Atualizado em 22 de agosto de 2013
Desde março de 2011, somos apresentados a cenas chocantes vindas da
Síria quase diariamente. Vemos as forças armadas do país comandado por Bashar
al-Asad atacando subúrbios de cidades populosas; vemos imagens de rebeldes armados atacando alvos governamentais; recebemos estatísticas
que indicam um crescente número de mortos; vemos imagens de explosões de casas
e prédios e posteriormente imagens de pessoas mortas ou feridas, muitas das
quais são crianças.
Mas, afinal, o que está
acontecendo na Síria?
O que está acontecendo na Síria é
mais um episódio da série de revoltas que está abalando o Norte da África e o
Oriente e Médio e que vêm recebendo o nome de “Primavera Árabe” na grande mídia.
São revoltas populares clamando a renúncia de ditadores ou exigindo reformas
democráticas.
Em cada parte, o rumo dos
acontecimentos tem sido diferente, mas em alguns países, o movimento teve
sucesso. O primeiro episódio ocorreu na Tunísia, onde uma série de
manifestações levou, em janeiro de 2011, à renúncia do ditador Zine al-Abidine
Ben Ali, que ocupou o poder no país durante 23 anos.
A segunda vítima foi o ditador
egípcio Hosni Mubarak, há trinta anos no poder, que renunciou em fevereiro de
2011 após uma série de protestos e combates ocorridos na praça Tahrir (Praça
da Libertação), na capital, Cairo. Em seguida, foi a vez de Muamar al-Kadafi,
ditador que ocupou o poder na Líbia desde 1968, e que foi derrubado do poder no
final de 2011 pelos revoltosos, ajudados por bombardeios aéreos da Organização
do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Após a tomada de poder pelos opositores, Kadafi
tentou fugir do país, mas foi encontrado e morto.
Protestos e episódios de violência
também ocorreram no Iêmen, na Jordânia e em alguns Estados do Golfo.
Desta vez, a pressão popular tem
se feito sentir contra o presidente da Síria Bashar al-Asad.
Asad ocupa o cargo de dirigente
máximo na Síria desde o ano 2000, em virtude do falecimento de seu pai, Hafiz
al-Asad, que ocupava o cargo desde 1970. Portanto, a família Asad está no poder
na Síria há 42 anos.
Os problemas começaram em março
de 2011, quando um grupo de crianças e adolescentes pichou palavras de protesto
em muros na cidade de Deera, no sul do país, inspirados pelas revoltas na
Tunísia e no Egito. Forças de segurança detiveram os jovens e surgiram
acusações de que eles teriam sido torturados. Nos dias que se seguiram,
centenas de pessoas tomaram as ruas de Deera exigindo a libertação dos jovens e
demandando reformas democráticas. A resposta governamental não demorou. Tropas foram
enviadas à cidade e a repressão foi violenta. Primeira contagem: 4 mortos.
No dia seguinte, sucederam-se
manifestações em várias partes do país, principalmente em Homs, cidade com
grande contingente de opositores de Bashar al-Asad.
A partir de então, a revolta se
espalhou com grande rapidez. A resposta do governo foi a mesma: artilharia
pesada contra os bairros e cidades de oposição. Os meses foram se passando e o
que era, em princípio, um movimento pacífico de protestos por reformas
democráticas, tomou a forma de uma revolta armada com o objetivo de derrubar o
presidente.
Soldados que desertaram do
exército se juntaram a grupos que obtiveram armas por conta própria e formaram
o chamado “Exército Livre da Síria”. Armados, começaram a atacar as tropas do
governo. Bashar al-Asad os chamou de terroristas e suas campanhas militares
desde então têm sido justificadas como medidas para derrotar o “terrorismo”.
Asad tem enviado armas pesadas e tem ordenado ataques sucessivos a bairros
apinhados de civis. O resultado tem sido milhares de mortos, em grande parte civis.
A repressão violenta do governo
gerou indignação ao redor do mundo. Estados Unidos e União Europeia agiram para
pôr fim ao massacre. Tomando por base uma proposta da Liga Árabe, recorreram à
Organização das Nações Unidas (ONU) e apresentaram um projeto de resolução no
Conselho de Segurança exigindo a renúncia de Asad. Porém, Rússia e China, com
interesses na Síria, vetaram a proposta, que, consequentemente, não pôde entrar
em vigor.
Um grupo político também se
formou no exílio. Opositores de Asad que vivem na Europa formaram o “Conselho
Nacional Sírio”. O grupo buscou ser reconhecido internacionalmente como o
governo legítimo da Síria, mas era sempre marcado pela fragmentação e pelas divergências internas. Mas em 11 novembro de 2012, os opositores sírios se reuniram em Doha, no Qatar, com o objetivo de unificar a oposição a Bashar al-Asad. Como resultado das negociações, fundaram a Coalizão de Oposição Síria. A Liga Árabe prontamente reconheceu a nova organização como a única representante do povo sírio e como entidade legítima para governar a Síria. Em 13 de novembro, a França se tornou o primeiro país ocidental a reconhecer a nova organização como governo da era pós-Asad.
