram uma previsão de 9 meses para um acordo. No dia 14 de agosto de 2013, houve uma primeira rodada de conversações, mas nenhum detalhe foi divulgado.

Embora a simples aceitação de ambos os lados em voltar a conversar tenha gerado um grande ânimo na comunidade internacional, há vários desafios que os negociadores devem vencer para chegar a algum acordo.
O principal desafio é derrotar a oposição interna. Os adversários da negociação nos dois lados são extremamente atuantes e usam sua força para marcar posição e, não raro, minar as chances de acordo. 
Do lado israelense, os principais adversários são os políticos pró-assentamento e/ou contrários à retirada total da Cisjordânia. O complicador para o governo do Primeiro Ministro Benjamin Netanyahu é que políticos dessa corrente estão no próprio governo. O principal representante dessa tendência é o partido político Casa Judaica (Bayit Yehudi), cujo principal líder, Naftali Bennett, é nada menos que o Ministro da Economia. Bennett se mostrou, desde o início, contrário à negociação com os palestinos. Em entrevistas recentes, ele disse que é totalmente oposto à criação de um Estado palestino e defende a anexação completa da Cisjordânia (território que os favoráveis aos assentamentos chamam de "Judeia e Samária"). Dessa forma, o governo Netanyahu está em uma posição ambígua. Seu gabinete está dividido. De um lado, a Ministra da Justiça é a favor das negociações; de outro, o Ministro da Economia é contrário.
Os políticos do partido Casa Judaica já ameaçaram se retirar do governo se Netanyahu for adiante nas negociações. Isso poderá gerar uma crise política, pois a maioria liderada por Netanyahu será desmantelada. Por outro lado, líderes do Partido Trabalhista, agremiação que hoje está na oposição, afirmaram que se a Casa Judaica abandonar o governo, o Partido Trabalhista tomará o seu lugar.
Do lado palestino, a situação também não é fácil. O principal opositor das negociações é o Movimento de Resistência Islâmica, o Hamas. Os políticos do Hamas alegam que Mahmoud Abbas não tem legitimidade para negociar em nome de todos os palestinos. Vale dizer que o Hamas e o Fatah (partido de Abbas) são adversários políticos de longa data, situação que degenerou em inimizade aberta desde que o Hamas tomou o controle da Faixa de Gaza, em 2007. As tentativas de reconciliação entre os grupos não vêm tendo sucesso nos últimos anos. As negociações com Israel, com certeza, estão entre os entraves ao acordo entre ambos. Teoricamente, o Hamas não reconhece Israel e não aceita a solução de dois Estados, embora em algumas ocasiões, líderes políticos do grupo acenem com essa possibilidade. Contudo, além do Hamas, há outros grupos menores atuando na Faixa de Gaza que também são contra as conversações.
A situação no terreno também é muito ruim. Logo depois do anúncio do reinício do diálogo, 4 foguetes foram lançados da Faixa de Gaza contra Israel, muito provavelmente pela Jihad Islâmica da Palestina. Do lado israelense, em 20 de julho, colonos atacaram palestinos em Hebron. O clima político ficou mais tenso em toda a Palestina. No dia 14 de agosto, data prevista para a primeira rodada de negociações em Jerusalém, Israel bombardeou a Faixa de Gaza, em resposta ao disparo de um foguete.

Saeb Erekat, Secretário de Estado norte-americano John Kerry e Tzip Livni.

Diante disso, a chave para o sucesso das negociações será a vitória contra os opositores da negociação entre israelenses e palestinos.
Para amenizar um pouco a oposição interna, ambos os lados já manifestaram que qualquer proposta de acordo irá passar por um referendo. Com isso, sabem que, se o acordo for aprovado, terão ao seu lado a legitimidade de um processo democrático. Resta saber, portanto, como ambas as populações irão se posicionar se houver um acordo na mesa de negociações.
Isso está relacionado à visão das populações de ambos os lados sobre a solução de dois Estados. Segundo pesquisa Gallup, 52% dos israelenses judeus apoiam a solução de dois Estados, contra 40% contrários e 8% sem opinião. Por outro lado, 64% dos entrevistados não acreditam que tal solução seja alcançada algum dia. Somente 28% dos israelenses judeus têm esperança de que um dia seja criado um Estado palestino ao lado do Estado de Israel.
Já no lado palestino, há uma maior tendência a aceitar a solução de dois Estados, indicando uma visão clara da aceitação da realidade do Estado de Israel. Porém, há uma nítida diferença entre os habitantes dos dois territórios palestinos: 70% dos palestinos da Cisjordânia aceitam a solução de um Estado palestino vivendo ao lado do Estado de Israel, enquanto somente 48% dos habitantes da Faixa de Gaza aceitam tal situação.
Ou seja, há chances de aprovação do acordo em caso de um referendo.
No entanto, evidentemente, isso depende do teor do acordo que será obtido na mesa de negociações (se, de fato, houver acordo). A solução de dois Estados requer muito mais que a simples aceitação da existência do outro. Há questões sensíveis a serem negociadas que parecem colocar os dois lados em posições irreconciliáveis.

Um dos principais problemas é quanto ao status de Jerusalém. A maioria dos palestinos não aceitará um Estado sem Jerusalém Oriental como capital. No lado israelense, por sua vez, há um grande contingente que não aceitará a divisão da cidade. O governo de Netanyahu já disse que Jerusalém é a capital "eterna e indivisível" de Israel.
Quanto aos assentamentos, muitos israelenses acreditam que algumas colônias devem permanecer sob controle israelense. Isso os palestinos podem até aceitar, desde que haja uma troca equilibrada de territórios. Mas os assentamentos em Jerusalém (considerados bairros pelos israelenses) não serão tolerados pelos palestinos. Nem outros que possam impedir um Estado palestino contíguo.
O próprio Netanyahu indica pouca disposição de parar a construção dos assentamentos. Mesmo com as negociações sendo anunciadas com júbilo pela comunidade internacional, o governo israelense já noticiou que irá construir mais de 2.000 casas em territórios ocupados em Jerusalém Oriental e em outras partes da Cisjordânia. Evidentemente, isso se deve à pressão de parte do seu governo, do já mencionado partido Casa Judaica e mesmo de políticos de dentro de seu próprio partido, o Likud. Netanyahu sabe que para manter a coesão de seu gabinete, precisa achar uma fórmula entre as pressões dos Estados Unidos (que já declarou que os assentamentos são "ilegítimos") e a amizade de políticos dos partidos pró-colonização dentro de seu governo.
Outra questão sensível é a situação dos refugiados palestinos. Muitos palestinos que vivem em campos de refugiados em países como Líbano, Jordânia e Síria, sonham em retornar para o território em que moravam antes das guerras de 1948-49 e 1967. Isso significa que muitos palestinos almejam residir em lugares no interior do Estado de Israel. A esmagadora maioria dos israelenses nega com veemência esse pedido, pois haveria uma radical transformação demográfica em Israel, que não mais teria uma maioria judaica e, portanto, deixaria de ser um Estado judeu. Por outro lado, é difícil um líder palestino abrir mão completamente de lutar por algum benefício para os refugiados. O retorno é algo quase impossível. Talvez uma opção a ser negociada seria uma indenização, por meio da criação de um fundo internacional, com contribuições de Israel (o que também é difícil, dadas as condições financeiras do país).

Com todos esses desafios postos, já se sabe, de antemão, que as negociações serão extremamente complicadas e que um acordo, que seja aceito como justo por ambas as partes, terá grandes dificuldades em ser alcançado.

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