Há alguns dias, vimos que israelenses e palestinos retornaram à mesa de negociações para tentar dar um fim ao conflito Israel-Palestina. Resultado da insistência do Secretário de Estado norte-americano John Kerry, as negociações foram iniciadas formalmente no dia 29 de julho de 2013 em um jantar em Washington e estão previstas para durar 9 meses.
Mas, afinal, o que estará sobre a mesa durante as conversações?
As negociações foram reiniciadas depois de 3 anos de paralisação por conta de divergências entre os dois lados. O jantar ocorrido em Washington, na verdade, não foi o início das negociações, mas um encontro entre as partes para sinalizar boas intenções. Os negociadores serão Tzipi Livni (Ministra da Justiça israelense e ex-Ministra do Exterior no governo de Ehud Olmert) e Saeb Erekat (político e acadêmico palestino que há 20 anos participa de negociações com israelenses).
O fato é que diversas questões delicadas do conflito entre israelenses e palestinos deverão ser discutidas, muitas delas centrais para a auto-percepção das duas nações.
Abaixo, seguem alguns pontos que serão negociados.
Fronteiras:
O primeiro ponto a ser discutido. A negociação parte do reconhecimento mútuo de que a solução do conflito deverá vir com a criação de dois Estados: o Estado de Israel e o Estado da Palestina (englobando a Cisjordânia e a Faixa de Gaza). Porém, as fronteiras do Estado palestino são alvo de divergência entre as partes. Os palestinos querem que a fronteira da Cisjordânia seja baseada nas "fronteiras de 1967", isto é, que siga a linha demarcatória que existia antes da Guerra dos Seis Dias, em junho de 1967 (ver
O que é a Questão Palestina, 2ª parte). Os palestinos, no entanto, aceitam uma alteração naquela fronteira, com a condição de que haja uma troca de territórios equilibrada. Ou seja, a troca não deve ser apenas quantitativa, mas também qualitativa (como uma troca de áreas férteis por áreas férteis).
No entanto, a questão das fronteiras está relacionada a duas outras questões mais fundamentais: o status de Jerusalém e os assentamentos judaicos.
Jerusalém:
Após a Primeira Guerra Árabe-Israelense, entre 1948 e 1949 (ver
O que é a Questão da Palestina, 1ª parte), Jerusalém ficou dividida: Jerusalém Ocidental sob controle israelense e Jerusalém Oriental sob controle jordaniano (a Jordânia ocupou toda a Cisjordânia no desfecho da guerra de 1948-49). Em Jerusalém Oriental estão localizados importantes lugares sagrados para judeus, cristãos e muçulmanos. Na cidade está localizado o Muro das Lamentações (ou Muro Ocidental), parte do Templo Judeu que existiu na Antiguidade e foi destruído pelos romanos em 70 D.C., durante a Revolta Judaica contra o Império Romano (66-73 D.C.). O Templo de Jerusalém era o centro da vida religiosa judaica da Antiguidade, pois acredita-se que o próprio Deus (Yahweh) ordenou a construção da primeira versão do templo (construído por Salomão, segundo a crença judaica e cristã). O templo foi reconstruído por Herodes no século I D.C. e até hoje desperta profundas emoções nos judeus.
Por outro lado, a cidade também abriga a Esplanada das Mesquitas (ou Haram ash-Sharif). No local há duas importantes mesquitas: a) a Mesquita do Domo da Rocha, que possui uma cúpula toda em ouro (por isso é chamada também de Mesquita da Cúpula Dourada) e hoje é um dos símbolos de Jerusalém, pois pode ser vistas a longas distâncias; b) a Mesquita de Al-Aqsa (A Distante), muito importante na crença muçulmana, pois acredita-se que foi deste ponto em que Mohammed (Maomé) fez sua jornada noturna. O Muro Ocidental também é venerado pelos muçulmanos, sendo chamado de Al-Buraq (segundo a crença muçulmana, Al-Buraq foi o cavalo alado que conduziu Maomé em sua jornada noturna). Portanto, o lugar é altamente sagrado para os muçulmanos - o terceiro mais sagrado, depois de Meca e Medina.
Não é surpreendente, portanto, que Jerusalém seja vista como um local altamente simbólico. Isso, por sua vez, faz com que a "Cidade Santa" seja incluída nas duas narrativas nacionalistas e, logo, seja alvo de acaloradas contendas políticas.
Jerusalém está no centro da disputa entre israelenses e palestinos hoje. Em 1967, durante a Guerra dos Seis Dias, Israel conquistou Jerusalém Oriental. Em 1980, Israel anexou-a e incluiu em suas "Leis Básicas" (espécie de Constituição) o artigo que diz que Jerusalém é a "capital una e indivisível" de Israel.
Os palestinos querem que Jerusalém Oriental seja incluída em seu Estado e querem fazer da parte Leste da cidade sua capital. Os israelenses, por sua vez, não aceitam dividir a cidade.