Porém, no terreno diplomático, os obstáculos a serem superados parecem quase intransponíveis. No início de 2012, o
ex-secretário-geral da ONU, Koffi Annan, foi enviado pelas Nações Unidas à Síria na tentativa de mediar o conflito. Asad foi duro ao afirmar que somente
após a derrota dos “terroristas” poderia haver negociação.
Diante das infrutíferas tentativas de mediar o conflito, Annan renunciou ao seu papel de enviado especial. Em 17 de agosto de 2012, o argelino Lakhdar Brahimi, membro de uma organização interestatal que trabalha em prol da paz em conflitos ao redor do mundo, foi indicado como substituto de Annan. Brahimi disse ao chegar à Síria que o conflito era um "perigo para o mundo". Lakhdar Brahimi se encontrou com Bashar al-Asad em 15 de setembro de 2012, uma trégua foi anunciada, mas não cumprida. Ocorreram algumas conferências dos denominados "Amigos da Síria", porém também foram infrutíferas.
A última tentativa de mediação foi a convocação de uma conferência para junho de 2013, proposta aceita pelos Estados Unidos e pela Rússia. Contudo, segundo Brahimi, nem o governo, nem os rebeldes, estavam "preparados para comparecer".
Nos últimos meses, o conflito tem se tornado cada vez mais encarniçado, com a ocorrência de atentados que causam a morte de civis, que o governo alega serem cometidos pelos rebeldes, e com a atuação brutal das forças do governo, que praticam atos de repressão violenta em áreas opositoras.
Além disso, o conflito chegou ao centro do poder político e econômico. Desde meados de 2012, frequentes confrontos têm ocorrido nos subúrbios de Damasco, em uma ofensiva para atingir as posições da elite dirigente síria. Os rebeldes conseguiram ocupar posições estratégicas em vários pontos da capital. Além disso, iniciaram uma luta encarniçada em diversos bairros de Alepo, centro econômico do país.
Os ataques dos rebeldes têm se intensificado nos últimos meses, quando passaram a receber armamentos pesados, inclusive baterias anti-aéreas. Paralelamente a isso, grupos extremistas, que entram no país vindos de outras áreas, como Iraque e Líbano, têm realizado atentados suicidas próximas ao centro do poder.
Além disso, a crise na Síria tem provocado implicações políticas no círculo interno de governo, com a deserção de importantes figuras próximas a Bashar al-Asad. O principal desertor foi o General Manaf Tlas, que abandonou Asad em julho de 2012. Tlas, até então aliado e amigo de Asad, era comandante da Guarda Republicana, órgão que é um dos sustentáculos do poder da família Asad. Outros militares de alta patente também desertaram.
Com a escalada da violência, uma enorme onda de refugiados sírios se formou. A maioria dos refugiados se abrigou na Turquia, Jordânia e Líbano, em áreas próximas à fronteira com a Síria. Na Turquia, escaramuças entre militares turcos e refugiados sírios têm ocorrido.
Desde o fim de 2012, a luta contra o governo indica uma atuação mais contundente de grupos extremistas islâmicos, como mostram recorrentes atentados desse tipo. O principal grupo extremista atuando em solo sírio é o an-Nusra, que afirma ter laços com a al-Qaeda.
Além disso, grupos externos agem na Síria. Em meados de 2013, quando houve o embate entre as forças armadas do governo e os rebeldes se deu na estratégica cidade de al-Qusayr, houve uma atuação incisiva do Hizbollah, grupo xiita libanês aliado de Bashar al-Asad e do Irã.
Em agosto de 2013, o principal grupo de oposição, a Coalizão de Oposição Síria, afirmou que um ataque com armas químicas havia deixado pelo menos 1.300 pessoas mortas em um subúrbio de Damasco controlado pelos rebeldes. O governo nega tal ataque. Nesse mesmo momento, uma comissão da ONU está na Síria para averiguar denúncias de uso de armas químicas pelo governo e pelos rebeldes.
Na verdade, nos últimos meses, têm crescido os indícios de que armas químicas estão sendo utilizadas. O Presidente Barack Obama afirmou, há alguns meses, que se Asad utilizasse esse arsenal, teria "cruzado a linha vermelha", indicando que poderia recorrer a uma intervenção armada. Contudo, fontes de instituições internacionais têm afirmado que o governo tem utilizado o gás sarin contra rebeldes, mas nenhuma medida internacional foi adotada. No início de junho de 2013, a França acusou o governo de Asad de atacar os rebeldes com o gás sarin. Em agosto, depois do suposto ataque com gases venenosos, o governo francês afirmou que a comunidade internacional deveria responder "com força".
O Conselho de Segurança das Nações Unidas se reuniu depois do ataque, mas nenhuma ação foi decidida.
Esse episódio, se de fato for confirmado o uso de gases venenosos (sarin e gás mostarda), será um episódio de aprofundamento da crise humanitária e um dos mais cruéis massacres contra a população civil.
Agora, dois anos e meio após o início da "Primavera na Síria", estatísticas indicam que mais de 100 mil pessoas morreram e que cerca de 2 milhões de sírios tenham se tornado refugiados. Até o momento, apesar das sucessivas tentativas de mediação diplomática, a violência continua dando o tom dos acontecimentos.
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