Assentamentos:
Os Assentamentos Judaicos são colônias construídas nos territórios ocupados por Israel após a Guerra dos Seis Dias, nos quais vivem judeus israelenses. Há assentamentos na Cisjordânia e nas Colinas de Golã (Síria). Os assentamentos na Faixa de Gaza foram desmantelados no processo de desocupação do território em 2005. Na Cisjordânia, segundo estatísticas da organização israelense B'Tselem, em 2011 havia cerca de 515 mil colonos vivendo em 121 assentamentos . Muitos judeus se dirigiram para essas áreas por conta de crenças religiosas, considerando a Cisjordânia como "Judeia e Samaria", uma área dada aos judeus por Yawheh e que não pode ser cedida aos palestinos. No entanto, há também muitos judeus que foram morar em colônias por motivos econômicos. A moradia nas colônias era mais barata do que no território de Israel e o governo em muitas ocasiões estimulou a ida de judeus israelenses para esses locais. Alguns desses assentamentos estão em Jerusalém Oriental e são considerados "bairros" pelos israelenses e não "colônias". Os principais deles e que têm gerado as maiores controvérsias são Ma'ale Adumin e Har Homa, pois o governo de Israel tem autorizado constantemente novas construções nesses assentamentos.
Os palestinos demandam a evacuação de todos os assentamentos para que um Estado palestino tenha contiguidade. Os israelenses pedem que alguns sejam mantidos, principalmente os localizados no limite entre a Cisjordânia e Israel. Os palestinos aceitam, por princípio, a manutenção de alguns desses assentamentos em troca de outras porções de território. No entanto, outros são mais problemáticos. O assentamento de Ariel, por exemplo, com 18 mil habitantes, é demandado por Israel. Porém, Ariel está localizado bem no interior da Cisjordânia, ao sul de Nablus.
Os palestinos haviam imposto como condição de negociação a paralisação completa de construção dos assentamentos, o que não foi feito. Aliás, esse foi o motivo do fim das negociações em 2010.
O governo israelense alega que precisa construir assentamentos para dar conta do crescimento demográfico de Israel. Já os palestinos alegam que a construção mina o processo de paz, pois no longo prazo poderia significar o fim de qualquer possibilidade de existência de um Estado palestino viável.
Refugiados palestinos:
Um dos pontos mais polêmicos das negociações será a questão dos refugiados, palestinos que fugiram ou foram expulsos de suas casas durante a guerra civil entre árabes e sionistas, entre novembro de 1947 e maio de 1948, e durante a Primeira Guerra Árabe-Israelense (1948-49). Segundo dados da Agência da ONU dedicada exclusivamente aos refugiados palestinos (UNRWA), cerca de 760 mil palestinos se tornaram refugiados nesse período (alguns argumentam que foram muito mais). Além disso, outros palestinos se tornaram refugiados como consequência da Guerra dos Seis Dias em 1967. Hoje, segundo a UNRWA, são cerca de 5 milhões. Vivendo em campos de refugiados em várias partes do Oriente Médio, como Líbano, Jordânia, Síria e Iraque, muitos deles vivem em uma condição precária, sem direitos plenos (como no Líbano), ou como vítimas de represálias em situações de guerra (como no Iraque em 2003).
Os palestinos demandam o "direito de retorno" dos refugiados, baseados em resoluções da ONU de 1949, que determinava que Israel deveria permitir o retorno daqueles que desejassem.
Israel rejeita esse pedido, alegando que esse afluxo de árabes descaracterizaria Israel como "Estado judeu". Aliás, uma demanda do Primeiro Ministro israelense Benjamin Netanyahu é que Mahmoud Abbas (Presidente da Autoridade Palestina) reconheça Israel como Estado judeu. Abbas nega, afirmando que isso poderia pôr em risco a segurança jurídica e civil dos árabes israelenses (árabes que permaneceram em Israel depois da guerra de 1948-49). Além disso, isso também impossibilitaria a demanda pelo direito de retorno dos palestinos refugiados.
Os pontos acima são as principais questões nas negociações e que podem gerar os maiores embates entre as duas partes. Questões como segurança, prisioneiros e recursos hídricos também devem ser discutidas.
Segurança:
A segurança provavelmente será discutida desde o início e parece não gerar muitas controvérsias. Israel demanda que o Estado palestino seja desmilitarizado e que o futuro governo palestino tome todas as medidas para evitar o terrorismo. O argumento de Israel é que após a retirada da Faixa de Gaza em 2005, o Hamas ocupou o território e daí lança foguetes contra o território israelense. Os palestinos tendem a aceitar algumas dessas demandas com reticências. Aceitam o argumento da segurança de Israel, mas desejam que seu Estado não seja uma mera ficção, sem soberania plena.
Prisioneiros:
Esse foi, na verdade, a primeira questão a ser tratada. Israel aceitou libertar 104 prisioneiros palestinos como gesto de boa vontade para dar início às negociações. Segundo a organização israelense B'Tselem, no final de junho de 2013 havia cerca de 4.800 prisioneiros palestinos em prisões israelenses. Alguns deles estão detidos segundo as chamadas "prisões administrativas", em que indivíduos são presos mesmo sem acusação formal e podem ficar nessa situação por até 6 meses. Há diversos casos de detenção de crianças, o que tem sido alvo de duras críticas internacionais.
Recursos hídricos:
O Oriente Médio é uma área do mundo onde a água é um bem escasso. Israel controla grande parte da água do Rio Jordão e aquíferos da Cisjordânia. O consumo de água pelos palestinos é severamente restrito devido a necessidades militares, tornando a vida da comunidade palestina altamente precária devido ao caráter vital da água. Além disso, em muitas áreas, a água que falta aos palestinos flui para os assentamentos judaicos. Na tentativa de remediar essa situação, palestinos constroem cisternas para captar a água da chuva. Porém, em algumas ocasiões, o Exército de Israel demoliu essas construções alegando que foram erguidas sem permissão. Muitos consideram a água uma questão central que não é devidamente tratada nas negociações.
Na próxima postagem, serão avaliadas as possibilidades de efetivação das negociações, levando em consideração os pontos listados acima.
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